Queridas Irmãs, queridos Irmãos

Que honra e responsabilidade nos são dadas quando emprestamos a nossa voz na proclamação da Palavra de Deus. Quando, não sem temor e humildade, somos chamados, pelo ministério da ordem, ou por alguma responsabilidade eclesial, a anunciar e a pregar em público a Palavra que acreditamos. É uma louca missão, arriscada, mesmo insuportável, esta de darmos a nossa palavra ao anuncio da Palavra de Deus. Se não pregamos, a Palavra como acontecimento vivo não acontece, e a nossa vida não é vivificada por ela, pois «a fé surge da pregação (vem pelo ouvido), e a pregação surge pela palavra de Cristo» (Rm 10,17). Se somos chamados a pregar, sentimo-nos pequeninos, impreparados, com os pés a tremer.

Com toda a sinceridade diremos como o profeta Isaías: «… estou perdido… sou um homem [ou uma mulher] de lábios impuros». Reagimos como Pedro: «Afasta-te de mim Senhor, que sou pecador». Mas é a nós, pobres homens e mulheres incapazes e medrosos que o Senhor confia o anúncio da sua Palavra. A nossa voz, os nossos lábios, os nossos gestos, as nossas palavras, todo o nosso corpo são como que amplificação, ressonância e encarnação da Palavra que anunciamos e, antes de mais, acreditamos e testemunhamos. É a nós, a cada um de nós, que o Senhor encoraja e incendeia pelo seu Espírito, para que, em nossa pobreza existencial, possamos proclamar uma palavra credível. O Senhor toca-nos, cura-nos, capacita-nos. Para podermos responder com Isaías: «Eis-me aqui: podeis enviar-me».

Pela leitura do evangelho de Lucas somos envolvidos na pregação do Senhor, junto ao Lago da Galileia. Jesus é comprimido, se não mesmo sufocado, pela multidão em volta dele. Podemo-nos até imaginar que somos um desses que comprime o Senhor. Ou podemos também imaginar que somos sócios de Pedro numa pequena empresa local de pesca. E ali estamos, depois de uma noite em vão, a amanhar as redes e a preparar os barcos para a próxima noite, tocando, silenciosos, com as próprias mãos o vazio, o nada acontecido, mas não desistindo de recomeçar, mais uma vez.

Há um pormenor «técnico» que pode passar-nos despercebido: «Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra». Jesus pede «uma ajudinha» a Pedro, que afaste o barco onde ele está da praia para, de mais longe, poder pregar o seu evangelho àquela multidão compacta. Que atrevimento aquele de Jesus subir para o barco de Pedro, sem nada lhe dizer antes! Parece que há entre eles uma confiança, uma cumplicidade, prévias a todo o diálogo. Podemos imaginar quanto o ouvido de Pedro já se tinha encantado com as palavras do Senhor; ou quanto o olhar de Cristo já se tinha cruzado com o de Pedro. Pedro colabora prontamente com o Senhor afastando o barco. O seu barco serve de amplificador à voz do Senhor: «Depois sentou-Se e do barco pôs-se a ensinar a multidão». Pedro é nosso pedagogo: como temos a aprender com ele em sermos nós próprios amplificadores da Palavra do Senhor, com os nossos barcos, a nossa vida concreta, as nossas empresas e atividades, os nossos saberes e competências, os nossos fracassos e as nossas mãos vazias, as nossas redes empeçadas por entulho inútil. Pedro ensina-nos como podemo-nos comprometer no anúncio do evangelho no nosso quotidiano, na praia em que vivemos com os seus desencantos e gestos repetidos, mas onde não desistimos de recomeçar.

O Senhor não se interessa apenas pela multidão, com uma pregação em massa; estabelece com Pedro uma confiança transformadora de vida. Nunca esqueçamos: toda a pregação, mesmo dirigida a um grande público, se não provoca encontro pessoal com a Palavra, não é eficaz. O milagre de toda a pregação acontece a nível da adesão interior de cada pessoa, na conversão do coração. E isso é sempre acontecimento pessoal e único. Após pregar à multidão, o Senhor dirige-se diretamente a Pedro: «Faz-te ao lardo e lançai a redes para a pesca». Por outras palavras está-lhe a dizer: «Arrisca pescar em mar largo. Arrisca lançar as redes no abismo do mar profundo». No apelo a Pedro, o Senhor convida-nos a sair da nossa zona de segurança habitual, da praia dos nossos hábitos adquiridos, e a lançar as redes em horizontes mais vastos, mais altos e mais profundos. Também mais abissais e mais desconhecidos, onde os riscos de tempestade são maiores: «Faz-te ao largo!!»
Vemos na resposta de Pedro sinceridade e confiança. O apelo (provocador) do Senhor contrasta com a experiência de fracasso da noite anterior: «andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada». Mas o fracasso da sua experiência não se torna bloqueio para não arriscar outras oportunidades. Responde ao Senhor com inteira confiança: «Mas, já que o dizes, lançarei as redes». O mesmo é dizer: «Acredito em ti e no que dizes. A tua palavra é credível». Em seu barco, qual amplificador, enquanto o Senhor falava Pedro escutava. Pedro é, por inteiro, resposta existencial ao Mestre, porque acredita na sua palavra. Porque confia, arrisca lançar as redes em mar alto. Pedro é um ouvinte transformado pela Palavra que escuta e na qual acredita.

O encontro pessoal entre Pedro e Jesus é o exemplo da eficácia de uma boa pregação (ou de uma boa homilia). Não é apenas uma palavra genérica, indiferentemente dirigida. Leva a um encontro pessoal, a uma conversão do coração, a um agir novo a partir da confiança. Há também uma Palavra que fala à vida, à pessoa em sua realidade concreta; toca o coração porque toca a experiência. Incendia a consciência porque cura a ferida interior: «andámos na faina a noite toda e não apanhámos nada». Todos bem o sabemos, uma boa pregação (uma boa homilia) requer-se simples, próxima, viva, direta, implicativa, com densidade existencial, sem ser banal. Não é catequese, não é sermão, não é lição de teologia, não é apelo ao moralismo; é apelo simples, motivação, consolação, palavra de vida e de esperança. Poucos são os ministros que conseguem fazer boas e belas homilias, simples, diretas, sábias e existenciais. Frequentemente falha a facilidade comunicativa ou a densidade existencial. Quanto exigente é ao pregador, antes de mais, preparar uma homilia (simples, direta, implicativa, breve) em cada semana, na fidelidade à Palavra de Deus e à vida concreta das pessoas, à realidade da sua comunidade.

Uma pregação pode sempre falhar. Pode falhar porque é longa, porque é abstrata, porque é demasiado teológica, porque não passa de repetição (e pior) do que dizem os textos bíblicos, porque não fala ao coração, porque não é palavra de consolação nem de esperança… Todos nós já olhámos para o relógio durante uma homilia que se alonga e só queremos que o pregador se cale, pois a sua pregação é tortura. Quem não passou já pelas brasas durante uma homilia que nada nos disse? Quem de nós já não reclamou, ao menos em silêncio, em família ou entre amigos, que o padre não disse nada de jeito, que falhou o alvo, que nunca mais se calava… Cada homilia é um exercício de comunicação com promessa de eficácia (interior) mas também com a possibilidade de fracasso. E uma homilia é um exercício da palavra em sentido único, (e um exercício que pode resultar autoritário, manipulador, invasivo, sem direito a réplica).

Iniciámos na nossa Comunidade, este ano, momentos de partilha pública da Palavra por pessoas que não são ministros ordenados (religiosos ou leigos), conscientes da inovação, das questões que levanta, das promessas que oferece. Fazemo-lo numa lógica de prática sincera de sinodalidade, de complementaridade entre o ministério ordenado e o sacerdócio comum dos fiéis, entre o magistério próprio dos ministros ordenados e o magistério que brota do sentir dos crentes, a partir da sua experiência concreta. De forma prudente, iniciámos um caminho que, até ao presente, foi bem conseguido. Todos os contributos de partilha pública da Palavra que aqui aconteceram foram sérios, profundos, serenos, com densidade existencial. A forma serena e a profundidade da comunicação das pessoas que por aqui passaram, ajudou a afastar temores e resistências.

As partilhas públicas da Palavra que aqui têm acontecido, com o seu aspeto inovador, inserem-se bem na história profética da capela do Rato. Todos somos convocados a avaliar o processo feito até aqui. E procurar caminhos de futuro. As futuras partilhas públicas da Palavra hão de brotar de dinâmicas internas da própria Comunidade, a partir da escuta, da partilha e oração acontecida em pequenos grupos que, depois, publicamente se partilha. Por isso desafio os grupos existentes (de oração ou de serviço) a marcarem em suas reuniões um ritmo de escuta, oração e partilha da Palavra. Aqueles que já o fazem, continuem. Aqueles que tem dificuldade em se encontrar, ou estão mais desmotivados, têm aqui um motivo para renovada vitalidade. Em calendário ainda a confinar, até ao final do ano pastoral, dois momentos de partilha pública da Palavra sairão, precisamente, da escuta atenta e da partilha fecunda dos grupos (ou equipas) que existem na Comunidade.

Um apelo final: Não podemos permitir que o nosso contacto com as leituras bíblicas do domingo fique reduzido à escuta dos textos e à homilia durante a liturgia da Palavra. É pouco e é pobre. Também como leigos precisamos de ter a exigência no encontro com a Palavra de Deus. Não podemos deixar ao ministro ordenado, ou a quem faz a sua partilha pública, toda a responsabilidade de interpretar e atualizar os textos bíblicos. Nenhum leigo ou leiga responsável pode ficar fora da leitura crente dos textos dominicais. Se exigimos, e temos esse direito, ao pregador uma homilia simples e direta, fiel aos textos bíblicos e à vida concreta, não podemos deixar de exigir a nós mesmos um encontro semanal pessoal com a Palavra de Deus. Antes ou depois do domingo, as leituras possam ser lidas com tempo, meditadas, rezadas, aprofundadas. Em cada semana, cada crente permaneça algum tempo na leitura da Palavra tirando-lhe sabor, por ela se deixando implicar, através dela rezando pela Igreja e pelo mundo. Temos à mão bons subsídios, publicados em livro ou em sites na internet. A homilia ou a partilha pública da Palavra são motivação para o aprofundamento pessoal; fornecem critérios de leitura para uma leitura pessoal. Para que aconteça em nossas vidas o que aconteceu a Pedro: acolheu a palavra do Mestre em seu barco; a partir da sua experiência ferida, aceitou ser implicado em novos desafios: «Faz-te ao largo»; «Já que o dizes, lançarei as redes».

Pe. António Martins, V Domingo do Tempo Comum