Queridas Irmãs
Queridos Irmãos

Após a diáspora das férias de verão, regressamos à normalidade do nosso quotidiano. Recomeçamos como Capela do Rato, com a sua memória e o seu projeto de futuro. Com uma vontade acrescida de acolher a surpresa do novo e de atravessar o desconhecido.

Os últimos acontecimentos eclesiais aí estão a desafiar as razões da nossa esperança, do nosso agir e do nosso testemunho. Em novos contextos históricos, com novas problemáticas, a comunidade é chamada a dar sentido evangélico ao tempo que vivemos, com as suas contradições, a sua complexidade e as suas promessas. Com a sabedoria de que a urgência não contradiz a paciência, a tomada de palavra não se opõe ao silêncio, os receios são o húmus da coragem, a exigência de justiça vai a par da misericórdia e da compaixão. Na vertigem da avalanche das notícias precisamos de ativar o discernimento e o distanciamento crítico.

O estado penitencial e purificador que atravessa, na atualidade, a Igreja inquieta-nos, fere-nos, desafia-nos. Descobrimo-nos uma Igreja pobre, humilhada, atravessada no seu interior por estruturas de pecado. Despojada de todo o triunfalismo, a Igreja apresenta, na praça pública, a sua miserável nudez de pecadora. No abismo do pecado e da violência causada ou sofrida, emerge a audácia e a loucura da esperança cristã: «Onde abundou o pecado, superabundou a graça». Não há situação infernal que Cristo não tenha atravessado em seu amor por nós até ao extremo. É esta a esperança que nos salva. A identificação e o reconhecimento da nossa miséria pessoal e eclesial só têm sentido e eficácia terapêutica perante a misericórdia de Deus. Caso contrário, seria autodestruição, violência justiceira e vingativa, cegueira moralizante.

Nos tempos de crise, tem sido sempre a comunhão com o Santo Padre a salvaguardar a Igreja da deriva e do caos, porque encontra nele a fonte e a força estrutural da sua própria renovação interna. Como disse recentemente D. José Tolentino Mendonça: «O Papa Francisco é o ponto de referência de uma Igreja que assume a necessidade de purificar-se de desvios, erros e crimes passados». Não hesitemos em sentir e expressar o nosso total apoio ao Papa Francisco. É isso que nos pede a todos D. Manuel Clemente: «Quero ainda pedir-vos, caríssimos diocesanos, comunhão profunda e orante com o Santo Padre, que com tanta coragem e lucidez guia a Igreja neste tempo de purificação espiritual e prática. Estamos com o Papa Francisco, como ele está com Cristo e com o evangelho».

Cada vez percebemos melhor a intensidade e o alcance do que nos pedia o padre Tolentino nos dias anteriores à sua ordenação: «Rezem por mim». A força interior da Igreja, e a de cada um de nós, é a oração, como comunhão de dons, de intenções, de benevolências, de desejos. Querido D. José Tolentino Mendonça, nas suas novas funções romanas, e aí bem no centro da turbulência, não lhe queremos faltar com a nossa profunda amizade e a nossa oração solidária. Todos os cristãos o sabem, desde os tempos antigos: Roma é, paradoxalmente, um lugar de extrema beleza e de inesperados perigos. Como paradoxal é também a sabedoria evangélica: ao mesmo tempo nos desafia a ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes.

Reiniciamos as nossas celebrações na Capela do Rato a 16 de Setembro, às 11.30h. Dou as minhas boas-vindas a todos vós, meus queridos irmãos e irmãs. Convoco-vos para o recomeço, que para mim será mesmo começo. Sei que posso contar com o vosso apoio, oração e corresponsabilidade. Para encontramos um ritmo de viver e sentir que seja, verdadeiramente, sinodal, um caminhar conjunto, no acolhimento da experiência singular de cada um. Porque toda a história de vida é bênção de Deus, com os seus limites, fragilidades e dons, como afirma a teóloga francesa Anne-Marie Pelletier, «precisamos de imaginar uma Igreja a várias vozes, que evidentemente incluirá as vozes das mulheres», e outras mais.
Está é a hora de esperar para além do que se vê, do que se deseja e ainda não acontece. Esta é a hora de permanecer na barca de Pedro agitada pela tempestade. Esta é a hora de (re)começar.

P. António Martins