Lucas coloca o leitor no cenário solene do Templo de Jerusalém, lugar frequentando várias vezes por Jesus. Neste lugar expressão máxima no funcionalismo religioso e da autoridade sacerdotal, as personagens da narrativa são todas leigas. Leigos são o Menino e os pais, sem nenhuma pertença às famílias sacerdotais; são gente humilde da periférica e distante Nazaré. Leigo é Simeão, cujo nome significa «Escuta»; ancião profeta que viveu na esperança de ver, diante de si, a salvação a tomar carne. Leiga é a profetiza Ana, que significa «Graça», viúva de 84 anos, que faz da sua vida uma contínua liturgia existencial. Simeão e Ana, as vozes da profecia, esperança que espera o futuro, para além de qualquer evidência. Vozes proféticas laicais que interpretam os acontecimentos à luz do Espírito. Gente que mergulha em Deus e na sua Palavra, que vê a presença de Deus na normal apresentação de um Menino, e nesse Menino o acontecer da salvação prometida.
José e Maria apresentam-se no templo com seu filho Jesus, bebé. Fazem-no no rigoroso cumprimento da lei judaica: cada primogénito (cada menino) acabado de nascer é consagrado ao Senhor: porque um filho não é propriedade dos pais, é dom que lhes foi dado. Os rituais judaicos que cumprem, assinalam isso mesmo: aquela criança não é sua, pertence ao Senhor. Eles, pais, são cuidadores e protetores do Menino que não é seu (pertence ao Senhor). Nos braços de José e Maria, o Menino cresce em graça e sabedoria, descobre o mundo e a si mesmo no amor dos pais, amor fecundo que deixa crescer em liberdade, que respeita o mistério e a promessa imprevisível que é uma criança a crescer. Quanto nos inspira a pedagogia de José e Maria, a nós, cuja relação com os filhos não está isenta de traços possessivos.
No templo dá-se o encontro entre passado e futuro num presente jubiloso. O velho Simeão, naquele dia, por um impulso do Espírito, decide sair de casa. Possivelmente violentando o seu corpo de dores pelas artroses, deslocando-se com dificuldade, desarticulado, cambaleante… Sentiu interiormente um apelo não podia recusar: «O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito». Simeão é um esperante, um expectante. Velho, em seu corpo gasto pelo tempo, mas com uma esperança menina: «homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel». Toda a sua esperança se configura na fragilidade daquela criança indefesa e desprotegida que acolhe em seus braços. O Menino dá carne à esperança de Simeão, esperança que o fez viver e esperar, atravessar falências, deceções e crises. Esperança de que não morreria sem os seus olhos (talvez já marcados pela cegueira) verem e suas mãos tocarem o Messias, a esperança de Israel. É a esperança que dá vida à vida. Enquanto há esperança, há vida, podemos dizer, invertendo o provérbio.
O gesto de Simeão é de comovente ternura. Seus olhos brilham de fogo ao elevar nos braços o Menino. Bendiz a Deus por receber em suas mãos o rosto criança da sua esperança: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo». Pode morrer porque os olhos viram, suas mãos tocaram a esperança de Israel e a luz das nações, a carne de um Deus Menino, débil, indefeso, que se oferece como consolação, vida, futuro, luz: «os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos». Um Menino nos é dado, salvação ao vivo, em carne, que podemos tocar, acolher, agradecer. Salvação ao alcance de todos. A esperança viva de Simeão alcança um rosto, uma evidência. E essa esperança tem rosto: é um Menino com promessa de futuro: «luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo».
Mas aquele Menino, sendo o cumprimento da esperança de Simeão (e de todo o Israel), é ainda uma esperança-criança, uma promessa por cumprir. A esperança, mesmo quando vê a evidência da carne da sua espera, não acaba, projeta-se no futuro, alcança novos horizontes, vê mais longe. Aquela criança é ainda uma esperança frágil, mas é uma promessa que faz viver e continuar a esperar. Simeão pode morrer em paz, consolado, porque a sua esperança não foi em vão, alcançou rosto e forma no Menino. Mas não acabou, apenas se renovou. A esperança de Simeão continua viva em nós, a alimentar e a renovar a nossa própria esperança, a nós cristãos perplexos, e talvez desorientados, perante a fragmentação e as loucuras bélicas do mundo contemporâneo.
Simeão e Ana são testemunhos da espera (da esperança viva) que não se deixa vencer pelo desgaste do tempo, pelos impasses e pelas contradições dos acontecimentos. Talvez tenham esperado contra toda a esperança, resistindo à tentação de se renderem ao desespero do nunca mais acontece, do tudo é vão, a realidade não muda, o mundo vai de mal a pior. Aqueles anciãos permanecem jovens porque souberam esperar, não se renderam a leituras fatalistas e desesperadas da vida. Para eles sempre houve futuro, para além do que podiam ver, tocar, pressentir, esperar no imediato. A esperança é a chama interior que nos faz viver para além do imediato, que nos leva a atravessar o tempo desconhecido, obscuro, incerto, imprevisto, como aquele que estamos a viver, sem nos deixarmos vencer pelo horror dos acontecimentos, ou pela confusão dos ruídos e das vozes polarizadas. A esperança é a âncora do coração que nos enraíza no coração de Deus para atravessarmos com Cristo, nesta barca frágil que é a humanidade, as tempestades da história. Recordamos a frase que nos inspira neste ano jubilar: «A esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações».
Simeão e Ana, profetas leigos (e a idade não inibe a voz profética) vêem a salvação a acontecer diante dos seus olhos naquele Menino apresentado no templo. E isso é um ato de fé que é também de esperança, e de palavra publicamente anunciada. Eles vêem a salvação a acontecer no hoje da história, na carne de Cristo que tocam com suas mãos. E todos nós somos testemunhas de Cristo, luz das nações que ilumina o nosso agir e dá consistência à nossa esperança.
Pe. António Martins, Festa da Apresentação do Senhor
