Queridas Irmãs
Queridos Irmãos,

Somos convocados, pela liturgia do Advento, à concentração da atenção, à espera vigilante, própria de quem tem a certeza que vai acontecer sem saber quando nem como. O canto, as leituras bíblicas, o despojamento estético, tudo nos apela à contenção para concentrar a atenção. A filósofa de origem judia, cristã de coração, operária militante pela justiça, Simone Weil, escrevia em plena segunda guerra (1943): «a oração é feita de atenção. É o orientar para Deus toda a atenção de que se é capaz. Da qualidade da atenção depende em muito a qualidade da oração».

Somos convocados à concentração seguindo, antes de mais, os textos bíblicos, a Palavra que nos orienta: «Dias virão em que cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá», profecia de Deus recolhida no livro do Profeta Jeremias. Deus promete fidelidade ao seu povo, promete cumprir a sua promessa. Essa promessa a cumprir, por um Deus fiel, antes de mais, a si próprio, e à sua aliança, faz renascer a esperança no futuro: «farei germinar para David um rebento de justiça», «Jerusalém viverá em segurança».

De novo, no evangelho de Lucas hoje lido, parece a linguagem apocalítica que nos tem acompanhado nos últimos domingos. Essa linguagem, imaginativa e enigmática, não narra o terror do fim do mundo, mas o segredo que no mesmo germina, por entre dores, tensões, dramas, desastres naturais. Há uma paixão na humanidade, uma paixão na criação, as dores de uma gestação. A literatura apocalítica oferece aos crentes grelhas para uma hermenêutica existencial de esperança, para uma resistência ativa no meio da violência do mundo. Porque se atreve, no meio do pavor e da angústia entre as nações, do rugido do mar, dos desmaios humanos de pavor, imaginar a vitória final de Deus. No evangelho de Lucas, a vitória de Cristo: «Então hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem com grande poder e glória».

Somos convocados a imaginar o inimaginável, a ver o invisível, a esperar o inesperado, a narrar acontecimentos que desconhecemos. É paradoxal, parece loucura, e talvez seja mesmo. Somos incapazes de prever o triunfo pleno do Ressuscitado sobre a violência da morte, a extensão e a consumação da vida eterna a todo o universo, a Páscoa de toda a criação. Ignoramos por completo a vinda desse «Dia» definitivo, em que Deus será tudo em todos. Desconhecemos o tempo e o modo da sua vinda, mas sabemos na esperança que acontecerá. Porque a vitória pessoal de Cristo sobre a morte precisa de se cumprir na vida de toda a humanidade e de toda a criação. Isso é a Parusia, a vinda do Senhor em poder e glória.

Porque esperamos a sua vinda em pleno, porque a queremos antecipar na urgência do seu cumprimento em nós, na humanidade, no universo, somos advento (somos, mais do que estamos). Viver do futuro, para o futuro, é uma condição da nossa existência. O melhor de nós está para vir, vem do futuro ao presente, vem de Cristo Ómega ao nosso quotidiano de peregrinos. Somos vida frágil, ameaçada, em perigo, mas vida prometida a uma consumação futura. Somos em advento, expectantes do futuro onde seremos plenamente nós próprios. Se a partir de hoje a liturgia nos coloca no tempo denso e tenso litúrgico do Advento, precisamos de dizer que advento é toda a história humana, a nossa existência pessoal, a Igreja que peregrina comungando as alegrias e as dores da humanidade.

A artista Lígia Rodrigues, que concebeu estética e graficamente os postais deste ano para a nossa caminhada de Advento, atreve-se a dar-nos a ver o invisível, a apresentar-nos o irrepresentável. A sua arte é expressão, antes de mais, de uma contemplação pessoal que nos convida a contemplar o mistério. Aponta sem invadir, sugere mantendo o véu de ocultamento. É uma arte que confessa, de modo figurativo, a esperança cristã. Guiados pela sua criatividade, os postais deste ano podem ser acolhidos como uma exegese visual dos evangelhos do Advento, como Palavra que se dá a ver. Pela suavidade do seu traço e das suas cores, somos convidados, hoje, a ver o invisível, o inesperado e o imprevisível da vinda de Cristo em poder e glória.
Por isso cantámos no cântico de entrada: «Acende em nós, ó Deus que vens, a promessa do teu Dia». Esta prece, este desejo orante, este pedido de incêndio interior, foi feito por nós, em nome de todos nós, como nossa expressão e nossa voz comum, pelas vozes do Ensemble S. Tomás de Aquino dirigido pelo João Andrade Nunes. O coro, a unidade na diversidade de tons, é uma das belas expressões da iconografia medieval do céu, a celebração do louvor eterno e jubiloso ao Deus tudo em todos. Mas o canto do Ensemble S. Tomás, todo o canto, se pode ser sinal da eterna sinfonia, é canto de gente peregrina, exposta ao perigo de viver, de amar, de imaginar, de criar. Com a poesia de José Tolentino Mendonça e música de Alfredo Teixeira, pedimos, com humildade atrevida: «Venha o teu anjo descobrir o que ainda não vemos: a beleza completamente acesa». Eis a nossa prece de Advento: que o incêndio da beleza acenda em nós o desejo do que ainda não vemos.

Esta espera do tempo novo e definitivo, não nos aliena do presente nem nos retira do drama da história. Sabemos, pela esperança, que a nossa libertação está próxima. Essa certeza leva-nos a nos comprometer com a causa da liberdade e da libertação dos povos, das pessoas, da criação, das comunidades ameaçadas. A fé que espera torna-se operativa. Vigilante para não se deixar alucinar pela embriaguez das seduções do presente, essas promessas de realização imediata, sem dor, sem paixão, sem dom, sem futuro. Reconhecemo-nos na poesia de Augusto Mourão: «Procuramos-te às cegas entre os ídolos/ E de rastos cortejamos as raízes». Enraizamo-nos na vigilância, na concentração, na atenção ao que sentimos, ao que acontece, em nós e no mundo: «Vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer».

Vigiai! Permanecei despertos, acordados e atentos ao acontecer da vida, à vibração interior, ao ritmo cardíaco da humanidade, esse sentir comum. Tropeçamos com a passagem «para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer». Creio não ser correto interpretar no sentido de que seremos preservados das dores do mundo. A vigilância orante e a esperança cristã não são certificados de imunidade contra os vírus que ameaçam a humanidade. Não são vacinas pelas quais alcançamos uma imunidade de grupo. Prefiro ler a passagem com o sentido de se ter força para escapar a tudo o que vai acontecer. Força para escapar no sentido de uma esperança não será derrotada pelo desespero.

Neste caminho sinodal que estamos a viver e a praticar em toda a Igreja, peçamos ao Senhor, invocando o seu Espírito: «Mostrai-nos, Senhor, os vossos caminhos», «ensinai-nos, Senhor, as vossas veredas».

Esses trilhos do futuro que podemos já vislumbrar na obscuridade do presente.

Pe. António Martins, I Domingo do Advento