Dando continuidade ao seu projeto de apresentar interpretações contemporâneas dos textos da liturgia eucarística, a Comunidade da Capela do Rato acolherá no dia 5 de junho, Solenidade de Pentecostes, na celebração da eucaristia, às 11h30, a interpretação da «Missa Syllabica», de Arvo Part, pelo Ensemble S. Tomás de Aquino. 
 
A «Missa Syllabica» tomará o seu lugar natural no «comum» da sequência litúrgica (Kyrie, Gloria, etc.). O «próprio» (Entrada, Sequência, Ofertório) da missa de Pentecostes acolherá uma obra para saxofone solo escrita por Alfredo Teixeira: «Seis gestos para uma liturgia sem palavras».
 
Neste dia solene de plenitude do tempo pascal, a Comunidade da Capela do Rato procura oferecer e experimentar uma vivência estética, dando a conhecer a criatividade e essa dimensão inspiração cristã da criatividade musical de Arvo Pärt.

APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA E SEQUÊNCIA MUSICAL (por Alfredo Teixeira)

5 de junho | 2022 | Solenidade de Pentecostes
Comunidade da Capela do Rato
Missa Syllabica (1977/1996), Arvo Pärt
Seis gestos para uma liturgia sem palavras (2022), Alfredo Teixeira
Ensemble São Tomás de Aquino | João Andrade Nunes, saxofone e direção
Maria de Fátima Nunes, preparação vocal

Dando continuidade aos seus projetos de diálogo com a cultura, a Comunidade da Capela do Rato (Lisboa) vai acolher, na sua liturgia de Domingo de Pentecostes, no dia 5 de junho, a realização da «Missa Syllabica» de Arvo Pärt. Depois da sua inscrição numa modernidade controlada pelos poderes soviéticos, o compositor estoniano conheceu um período de silêncio composicional, entre 1963 e 1974. Durante essa travessia aprofundou o seu conhecimento acerca de um património pouco estudado nalgumas geografias do mundo sovietizado: o canto gregoriano e a polifonia da renascença. Nesse contexto de «conversão» estética e peregrinação espiritual, emergiram as primeiras obras nesse idioma pessoal, que apelidou de tintinnabulum (pequeno sino).

Acerca da «Missa Syllabica», escreveu: «Eu tinha a intenção de abordar o texto, calando o mais possível as minhas emoções e a minha inteligência, tratando-o de maneira objetiva.» A ideia de objetividade transcreve-se num trabalho minucioso sobre o texto, cuja estrutura silábica explica todo o processo musical: «posso dizer que no meu trabalho, levo em consideração, a mais pequena sílaba, cada vírgula, ponto ou acento». Como um eco das especulações dos autores medievais, em Arvo Pärt, o divino exprime-se musicalmente a partir da ideia de proporção numérica – como em Boécio, Cassiodoro ou Isidoro de Sevilha. Nesta linhagem de pensamento, a música é uma linguagem sobre a essência divina e o número é a manifestação da ordem da Criação.

A «Missa Syllabica» tomará o seu lugar natural no «comum» da sequência litúrgica (Kyrie, Gloria, etc.). O «próprio» da missa de Pentecostes acolherá uma obra para saxofone(s) solo escrita por Alfredo Teixeira: «Seis gestos para uma liturgia sem palavras». Os seis números desta obra percorrem a sequência celebrativa, associando cada momento a um gesto orante. O compositor construiu este itinerário a partir da leitura de um texto de Michel de Certeau, publicado em 1964, sobre o ser orante, que descreve como uma «árvore de gestos»: levantar-se, inclinar-se, erguer os braços, partir o pão, caminhar, etc. Trata-se de um léxico do corpo: «O orante caminha para Deus. Com a parca bagagem dos seus gestos e palavras, prossegue a sua humilde peregrinação. A sucessão das suas posturas e dos seus passos, nesse caminho, implicam a negação de cada postura: não, Deus não está a aqui, mas num lugar outro, sempre mais além, dito por outros vocábulos, recolhido noutras medidas. O gesto não é uma localização do Absoluto.» (Michel de Certeau, «L’homme en prière, cet arbre de gestes» (1964), in La faiblesse de croire, Paris : Éd. du Seuil, 1987, 19).