Queridas Irmãs
Queridos Irmãos

Recordamos ainda o fim do evangelho de domingo passado: «Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho». Levado para o precipício pelos seus conterrâneos, Jesus escapa-se. Se, inicialmente, optou por anunciar a Palavras nas sinagogas, parece, no evangelho deste domingo, que mudou de estratégia pastoral. Vemo-lo a anunciar a Palavra de Deus em campo aberto, ao ar livre, em open space, nas margens do Lago de Genesaré (da Galileia). Jesus sai dos espaços fechados das sinagogas para ir ao encontro das pessoas no concreto da vida. Vemo-lo hoje pregando nas margens do Lago, entre pescadores que lavavam as redes, desencantados, depois de uma noite frustrada em que nada pescaram. O Senhor vem ao encontro das nossas vidas marcadas por noites de insucesso e de fracasso, por canseiras aparentemente infecundas.

Para falar às multidões, Jesus precisa de amplificar a voz, de tomar distância em relação à multidão que o cerca. E fá-lo pedindo um favor a Pedro. Sobe para o seu barco e pede-lhe que se afaste um pouco da praia. A barca de Pedro é agora o púlpito de Jesus, tão pouco litúrgico, tão pouco sagrado, segundo as rubricas. Jesus aproxima-se de nós solicitando as nossas capacidades, potenciando os nossos dons. Ele precisa de nós. Imagino Pedro até um pouco desajeitado mas pronto na sua resposta, generoso no favor que presta a Jesus. Da barca de Pedro, Jesus ensinava as multidões. Imagino também que enquanto os ensinava em suas palavras com autoridade, cheias de vida e de verdade, Pedro se deixou encantar e seduzir. Assim percebemos melhor a confiança que coloca na ordem de lançar as redes em profundidade: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Responde, afirmativamente, porque em seu coração já tinha brotado a fonte da confiança.

Algo se passou no coração de Pedro para acreditar em Jesus, nessa palavra que o convocava a voltar ao lugar do fracasso e do insucesso. Confrontam-se duas autoridades: a da experiência de pescador de Pedro que conhecia bem as correntes favoráveis (e acrescente-se que Jesus não era pescador e que aos olhos de Pedro poderia aparecer desautorizado), e a de Jesus que não sendo pescador, a quem Pedro reconhece autoridade: «já que o dizes, lançarei as redes». O mesmo é dizer: «acredito em ti, acredito no que dizes. O modo como te ouvi falar à multidão toucou-me o coração. Há dentro de mim um instinto, uma voz que me diz que posso confiar nas tuas palavras». O mistério da confiança entre as pessoas brota das palavras credíveis que são ditas, não a partir de uma autoridade legitimada, institucional, académica, técnica, profissional, mas existencial. São as palavras de confiança que anunciam a verdade da vida, que fascinam, fazem sonhar, e fazem-nos crescer a vontade de ir mais longe e mais fundo. De voltar ao lugar da infecundidade, do fracasso, e recomeçar de novo. A nossa vida tem futuro quando alguém confia em nós, quando confiamos e nos entregamos.

E o milagre aconteceu: as redes encheram-se de peixe e os barcos afundavam-se com tanto peso. Lucas exagera, intencionalmente, na narrativa para assinalar ao leitor o excesso do dom, a abundância da vida, a fecundidade da multiplicação, esse encher das redes que vem da Palavra de Jesus aceite e correspondida. Na nossa existência parece que estamos mais «programados» para integrar os fracassos, apesar da sua dimensão penosa, do que para acolher o excesso da graça, a abundância das surpresas da vida. Pedro sente-se esmagado com tamanho excesso de gratuidade. Reconhece-se pecador e incapaz de se aproximar de Jesus. Naquele momento Jesus cria-lhe temor: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Experimenta-se como indigno. Sim, nunca somos dignos nem merecedores da surpresa da graça. Mas é, precisamente, para tornar a nossa vida mais fecunda e mais digna, mais grandiosa e mais dilatada que Jesus nos desafia a atravessar o mar e a mergulhar em profundidade. Também podemos identificar nessa reação de Pedro aquela distância temerosa, de auto-culpabilização, o medo de um Deus que tanto tem marcado uma certa religião, mais do temor do que da misericórdia.

A Jesus não interessa que Pedro seja um pecador, mas que seja um pescador, que saiba estar na realidade, em contacto direto com a vida. O seu passado não interessa mais; não há histórias de vida sem saída, sem futuro, sem possibilidade de redenção. A Pedro e a cada um de nós, Jesus continua a dizer: «Não temas». «Não fiques preso às cadeias das tuas amarras, das dependências do passado; atreve-te no futuro, ousa na confiança». Agora percebemos melhor como as duas expressões «Não temas», «faz-te ao largo» são sinónimas. Mergulhar em profundidade, avançar no alto mar, correndo riscos de tempestade e de agitação, só é possível pela confiança.
«Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». Literalmente, «tomarás vivos os homens». Doravante uma nova pesca: Pescador de humanidade a partir de uma humanidade ferida, de uma existência fracassada, mas potenciada e ressuscitada pela confiança. A partir de uma verdade humildade, a de nós próprios, que não se impõe mas que é capaz de estimular, motivar, indicar horizontes, acrescentar vida. Se, naturalmente, a pesca significa retirar os peixes do seu meio ambiente, a água, com a morte que isso implica, a pesca de pessoas vivas é acrescentar qualidade de vida, retirá-las dos abismos da morte e do medo, do caos do fundo do mar. Significa comunicar vida; numa palavra, salvar.

Esta pesca da vida continua com cada um de nós, em cada um de nós. Saibamos nós também deixar as nossas barcas, as seguranças dos nossos lugares de conforto, e arriscar, na coragem e na confiança, o mar alto. É o nosso tempo.

Pe. António Martins, Domingo V do Tempo Comum

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