Queridos irmãs e irmãos,
Hoje, na Carta aos Efésios, S. Paulo coloca o dedo na grande questão que a Festa da Ascensão nos põe, e essa palavra que ele ilumina é a palavra compreensão.
Nós temos de compreender. E compreender o quê? Compreender qual é agora o nosso papel, qual é a nossa função. Compreender o que significa sermos, no seguimento de Jesus Cristo. Compreender o que é que nos cabe, o que é que cabe a cada um de nós fazer. Compreender o que há de ser o nosso efetivo caminho, o nosso compromisso, como é que somos artesãos criativos, não só do visível mas também do invisível, como é que vamos dar sentido a esta vida e a esta terra… É essa compreensão que o próprio Jesus trabalha.
É muito interessante olharmos para os textos desta Solenidade da Ascensão do Senhor, porque Jesus tem a preocupação de preparar os seus discípulos para este momento, que se prefigura com uma dupla imagem. A imagem da ausência, porque Jesus parte, deixa de estar connosco da forma como esteve durante o Mistério da sua Encarnação e durante as aparições como Ressuscitado. Ele deixa de estar assim, e então há uma espécie de ausência que agora nós podemos tatear, e tateamos, porque nenhum de nós viu Deus – nós falamos no silêncio de Deus, na ausência de Deus. Mas somos chamados a compreender que essa ausência e esse silêncio, que esse vazio que a Ascensão de Jesus abre deve ser preenchido pelo nosso esforço, pela nossa voz, pelo nosso contributo, por aquilo que cada um de nós é chamado a ser.
Por isso, esta Festa de Ascensão prepara o grande Domingo de Pentecostes que vamos celebrar no Domingo próximo, em que o Espírito Santo, o Espírito que vem de Jesus, que é o próprio Amor de Jesus colocado no nosso coração, nos torna vivos, nos revitaliza, nos dá a energia espiritual de que nós precisamos para vivermos apaixonadamente esta aventura que é a nossa vida.
Mas hoje, Jesus prepara-nos, é o momento da sua partida e ao mesmo tempo é o momento da investidura de cada um de nós.
Por isso, a Ascensão de Jesus não é para nos deixar imobilizados. É às vezes na vida nós estamos como que parados, porque Ele não está, ou porque nós não vemos a razão, nós não vemos o sentido, nós não conseguimos tocar aquilo que nos poderia dar força. Muitas vezes na vida, e mesmo numa vida adulta (não só na adolescência ou na juventude, quando se procura o nosso caminho, a primeira realização de nós próprios), mas às vezes numa vida adulta com os conflitos próprios de uma vida madura, com as suas contradições, a sua complexidade, as suas oportunidades interiores, os seus bloqueios, muitas vezes nós ficamos parados porque não vemos, porque não obtemos uma resposta, porque tudo em torno a nós é um silêncio que só em surdina nos envolve. E, contudo, nós somos chamados a compreender. Somos chamados a fazer memória. Compreendeis o Amor com que fostes amados?
Compreendeis o que significa acreditar em Jesus? Compreendeis o que significa Jesus acreditar em vós? Falar de um Deus que tem fé em nós?
Compreendeis o que significa ser agora a vossa hora, ser agora a vossa vez?
Compreendeis o que significa serdes contagiados de um Amor assim, de um Amor desmesurado, excessivo assim? Um Amor capaz de redimir, um Amor capaz de salvar?
As palavras do léxico cristão são palavras empenhativas, e nós precisamos de uma força suplementar para agarrá-las. Para que o amor, o nosso amor, o nosso pequeno amor nos deixe felizes, nos deixe equilibrados, nos deixe com força para nos levantarmos em cada dia – isso sim, isso pode-se esperar de nós.
Mas para que o amor tenha esta força capaz de Salvar, capaz de Redimir, pede de nós uma compreensão diferente daquilo que o amor pode ser na nossa vida. Por isso somos chamados a compreender.
Que esta semana cada um de nós também gaste tempo a perguntar se compreendeu: será que eu compreendi tudo isto?
Porque o rito ajuda e desajuda. Ajuda porque é de facto uma oportunidade, uma presentificação do mistério na nossa vida, mas desajuda se permanecer fechado, se não se traduzir de uma forma existencial naquilo que somos.
Será que eu compreendi? E compreendi não teoricamente. Será que eu compreendi em termos concretos, naquilo que tem a ver comigo, que me envolve, que me renova, será que eu compreendi?
É interessante aquilo que Jesus diz e o papel em que Ele se coloca. Ele diz: “Eu cooperarei convosco, confirmando a vossa palavra.” Não somos apenas nós que cooperamos com Jesus, que somos cúmplices, parceiros do projeto de salvação, de transformação, de revitalização da ordem do mundo que Jesus vem trazer.
Jesus também coopera connosco. E por isso, nós não estamos sós. Não contamos apenas com a nossa fragilidade, não contamos apenas com o que temos, com o que trazemos, com o que somos. Contamos com mais, valemos mais. Por isso, acreditemos!
A palavra que abre o Evangelho parece uma palavra um pouco inaceitável, que diz assim: “Quem acreditar será salvo, quem não acreditar será condenado.”
Parece uma dicotomia extremada, radical, mas é mesmo assim.
Nós na vida sentimos isto tantas vezes: Quando eu acredito, estou salvo. Por maiores que sejam as dificuldades, eu acredito, eu transcendo, eu vou além, eu saio da zona de conforto… eu acredito, eu arrisco, eu faço a aposta.
Quando eu não acredito, eu condeno-me a mim mesmo, porque fico refém do meu pessimismo, fico refém da minha imobilidade, do meu medo, do meu terror de fracassar, de não estar à altura, da minha insegurança, da minha tristeza, e condeno-me a mim mesmo, condeno a minha vida e perco a minha vida.
Porque, no fundo, é disto que se trata: de ganhar a vida ou perder a vida.
É esta a grande aposta que temos de fazer, e a fé entra como equação necessária nesta aposta.
Querido Joaquim, hoje celebramos o teu Batismo, temos muita alegria em fazê-lo; a maior parte dos que estão aqui são pessoas com a idade dos teus pais, mas também tens pessoas mais novas e outros que foram batizados também nesta comunidade.
Nós estamos muito felizes por fazê-lo e desejamos que aquilo que começa hoje com o teu Batismo seja uma coisa muito preciosa na tua vida.
E que à medida que cresceres e fores descobrindo e desdobrando o seu significado, tu possas sempre sentir a força muito especial que é acreditar.
Conjuga muitas vezes este verbo, o verbo Acreditar, e que ele te faça um homem cheio de confiança, cheio de projeto, cheio de talentos, de dons, capaz de tornar o mundo mais belo, mais justo, mais fraterno, mais autêntico, mais criativo.
Vamos rezar por ti, pedir que o Espírito Santo venha sobre ti, sobre a tua família e te dê esta capacidade de ser.
O Joaquim, na preparação (vou fazer esta inconfidência, mas não é mal), disse: “Eu preferia ser batizado em pequenino, porque assim não tinha de falar.”
Mas ele ainda é pequenino – e sabes, Joaquim, quando nós não conseguimos falar (e não são só os pequeninos que não conseguem falar, os adultos tantas vezes também não sabem o que dizer, também não conseguem falar) Deus fala em nós, e esse é o grande segredo que nós transportamos.
Vamos agora rezar por ti e batizar-te, e sentirmos também, em nós, a força do nosso próprio Batismo.
Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade da Ascensão do Senhor
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