Habemus Papam. Chama-se Leão XIV.
Acolhamos o novo Papa com alegria, saudemo-lo cheios de esperança. É o Papa para o tempo atual da vida da Igreja e do mundo. Bem-vindo, Santo Padre, ao ministério de Bispo de Roma! Que o Espírito Santo Paráclito (Defensor e Consolador) o inspire, o proteja e o console!
Queridas Irmãs e queridos Irmãos, nas últimas semanas vivemos Páscoa a sério, com sentimento contrastantes, de dor e de alegria, de luto e de esperança renovada. Despedimos com sincera emoção do querido Papa Francisco. A solenidade da entrada dos cardeais em Conclave foi acontecimento a que assistimos em direto, até ao momento do «extra omnes» (todos fora) e do fechar das portas. Mas todos nós estávamos, de certo modo, dentro. Aqueles cardeais, na gravidade de sua liberdade de consciência, na densidade espiritual de um dos mais importantes acontecimentos eclesiais, na seriedade do discernimento no meio da sua humanidade, representavam toda a diversidade católica do Povo de Deus. Todo o mundo em direto, em expetativa, até ao fumo branco que veio mais cedo do que se esperava…E que alegria na Praça de S. Pedro, ressuscitada na esperança e no júbilo pelo simples facto de haver um novo papa. Isto são as entranhas do catolicismo: seja quem for a pessoa, o Papa, bispo de Roma, será sempre o nosso Papa. E isto é real, é profundo acontecimento eclesial, também acontecimento planetário, em que todos nós participamos, emocionados, expectantes, através da comunicação social.
Vemos, na narrativa da Igreja nascente dos Atos do Apóstolos (Primeira Leitura), como o evangelho se expande, sem fronteiras, desligando-se, não sem dor, da sua origem judaica. A Igreja reinventa-se no meio das crises. Onde aparecem bloqueios e resistências, encontra alternativas: «Uma vez, porém, que a rejeitais e não vos julgais dignos da vida eterna, voltamo-nos para os gentios, pois assim nos mandou o Senhor: ‘Fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra’». A recusa dos judeus é a alegria dos gentios, dos povos de cultura grega. Desde as suas origens, abrindo-se à diversidade de povos e de raças, a Igreja compreende-se «católica», para todos, sem espaço geográfico específico. Entre resistências, perseguições, alegrias, adesões, a Igreja avança no espaço e no tempo, como acontecimento de inclusão, aberta à diversidade cultural e geográfica, com ousadia criativa, sem medo do desconhecido.
A biografia do Cardeal Prevost é ela mesmo expressão da catolicidade da Igreja. A sua origem (norte-americana, nascido nos subúrbios da pujante cidade de Chicago), as suas origens familiares (francesa, italiana, espanhola, crioula ou mestiça da Caraíbas), fazem de sua via uma síntese encarnada de encontro de culturas. É neto de imigrantes nos EUA. Matemático de formação e canonista por especialização, há nele a propensão pelo concreto e pelo rigor. A sua experiência missionária no Perú fez dele pastor no meio do seu povo, com mãos e pés mergulhados na lama. Nascido na cultura urbana norte-americana, amou a cultura indígena das gentes de Chyclaio, onde foi bispo. Conhecedor do terreno, a pé ou a cavalo, como missionário, foi homem de governo, primeiro como geral dos Agostinhos, e depois como responsável pela seleção dos bispos em Roma, aqueles bispos com «cheiro a ovelha», identificados com o Povo, que o Papa Francisco pedia e queria.
Na biografia do Cardeal Prevost é a catolicidade da Igreja que se cumpre, se vive e toma carne, não como ideia, mas como forma de vida, estilo pastoral e de governo, encontro direto de pessoas e de culturas. Todas as periferias, todas as diversidades culturais, todos os povos, toda a singularidade de vivências de fé estão agora reunidas (sintetizadas) na pessoa do bispo de Roma e pastor universal da Igreja. Isto comove-nos profundamente. Estamos a ver a grandeza da catolicidade da Igreja a acontecer diante dos nossos, a nos envolver, a nos apaixonar. Que graça a nossa, num mundo em tensão e incerto, sermos testemunhas de tão grandiosos sinais de esperança!
Hoje, a liturgia do IV Domingo da Páscoa celebra o dia do Bom Pastor que é Cristo, aquele que, continuamente, dá a vida pelas suas ovelhas, as conduz aos prados verdejantes e às fontes da água viva. Verdadeiramente inspirados (soprados) pelo Bom Pastor, todos nós nos queremos cumprir como povo fraterno de irmãos batizados, no cuidado e no serviço uns pelos outros. Somos o povo do Senhor, as ovelhas do seu rebanho. O Bom Pastor chama por nós, com uma palavra própria dirigida à singularidade de cada um de nós. Ele nos agarra em suas mãos vivificantes e salvíficas, e não permite que nada nem ninguém nos arranque desta alegria pascal: «Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me. Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão».
À semelhança de Cristo Bom Pastor, compreendemos e queremos viver todo o exercício de autoridade na vida da Igreja. Cristo Bom Pastor é a profecia, a promessa, a inspiração e o fundamento de todos os pastores que, pelo ministério da ordem, presidem à vida das comunidades. Os párocos e capelães nas comunidades locais, os bispos nas Igrejas locais, o Papa, como Bispo de Roma, na comunhão das Igrejas e de todos os cristãos.
Pertence ao ministério próprio do Bispo de Roma presidir à comunhão católica na sua diversidade e universalidade, e também ser sinal de unidade nos caminhos de comunhão com as Igrejas ainda separadas. Rezemos, pois, agradecidos, pelo Papa Leão XIV que inicia o seu ministério de bispo de Roma. Foi o cardeal eleito para ser instrumento de paz e de reconciliação no interior da Igreja, entre os povos, nos corações humanos marcados por tantas feridas e exclusões. Que seja, efetivamente, o garante da unidade na diversidade, da continuidade da tradição numa permanente renovação, ecclesia sempre reformanda, escutando o sentir dos crentes e das pessoas em suas vidas concretas. Promova uma sincera e eficaz sinodalidade, em que os processos de escuta do Povo de Deus se traduzam em estruturas de corresponsabilidade, em reformas concretas, em adequada legislação canónica. O Papa Leão XIV saiba e consiga, e isso esperamos, «enraizar as sementes generosamente deixadas pelo Papa Francisco» (Andrea Grillo).
O papa eleito, Leão XIV, já se cumpriu como bispo do Povo e para o Povo. Bispo que não deixa de pertencer ao Povo de Deus nem compreende o seu ministério separado do sentir do Povo. Na herança agostiniana, que dá forma à sua espiritualidade, diz de si: «Convosco sou cristão, para vós sou bispo». A diferença do Pastor («para vós») situa-se na comum condição de batizados: «Convosco sou cristão». E aqui já se anuncia uma verdadeira e profunda compreensão da autoridade episcopal (de pastor), mergulhada na comunidade e e ao serviço da comunhão dos fiéis: «Convosco sou cristão». E um exercício do Primado do Bispo de Roma menos carismático, menos pessoalizada, mais institucional e mais discreto, pode parecer uma perda em termos de impacto mediático, mas em termos de vivência e prática sinodais pode ser um bem e uma oportunidade. Um Papa que desapareça para que Cristo permaneça, que se torna pequeno para que Cristo cresça no coração dos fiéis, é testemunho evangélico e promessa de esperança.
O novo Papa escolheu para nome Leão XIV, filiando-se, assim, na herança de Leão XIII, o Papa que na transição do século XIX para o século XX, em plena crise social causada pela revolução industrial, teve a ousadia de defender os operários e convocar a ação dos cristãos para as questões da pobreza e da injustiça social, denunciado a cegueira de um capitalismo assente no lucro e na exploração e de um marxismo apostado na revolução e na luta de classes. Nasceu com Leão XIII a Doutrina Social da Igreja, como pensamento a inspirar a ação/intervenção dos católicos na vida pública. Em tempos como os nossos de capitalismo global e de triunfo da nova revolução tecnológica, a Inteligência Artificial, o nome de Leão é, por si só, um apelo à atualidade da Doutrina Social da Igreja. Como o próprio Papa justificava ontem no seu discurso programático aos cardeais: «Há várias razões, mas principalmente porque o Papa Leão XIII, com a sua encíclica Rerum novarum, abordou a questão social no contexto da grande revolução industrial; e hoje a Igreja oferece a todos a sua herança de doutrina social para responder a uma outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que colocam novos desafios à defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho».
Somos uma Comunidade que, este ano, fez a opção de aprofundar a doutrina social da Igreja, precisamente para carência do seu conhecimento e da sua prática nos católicos da atualidade. Aqui aprofundamos as questões da guerra e da paz, da distribuição justa da riqueza; também este ano aconteceu aqui na Capela uma ampla reflexão sobre a inteligência artificial. Sentimo-nos confirmados em nossas opções, em nosso estilo, em nossa prática pelo novo Papa Leão XIV. O seu apelo à doutrina social da Igreja é caminho com o qual inteiramente nos identificamos. De coração, e com toda a convicção.
Conte connosco Santo Padre. Fiel e lealmente seguiremos o seu magistério.
Pe. António Martins, Homilia no IV Domingo da Páscoa
