Queridos Irmãos
«Epifania», termo solene, erudito, vindo diretamente do grego para as nossas línguas. Significa manifestação, iluminação, aparição. Aponta para uma visibilidade, uma realidade que se mostra; mas também indica uma tomada de consciência. Antes de entrarmos no sentido teológico e litúrgico da Epifania (maiúscula), comecemos pelo seu sentido antropológico (epifania).
Quando experimentamos uma sensação de profunda realização, de inteireza da nossa existência, quando tomamos consciência do sentido dos acontecimentos que vivenciamos, podemos dizer que tivemos uma epifania. Quando encontramos uma solução para um problema, para situação difícil e complexa, podemos dizer que tivemos uma epifania. Quando um pensamento surge com clareza na nossa consciência, quando nos sentimos inspirados e criamos, quando as nossas hipóteses de trabalho surgem confirmadas, então podemos dizer que tivemos uma epifania.
A experiência epifânica é esse momento de lucidez, de clareza e de iluminação que nos chega de imprevisto. A consciência abre-se, o coração dilata-se, o sentido é nos revelado, a evidência acontece. É como que uma graça «inesperada». Mas essa revelação surge no contexto de uma fatigosa procura, de um afincado e laborioso empenho. A iluminação, que é dom, acontece na viagem noturna da procura, percorrendo um longo e árduo caminho, por vezes errante, incerto e sinuoso, em que tantas vezes nos sentimos sedentos e desolados. Mas avançamos na busca de uma epifania.
Quais magos (que todos somos), agradeçamos os momentos inspiradores de verdade, de beleza, de criatividade, de bondade, de inteireza, esses momentos luminosos de aparição da estrela; mas não desistamos da viagem incerteza, árida, arriscada e insegura, exposta ao perigo, que é a nossa procura de sentido. Atravessamos, como os Magos, noites em que a estrela se perdeu, e só nos resta a memória de um tempo luminoso, na esperança que o seu brilho volte de novo, cintile no céu da nossa procura. A estrela dos Magos apenas foi vista no início (no Oriente) e no final da viagem, na aproximação da casa do Menino. Longo tempo passaram sem estrela a brilhar, longa viagem fizeram sem iluminação. Mas o brilha da chama da sua procura e do seu desejo nunca se extinguiu.
Epifania: Cristo-Menino, infante, é apresentado e acreditado como luz dos povos, como sol nascente que ilumina e esclarece o sentido da nossa vida pessoal e coletiva. No evangelho de Lucas, Zacarias, cheio do Espírito Santo, canta e celebra a sua esperança: «graças ao coração misericordioso do nosso Deus que das alturas nos visita como sol nascente, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz». Cristo é o nosso sol-nascente, o astro que surge no Oriente, a estrela que desponta. Vem iluminar e rasgar as trevas da morte com o triunfo da vida ressuscitada; vem guiar os nossos pequenos, e por vezes hesitantes e tímidos passos, no caminho da paz.
Mateus acolhe a crença popular que ao nascimento de uma pessoa importante correspondia o aparecimento de um novo astro no céu. A essa crença dá o evangelista um sentido cristológico: Cristo é o sol nascente, o oriente que nos orienta, que guia os nossos passos. Para que as nossas noites possam ser suportadas com esperança e os nossos desertos atravessados com uma resistente coragem. Procuremos no céu a estrela que nos corresponde e, certamente, que a descobriremos; e só encontra quem procura. Olhamos um céu estrelado nas noites escuras de inverno. Só de noite brilham as estrelas. E só de noite as podemos ver. Não encontramos estrelas no céu sem noite.
Fascina-me a escassez de informação do evangelho. Sobre os Magos pouco se diz. A sua origem, identidade e destino fica envolto em enigma: «Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente». Os Magos são enigmáticas e excêntricas personagens que aparecem e desaparecem misteriosamente. Surgem do nada e ao nada regressam. Há um vazio informativo, e esse vazio está no coração da liturgia de hoje. Simplesmente chegaram, apareceram, sem se saber que caminhos percorreram. Anónimos, sem identidade certa, aparecem em transito e desaparecem no horizonte sem deixar rasto. A narrativa sobriamente assinala que «regressaram à sua terra por outro caminho», porque já regressaram a si, encontram a razão da sua procura.
Mas na sua vinda, aparição e rápida passagem, tamanha presença, intensidade e entrega: «prostrando-se diante do Menino, adoram-no. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra». Ofereceram o melhor de si mesmo, ofertas personalizadas, significativas, com história e sentido. E nessas ofertas materiais oferecem-se a si mesmos, em seus corpos prostrados diante do Deus Menino, o rei dos Judeus que vieram adorar. Porque a adoração é expressão de todo o corpo. Possamos nós cultivar uma cultura da adoração no concreto das nossas vidas, em nossas casas, nas rotinas quotidianas. Uma cultura da adoração juntamente com uma cultura do dom de nós mesmos. E assim nos cumpriremos numa liturgia existencial.
O dom mais importante que fazem os Magos é o da sua viagem. Caminho em conjunto, em caravana, noite e dias, desertos e céus estrelados, paragens repousantes, diálogos e silêncios, tempo de espera e acelerações, paciência de recomeçar quando chegam à porta errada, esperança ardente e infinito desejo de uma procura pelos caminhos da ausência, da invisibilidade, sem evidências, nem sinais objetivos. Um sinal no começo, uma confirmação no fim; pelo caminho errâncias, erros, acertos, recomeços.
Na solenidade de hoje celebramos a estranheza, o excêntrico, o enigma, mas também a intensidade da presença, da entrega, da adoração, do dom de nós mesmos de corpo inteiro, a generosidade sem limites. Celebramos e honramos o enigma que cada um de nós é, os nossos caminhos incertos e errantes, a chama do profundo desejo que nos habita, a largueza dos vastos horizontes, as noites estreladas e aquelas privadas de estrelas, o espírito de aventura, a procura sincera de Deus sem que saibamos dar nome, o dom de nós mesmos no transito da vida.
No presépio não podem faltar os camelos; eles, na reinvenção da fantasia, são o transporte dos Magos. Imaginamo-los de turbante oriental, excêntricos e exóticos, em caravana de camelos, atravessando desertos e estepes, vagarosos e pacientes. O camelo é o animal do deserto, resistente, organicamente equipado para fazer largos quilómetros sem beber. Animal de carga, pachorrento e ritmado, oscilando no seu passo. Mas se o texto de Mateus nada nos diz sobre os camelos dos Magos, como é que eles aparecem no presépio?
O Livro do Profeta Isaías (Primeira leitura) dá-nos a chave de leitura. O Profeta imagina a cidade de Jerusalém como capital do mundo, ponto de convergência dos filhos e filhas da diáspora e de todas as nações do mundo: «Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e de Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória de Deus». Jerusalém, tantas vezes invadida, conquista, saqueada, apresenta-se como luz das nações, ponto de convergência dos povos. Neste desfile entram os camelos e dromedários dos povos da Arábia e da Etiópia. Seres humanos e animais, todos convergem para Jerusalém, visão profética de uma cidade de povos reconciliados, de seres humanos aliados aos animais. Não é pura fantasia poética imaginar um presépio com animais reconciliados à volta do Menino. É profecia já cumprida na páscoa de Cristo: «aprouve a Deus reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz» (Cl 1,19-20).
Chamar a alguém camelo talvez deixe de ser insulto para passar a ser um elogio. Talvez este tempo de prova nos ajude a admirar a resiliência dos camelos, a sua dignidade pachorrenta, a respeitá-los na forma como se entregam, carregados, ao caminho. Talvez este tempo de pandemia nos revele a força dos camelos, a sua capacidade de resistência, de carregar os pesos da viagem da vida.
Bem-aventurados todos os camelos que resistem à adversidade da realidade, que conhecem privações, escassez de recursos, resistem à sede, mas avançam determinados.
Pe. António Martins, Epifania do Senhor