Queridas Irmãs
Queridos Irmãos

Em cada domingo procuro partilhar convosco uma palavra com sentido a partir dos textos bíblicos. Esta partilha é o resultado de leituras, de momentos de meditação e de silêncio, procurando relacionar os acontecimentos que estamos a viver com a Palavra que lemos. Mas há momentos e circunstâncias em que isso não se consegue.

Também o padre, como qualquer outro crente, luta, na noite, com a palavra de Deus, qual Jacob com o Anjo, ferido e exausto, sem ver raiar a madrugada do sentido. Também o padre, como qualquer outro crente, quer dizer uma palavra iluminadora e, por vezes, não sabe. Luta, angustiado, com o texto, na angústia do tempo presente. Quer escrever, e não vem a inspiração. Quer relacionar sentidos e eles não se revelam. Sente uma fadiga na mão, no pensamento, um bloqueio no coração…

Ter de fazer uma homilia em cada domingo não é tarefa fácil. Por vezes é uma carga mesmo penosa. Nalgumas circunstâncias é o silêncio e o vazio o que há a partilhar, uma luta com o texto que se nos escapa e nos parece inacessível… Também a mim, os tempos de confinamento criam bloqueios. Não há inspiração que resista. Um cansaço da alma que cresce dentro de nós.

Também a celebração da Páscoa é uma esperança, um ato de fé na ressurreição interior do sentido, da descoberta reveladora do texto bíblico. A fé na ressurreição passa também por um atravessar a noite, o silêncio e o vazio, esperando a madrugada do sentido. Quando tudo parecia ter acabado na morte e num túmulo bem fechado, tudo recomeça no inesperado de uma manhã de primavera: «Não está aqui ressuscitou». O Vivente vai à vossa frente a rasgar os nossos caminhos de futuro.

Por isso a esperança cristã ousa esperar «contra toda a esperança». Conhece os lugares da violência, do desespero, do luto, do vazio, da perda e da morte, mas não se rende à sua vitória final. Atreve-se a resistir, mesmo quando nada sabe, nada sente, nada vê diante de si. Sem rendição, sem desânimo, espera. Espera mesmo quando nos sentimos mais abatidos, quando as forças nos falham e o caminho torna-se mais duro e exigente.

Fazemos nossa a oração do Salmo: «não temerei nenhum mal, porque vós estais comigo». O Bom Pastor conduz-nos às fontes refrescantes da Páscoa, às pastagens da vida em abundância. Ainda que tenhamos de andar por vales tenebrosos. Descobrimos, espantosamente, que a própria Palavra de Deus põe na nossa boca as palavras certas para nos dizermos, para resistirmos ao não sentido. Descobrimos que a Palavra de Deus, feita oração, tem uma poderosa força ressuscitadora na noite: é luz para os nossos frágeis e hesitantes passos. É Palavra de ressurreição.

Celebramos hoje o dia do Bom Pastor. De forma simbólica e indireta, Jesus faz uma violenta denúncia e acusação das autoridades do tempo, aquelas que oprimiam e tiravam vida às pessoas. Contrapõe dois modos antagónicos de exercer a autoridade, o do ladrão (o salteador, o bandido) e o do pastor. O pastor entra pela porta; o bandido sobre a cerca pelos lados. O pastor chama cada uma das ovelhas pelo próprio nome e guia-as para fora, para a liberdade. À voz do ladrão as ovelhas fogem. Ao comportamento destruidor e homicida do ladrão, contrapõe-se a dádiva da vida em abundância de Jesus-Bom Pastor: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância».

Hoje é o dia dedicado aos bons pastores e às boas pastoras (amplio aqui, intencionalmente, a semântica). Porque a arte de bem conduzir pessoas para a abundância da vida declina-se tanto no masculino como no feminino. Somos responsáveis pela vida uns dos outros: exercemos lideranças nas famílias, nas empresas, em organizações nacionais ou internacionais, nas escolas, nas universidades, nos governos das nações ou das autarquias, nas comunidades cristãs. Temos pessoas concretas ao nosso cuidado. À luz do evangelho de hoje, perguntemo-nos: Como cuidamos delas, como vamos ao seu encontro, como temos em conta nas nossas decisões as suas situações concretas, as suas potencialidades e os seus limites?

As nossas decisões podem roubar vida e introduzir morte na vida de outras pessoas, como podem acrescentar e multiplicar vida. Isso depende das nossas escolhas responsáveis. O bom pastor/o bom líder/a boa líder é aquele(a) que consegue promover as pessoas, em suas qualidades e limites, em suas promessas e fragilidades. O bom pastor/o bom líder/a boa líder potencia a vida dos outros, não a diminui; torna-a fecunda, não a humilha.

Ser pastor (ser líder, diremos com uma linguagem atual) é um apelo, é uma vocação que se acolhe, se responde e continuamente se pratica. Ninguém nasce líder, ninguém nasce padre, ninguém nasce consagrado(a), ninguém nasce em relação de casal, ninguém nasce bom profissional ou bom chefe. Toda a vocação é o resultado de uma resposta através de um longo caminho de discernimento, de maturação, de aprendizagem e de treino. A resposta é renovada em cada dia, praticada sempre de novo, com erros, fracassos, hesitações e recomeços.

Rezamos hoje, agradecidos, por todos aqueles e aquelas que, um dia, sentiram o apelo interior de Deus a uma entrega generosa aos irmãos e disseram sim, e continuam a dizer o seu sim. Peçamos ao Espírito Santo que suscite novas vocações de liderança e de serviço, na Igreja e na sociedade, ao estilo do Bom Pastor, tanto de homens como de mulheres. Rezamos por aqueles que, através do sacramento da ordem, são chamados a ser na vida das comunidades sinal encarnado de Cristo «pastor e guarda das nossas almas».

Hoje é o dia da Mãe. A nossa Mãe é/foi a nossa primeira pastora, parafraseando o evangelho. Gerou-nos em si para nos dar à luz, aos outros, ao mundo, a nós mesmos. Ela é/foi a porta pela qual passamos para a aventura arriscada de vivermos por nós próprios. Abriu-nos as portas da liberdade e da autonomia, abrindo o seu próprio corpo. A sua voz nos chamou, pela primeira vez, pelo nosso próprio nome. Essa mesma voz que tantas vezes recusamos ouvir. Aprendemos a segui-la, passo a passo. Aprendemos também a fugir dela. Aprendeu a ser Mãe connosco e para nós, entre tentativas, erros e recomeços. Fomos a custo descobrindo que o seu amor é o único que nos é incondicional.

Não temos origem em nós mesmos, somos dados, somos dom. Queremos agradecer o dom desse amor que nos deu origem, que nos gera enquanto filhos e filhas. Obrigado querida Mãe, onde quer que estejas.

Pe. António Martins, IV Domingo da Páscoa