Queridos irmãs e irmãos,

Hoje tenho, pela última vez, a grande graça de me dirigir a vós nesta homilia enquanto vosso capelão e queria fazer o vosso elogio. Queria louvar, bendizer aquilo que cada um de vós é, e esta coisa maravilhosa que é o Mistério da Igreja expresso nas nossas humanidades. Como Deus Se dá a ver na nossa carne, na nossa vida, no nosso estilo, na nossa simplicidade, como Deus Se aproxima da História através de nós. Queria fazer o vosso elogio, pequenina comunidade.

E de facto, quando pensamos no que será o futuro do Cristianismo nós percebemos que será uma realidade marcada por pequenas comunidades, que juntas são capazes de fazer uma experiência, fazer mesmo uma experiência de autenticidade que marque as suas humanidades mas que seja ao mesmo tempo uma experiência de relação, uma experiência de encontro. Mesmo se em contraciclo em relação aos grandes movimentos da História e em relação àquilo que dizem as estatísticas. O Cristianismo do futuro será suportado pela experiência de pequenas Igrejas, assim como a nossa, na malha de um mundo indiferente, de um mundo disperso, distraído mas que nós somos chamados a amar, que nós somos chamados a servir.

Queria fazer o vosso elogio, querida comunidade, e dizer três coisas que, partindo da Palavra de Deus, eu penso que são um legado que já hoje a comunidade afirma aqui, na realidade da nossa cidade.

A primeira coisa é esta que Jesus recomenda no Evangelho quando despede os Seus apóstolos, diz: “Não levem nada para o caminho. Levem apenas as sandálias e levem apenas o bastão na mão. Não levem nem pão, nem alforge, nem dinheiro.” Isto é, não é nos meios que nós temos de colocar a nossa confiança. A evangelização não se faz com uma riqueza de meios. Na pequena comunidade do Rato nós acreditamos na força do nada, na força dos pequenos nadas. Não na força dos grandes recursos, que não temos, mas na força desse despojamento, na força que representa não ter. A Igreja do futuro será uma Igreja necessariamente mais pobre, e essa pobreza será uma vantagem enorme, será uma riqueza muito grande.

Porque, como diz S. Paulo na Segunda Carta aos Coríntios, Cristo fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza. Queridos irmãs e irmãos, aquilo que enriquece o coração das mulheres e dos homens é sempre a pobreza. Um cristão não é um senhor nem um administrador de nada. É um mendigo, é um enamorado, é um caminhante, é um nómada, é um buscador, é um inquiridor. Não é alguém que está sentado do lado das respostas, é alguém que vive inquieto com as perguntas e alguém que faz dessa inquietação a sua morada, a sua casa, a sua mesa, o seu pão, a sua palavra.

Por isso, o ter menos, ser menos, não é uma desvantagem, pelo contrário, é a atitude espiritual que nós somos sempre chamados a redescobrir. É uma tarefa e uma exigência de sempre porque facilmente nós enchemo-nos de tralha, de coisas desnecessárias e achamos indispensável isto e aquilo e não é. Amemos as mãos vazias, as nossas mãos vazias. Essas mãos vazias que são a essência da oração pura seja também a essência do nosso encontro uns com os outros. As mãos puras. Puras de preconceito, puras de razões, puras de atavismos. As mãos vazias. Mesmo que essa seja uma arte muito difícil. A arte de acreditar que o nada, o não levar nada é levar o essencial.

Depois há uma outra qualidade na comunidade que eu queria elogiar que é a capacidade do acolhimento, da hospitalidade, do viver de portas abertas. Isto que Jesus diz: “Entrai nas casas.” A viagem mais comprida e mais difícil que nós podemos fazer é atravessar a soleira de uma porta, entrar numa casa. Às vezes levamos anos e anos para conseguir entrar numa casa. E entrar numa casa quer dizer entrar num coração, entrar numa vida, entrar numa biografia, entrar numa história. Isso para nós, cristãos, é que é o decisivo. Não é esbarrarmos uns nos outros pela vida fora mas é sabermos entrar na vida uns dos outros, sem invadir, sem colonizar, sem querer dominar mas como hóspedes da vida, como hóspedes da história, como hóspedes desta maravilhosa viagem que é a nossa própria existência. Nós somos hóspedes e temos de nos comportar assim. Não é como quem recebe e quem abriga e quem dá, mas é como quem se torna humilde e depende do outro.

Jesus quando passou pela vida daquelas mulheres e daqueles homens dizia: o Reino de Deus precisa de ti, o Reino de Deus precisa de ti. É importante que a Capela seja um lugar onde isto é dito. E é dito a personagens improváveis. Porque o Cristianismo não pode ser previsível, não pode ser para aquela gente que nós olhamos e dizemos: aquela é uma católica ou aquele é um católico, vê-se na cara. Não, o Cristianismo tem de ser improvável, tem de encontrar outros atores, tem de ir buscar às margens, tem de ir buscar às periferias, tem de se abrir a outros percursos existenciais como Jesus fez com o cobrador de impostos, com a mulher pecadora, com a doente. Jesus vai buscar atores improváveis para escrever a Sua história. E a Capela do Rato tem sido isto, um lugar onde o Cristianismo pode ser vivido por atores improváveis. Isso é um sinal tão grande da vitalidade do Reino de Deus no meio de nós.

A terceira coisa que eu acho muito importante é aquela lição que nos dá o profeta Amós. A profecia não é uma coisa fácil, não é fácil ser profeta. Os nobres diziam a Amós: vai-te embora, tu não deves pregar aqui. E ele continuava a insistir – há uma insistência, há um incómodo na profecia. Os profetas da Bíblia destacavam-se por dois elementos: eles não recebiam dinheiro, porque muitos videntes pregavam por dinheiro, eles pregavam sem ser por nada, pregavam por fidelidade a Deus e eram capazes de sofrer por aquilo que pregavam. Isto também é o sinal de uma liberdade interior. Eu penso que é tão importante no Cristianismo de hoje e de sempre, sentirmo-nos livres. Numa liberdade, num desapego face ao nosso destino, face ao nosso bem-estar para podermos ser fiéis àquilo que é essencial. Sejamos fiéis em cada momento àquilo que é essencial mesmo se tivermos de sofrer por isso.

A Carta aos Efésios não é um texto, é um retrato, é dos arranques mais belos das Cartas de Paulo, porque é um louvor a Deus através de cada pessoa: “Bendito seja Deus porque nos escolheu, porque nos chamou, porque nos predestinou, porque nos libertou, porque nos redimiu, porque nos deu o Seu Espírito. Bendito seja Deus.” Queridos irmãs e irmãos, quando a gente olha, quando a gente põe os olhos em cada um de facto não cessa de bendizer pelo bem, pela arte maravilhosa com que Deus trata cada criatura. Dizer isto é o que nos cura. O Cristianismo do futuro, tem de ser um Cristianismo que acredita na arte de curar, na arte de restabelecer os corações dilacerados.

O Papa Francisco tem chamado a Igreja a ser um hospital que presta os primeiros socorros. E nós temos de ser socorristas, um bando de socorristas, cúmplices com a arte de curar do próprio Deus de dar entusiasmo, de dar alegria aos corações.

Queridos irmãs e irmãos, recebamos o Espírito Santo, o Espírito que nos fortalece e nos ajuda a ser.

A minha última palavra, e queria que a recebessem com a verdade com que eu a digo era, como vosso pastor, pedir-vos perdão por todas aquelas vezes (porque isto acontece sempre numa vida) em que a gente não foi tudo o que podia ser. E se alguma vez, por palavras ou por gestos, eu fui menos delicado ou menos atento, menos pai para cada um de vós, humildemente eu peço perdão e peço que rezem por mim. Eu rezarei sempre por vocês até ao fim dos meus dias.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XV do Tempo Comum

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