Há pessoas que passam por nossas vidas como meteoros. Aparecem deslumbrantes sem sabermos de onde, qual a sua origem, qual a sua real identidade. Aparecem do desconhecido, e em sua estranha e desconhecida alteridade, viram a nossa vida do avesso. Numa ajuda inesperada, numa palavra de consolo, num abraço que enche de ternura a nossa solidão. Com o dom fugidio de sua presença. Vêm, aparecem, alteram-nos, acrescentam-nos, dilatam-nos, e desaparecem sem rasto. Excêntricas, alegres, deslumbrantes, exóticas, maravilhosas em sua magnífica estranheza.
Assim são os Magos, no relato do evangelho de Mateus: «Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente». Magnifica celebração da imprecisão, da estranheza, de identidades que permanecem ocultas. Nada se diz sobre a sua origem. Simplesmente apareceram em Jerusalém, às portas do palácio de Herodes. Desconhecidos do desconhecido vieram e apareceram; para o desconhecido, de novo, partem e nele desaparecem. Neles e com eles, celebramos a viagem, a grandeza do sonho, a largueza dos horizontes, as noites estreladas ou densas de escuridão, as pequenas estrelas cintilantes que nos orientam, as pequenas luzes que iluminam as nossas noites, o caminhar em conjunto
Na estranheza exótica, incerta e fascinante dos Magos celebramos todas as identidades estrangeiras que nos visitam, que se cruzam com as nossas vidas, que nos ajudam, que nos pedem ajuda, que nos fazem perguntas, que nos revelam o seu rosto misterioso. Identidades que desconhecemos as origens, a história de vida, os percursos existenciais, as estrelas que iluminaram as suas noites e noites privadas de estrelas que atravessaram, sobrevivendo, fugitivos, traficados, perseguidos, ilegais, maltratados, explorados… Magos contemporâneos do oriente que hoje habitam as nossas cidades, vilas e aldeias com trabalhos mal pagos que recusamos a fazer.
Os Magos, como todos nós, atravessam equívocos, batem à porta errada, expõem-se a manipulação. Aparecem à porta de Herodes fazendo uma pergunta inocente, que brota das profundezas das suas convicções, essas mesmas que foram o fogo, a energia, o motor da sua viagem: «Onde está – perguntaram eles – o rei dos Judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O». Uma experiência fundadora no passado leva-nos ao futuro. Do incerto oriente tomam uma orientação interior e chegam ao Oriente encarnado, a Cristo, luz dos Povos e dos corações. A sua pura pergunta provoca uma revolução em Jerusalém. Os sábios consultam as Escrituras. Herodes fica com medo de perder poder; um novo rei acabado de nascer vai concorrer com ele, rei dos Judeus ao serviço do imperador romano: «Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém». Os Magos correm o risco de se deixar manipular, tornados agentes secretos ao serviço do tirano: «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-l’O».
Também nós precisamos de expressar, ingénua e atrevidamente, o que nos vai no coração, a não sufocar as razões da nossa esperança, a dar voz aos nossos desejos mais profundos, aqueles que fazem de nós peregrinos da esperança, a caminho do futuro, com ousadia, audácia, risco e coragem. Não cedendo ao fatalismo das narrativas sociológicas e políticas contemporâneas, às tentações securitárias, à erosão da democracia participativa dando voz e voto a políticas autoritárias de descriminação e exclusão. Onde está Aquele que dá nome ao nosso desejo de sermos humanos, fraternalmente compassivos, cidadãos de uma cidade inclusiva? Em que rostos, em que bairros do Jambujal ou Ruas do Benformoso está o Menino à nossa espera para o adorarmos? Em que corações não vencidos pelo ódio, pelo ressentimento, pela violência e pelo crime nos espera o Menino para o adorarmos? Porque o Menino nos aparece na forma do estrangeiro, do faminto, do sem abrigo: «O que fizestes a um destes mais pequeninos a mim o fizestes».
A Comissão Nacional de Justiça e Paz, fazendo eco da Mensagem do Papa Francisco para o dia Mundial da Paz deste ano, deixa-nos interpelações oportunas, que desafiam a nossa inteligência, o nosso coração e a nossa ação: «Ninguém vem a este mundo para ser oprimido», afirma o Papa Francisco, ao jeito de Jesus. Esta afirmação vigorosa precisa de ecoar na Europa e em Portugal, pois são palavras proféticas que não podem deixar-nos indiferentes.
«Oprimido é aquele a quem tiraram toda a esperança. E, entre nós, há oprimidos sem visibilidade e cuja voz não se faz escutar.
É oprimido o migrante que olhamos com desconfiança e receio, apesar de lhe devermos as tarefas mais árduas ou penosas e que passámos a desprezar.
É oprimido o pobre a quem tantas vezes ignoramos as circunstâncias e os abismos em que se encontra de angústia e de falta de saúde mental.
São oprimidas as comunidades do interior, as vilas e aldeias a quem os fogos do verão e do outono devoram a esperança.
São oprimidas as famílias que vivem sob o jugo das dívidas que contraíram e das taxas de juro que agrilhoam a sua esperança num futuro melhor.
São oprimidos os milhares de jovens à procura de casa por um preço compatível com os rendimentos do seu primeiro emprego».
Assim termina o relato de Mateus da vinda dos Magos: «E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho». Regressaram à sua terra, às suas origens, ao seu oriente natal, com outra orientação interior (interiormente alterados e renovados), a traduzir-se num caminho geográfico alternativo. Os caminhos de violência, de exclusão, de incriminação, de ganância cega não são uma fatalidade inevitável. Podemos escolher outras alternativas nas nossas opções pessoais e nas políticas para a sociedade. Podemos, cada um em si mesmo e todos em cooperação, arriscar, com coragem e audácia, outros caminhos, que possam gerar paz nas relações e um futuro social de fraternidade renovada.
Os avisos aí estão, do Papa Francisco, dos poetas, dos cientistas, dos artistas, dos filósofos, dos sociólogos, alertando-nos para os riscos dos caminhos que, atualmente, estamos percorrendo. São possíveis caminhos novos, diferentes. Este ano jubilar seja mais do que um ano de belas celebrações de abertura de portas santas e belas peregrinações. Seja, sobretudo, a abertura a uma nova consciência de fraternidade e de perdão. Somos todos convocados a um caminho novo de esperança, caminho audaz, talvez mesmo arriscado, certamente em contracorrente.
No presente ano jubilar renovemos as razões da nossa esperança, convertendo-nos em autênticos peregrinos de esperança. Uma vida sem esperança condena-nos à resignação e ao desespero. «Queremos ser anunciadores de uma esperança audaz e não apenas um otimismo politicamente correto. A esperança é ambição do amor. É ousadia» (Mensagem da CNJP). Possa ser este ano jubilar, como nos desafia o Papa Francisco, «um tempo favorável a fazermos do grito do desespero um hino de Esperança».
Pe. António Martins – Homilia na Solenidade da Epifania do Senhor
