Queridas Irmãs, queridos Irmãos,
Queremos expressar a nossa profunda comunhão orante com o Santo Padre. Como todos sabemos, a sua saúde ainda corre risco. Está a viver, no próprio corpo, um encontro com a Páscoa de Cristo; no presente, com Cristo sofredor. Neste tempo de Jubileu da esperança somos, paradoxalmente, convocados a viver e a testemunhar uma esperança que espera para além das expetativas imediatas. Uma esperança que se enraíza na Páscoa de Cristo, o Vivente. E, por isso mesmo, é uma esperança que não engana. Agradecidos e expectantes, continuemos a rezar, com intensidade e profunda esperança, pelas melhoras do Santo Padre.
Segui para Roma orgulhoso de representar-vos a todos (Comunidade da Capela do Rato) no Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura. Chegado ao aeroporto de Fiumicino e ligando o telemóvel, a primeira notícia que recebi foi a hospitalização do Santo Padre, uma hora antes. Nas últimas semanas havia sinais públicos da crescente fragilidade da sua saúde. Pensei logo que, faltando do «Artista» principal, o Jubileu já não seria o mesmo. E assim aconteceu: faltou júbilo e festa. Os grandes e festivos eventos previstos com a presença do Santo Padre foram cancelados. Os que aconteceram tiveram um tom discreto. Havia um clima de profunda expectativa e inquietação.
Creio que o momento mais alto do Jubileu dos Artistas foi a homilia do Papa Francisco lida pelo Cardeal Tolentino que presidiu à eucaristia no domingo (16 de fevereiro de 2025). Aí faz um apelo profético à missão dos artistas no tempo presente, marcado por tantas feridas, complexas crises e profundas inquietações. Também os artistas são chamados a ser «peregrinos da esperança». Afirma o Papa: «O artista é aquele ou aquela que tem a função de ajudar a humanidade a não se desnortear, a não perder o horizonte da esperança». A verdadeira esperança entrelaça-se com o drama da existência humana; não ignora a dor da história; não oculta os gritos e as lágrimas da humanidade de hoje. Noutra passagem da homilia escreve o Papa Francisco: «a arte autêntica é sempre encontro com o mistério, com a beleza que nos supera, com a dor que nos interpela, com a verdade que nos chama». E dirigindo-se diretamente aos artistas, interpela: «Queridos artistas, vejo em vós guardiães da beleza que sabe inclinar-se sobre as feridas do mundo, que sabe escutar o grito dos pobres, dos sofredores, dos feridos, dos presos, dos perseguidos, dos refugiados».
A homilia profética do Papa Francisco de um apelo a uma criação artística que saiba «inclinar-se sobre as feridas do mundo», é expressão de uma linha condutora do seu magistério que o Dicastério para a Cultura e a Educação tem sabido interpretar e concretizar. Recordemo-nos da ida do Papa à Bienal de Veneza, no ano passado, e sua visita à exposição da Santa Sé numa prisão feminina. No final da tarde de sábado (15 de fevereiro de 2025), foi inaugurada uma pequena galeria de arte (Galeria Jubileu 25) no início da Via della Conciliazione, intitulada «Por Detrás do Muro/ Beyond the Wall». A galeria expõe 27 retratos de pessoas que integram a comunidade prisional da prisão romana Regina Coeli, uma das mais lotadas de Itália e com elevada taxa de suicídio, onde a esperança é um sentimento difícil de conceber. Os retratos são da autoria do retratista chinês Yan Pei-Ming. Presos, guardas, médicos, capelães, pessoas que passam a sua vida atrás dos muros revelam-se aos peregrinos e turistas na singularidade de seus rostos. São resgatados do seu silêncio, da sua clausura, do seu anonimato.
Pei-Ming, que se tem dedicado a retratar os grandes do mundo, retratou, para esta exposição, pessoas frágeis e feridas. Passando pela Via Lungotevere, diante dos muros da prisão, podemos ver na fachada a projeção desses rostos, literalmente luminosos, ampliados e engrandecidos. Cada rosto, expressivo, intenso no olhar, desenhado pelo traço rápido do autor, revela a dignidade de cada pessoa, maior do que os seus erros e os seus limites. A arte cumpre, assim, a sua missão de interpretação das grandes questões contemporâneas. Na procura da beleza, o artista sabe inclinar-se e abraçar as feridas do mundo.
A homilia do Santo Padre e a exposição «Por Detrás do Muro» podem ser para nós, Comunidade da Capela do Rato, fonte de inspiração. Podem e devem! Deixo aqui o apelo: como Comunidade, em nossa ligação com o mundo da arte e da cultura, através das redes dos nossos contactos pessoais, das nossas relações, como poderíamos concretizar o apelo profético do Papa aos artistas, abraçar em suas criações as feridas do mundo presente? Que caminho poderíamos percorrer como Comunidade, convergindo em algum encontro de artistas ou nalguma mostra? Como poderíamos concretizar, entre nós, aqui, uma celebração do ano jubilar com artistas, criadores e gente do mundo da cultura? Deixo a ideia, na esperança da semente se enraizar em boa terra e se tornar fruto.
Queridas Irmãs, queridos Irmãos, vivemos tempos de crescente convocação ao armamento, ao aumento dos orçamentos para a segurança, à retórica da guerra, nosso pão quotidiano. A violência verbal e dos atentados, criando medo e desconfiança, parecem tornar ingénuos quaisquer esforços pacifistas. Contudo, o desarmamento do coração, como o amor e o perdão aos inimigos, está no coração do evangelho, como lemos hoje. Para nosso escândalo e nossa inquietação, para nos convocar a um mais, a uma diferença, radicalmente contra corrente. É necessária uma coragem bem maior para fazer a paz do que aquela necessária para fazer a guerra. É necessário um controle profundo de si mesmo, para resistir à brutalidade do instinto de vingança. Como fez David, na primeira leitura, quando apanha o seu inimigo Saúl, indefeso, a dormir: retira-lhe as armas da cabeceira, poupando-lhe a vida.
E aí está aquela passagem do evangelho, provocatória, impossível: «Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam. Abençoai os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam. A quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra». Bem sabemos todos que a lógica da vingança e da represália comporta sempre uma escalada de violência. O que nos interpela, verdadeiramente, nesta passagem do evangelho de Lucas é uma descontinuidade interior na lógica da violência. Uma resposta nada fácil, quase impossível de acontecer. Amar os inimigos é possível, ainda que pareça impossível. É certo que não acontece naturalmente sem combate interior, sem aquela graça acrescida, implorada e acolhida, que nos capacita para além das nossas forças e (in)capacidades. Também sabemos que a bondade é uma escolha quotidiana para vencer a corrente de ódio e vingança que, frequentemente, nos domina e cega: «fazei bem aos que vos odeiam; abençoai os que vos amaldiçoam».
Pe. António Martins, Homilia do VII Domingo do Tempo Comum

Yan Pei-Ming, Oltre il muro – Regina Cœli, Roma, 2025 Acquerello su carta, 110 x 80 cm
Courtesy l’artista, Dicastero per la Cultura e l’Educazione della Santa Sede,
MASSIMODECARLO