Queridos irmãs e irmãos,

Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar. Nós colhemos as imagens principais de Jesus em movimento. Jesus é um itinerante, é um pregador itinerante. Ele diz: “As raposas têm as tocas e as aves do céu os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde encostar a cabeça.” Mas, a verdade é que Jesus também dormia em determinados lugares, também era acolhido em casa dos Seus amigos.

Há uma questão que se levanta a partir desta passagem do Evangelho de Mateus, que é a questão: Jesus teve uma casa ou não? Ou viveu na casa dos pais e depois viveu onde calhava? Ele tinha uma casa ou não? Nós não sabemos. Não podemos dizer: não, não tinha. E não podemos dizer: sim, tinha. Mas, esta passagem do evangelho de Mateus deixa-nos com a pergunta quando se diz: “Jesus saiu de casa.” Mas da casa de quem? “Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar.”

Possivelmente, durante um tempo, ali em Cafarnaum, quando ele começou a Sua vida pública Ele tinha uma casa ou alugou uma casa ou tinha permanentemente uma casa. Mas, para nós o importante não é apenas a casa mas é este movimento: Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira mar. Foi sentar-Se à beira mar também pelas mesmas razões que nós vamos neste período sentar-nos à beira mar, porque está muito calor, não se consegue viver fechado dentro das casas muito tempo. E então, Jesus foi procurar a brisa do mar, a frescura do mar.

Este tempo de férias é também um tempo de procura, no sentido de que a nossa alma, o nosso coração, precisa de outros caminhos, precisa de outros espaços, precisa de uma vastidão. Nós não somos feitos para o ar condicionado ou para a vida condicionada. Nós somos feitos, como lembra S. Paulo na Carta aos Romanos, para o incomparável. Isto é, para aquilo que não tem comparação. Nós fomos feitos para o infinito. Quer dizer, nós sentimos que a nossa vida está numa gestação. Nós sentimos que há umas dores de parto e que essas são a nossa vida, e que estamos a gerar e, ao mesmo tempo, a ser gerados, estamos a criar e a ser recriados. Mesmo quando só parece que temos a vida sonâmbula, ofegante, as tarefas, as rotinas, as obrigações, os deveres, as coisas que se impõem. Mesmo quando parece que o nosso horizonte é cada vez mais curto, breve, imediato, que é aquilo, que não pode ser outra coisa, que não podemos ter ilusões. Mesmo quando parece que a vida se estreita, se afunila, o nosso coração é feito para coisas incomparáveis. E ele está-nos sempre a dizer isso, a nossa alma está sempre a dizer isso.

Por isso, nós precisamos de subir aos montes, precisamos de ir olhar o mar, precisamos de contemplar a natureza, precisamos de estar parados, só a receber, precisamos do confronto com o silêncio, precisamos de ver, de tatear, de cheirar, de degustar uma medida que seja maior do que a vida pequenina, do que a vida minúscula, do que a vida que se escreve por estreitas sílabas. Precisamos de mais. “Jesus saiu de Sua casa e foi sentar-Se à beira mar.”

Mesmo se não temos oportunidade de sentar-nos à beira-mar, mesmo se não temos oportunidade de fazer férias, por qualquer que seja a razão, é importante na nossa vida haver uma deslocação. É importante sentarmo-nos a contemplar, é importante sairmos do nosso lugar habitual, nem que seja para visitar o parque, visitar o nosso lugar interior e dar lugar a essa experiência de que somos feitos para coisas incomparáveis.

“Jesus sai da Sua casa e vai sentar-Se à beira mar.” E ali há uma parábola, Jesus conta uma parábola e a multidão senta-se à beira do lago a escutar. Quando nós vamos de férias o que é que vamos fazer? Às vezes parece que enchemos tudo, enchemos o carro e vamos evadir, vamos fugir, vamos esquecer, vamos distrair, vamos submergir no mundo num espaço que não nos lembre a vida, não queremos pensar. E é o contrário, as férias são um tempo favorável para a escuta profunda, é uma oportunidade para eu escutar, para eu sentir que há uma parábola que me está a ser contada. E o que é que estás a ouvir? É interessante a parábola que Jesus conta porque é, no fundo, a parábola da vida. Do que é que eu estou a ser, do que é que eu estou a viver, como é que eu estou a abraçar a vida ou a deixar simplesmente passar ao lado? Como é que eu estou a ser? Fecundo ou estéril? Como é que eu estou a produzir, a multiplicar a vida? Ou, pelo contrário, como é que eu estou a enterrar, como é que eu a estou a diluir? Jesus conta esta parábola que é a parábola da nossa vida e que é a parábola de um tempo de balanço.

Porque Deus passa sempre na nossa vida, o semeador passa a semear. Todos os dias nós recebemos sementes, oportunidades. Cada dia é uma oportunidade, cada encontro é uma viagem, hoje pode ser o dia da salvação. Hoje jogam-se as coisas mais importantes da minha vida. O semeador passa a semear, e ele vai passando a sua semente e a semente cai em lugares diferentes, lugares diferentes da nossa própria vida, porque nós somos tudo isto ao mesmo tempo. Nós somos este caminho, a semente perde-se no caminho. Há tantas coisas que nós ouvimos e entram a cem e saem a mil, e nós parece que ouvimos mas não ouvimos porque já estávamos de costas, já não percebemos bem. A vida está cheia de coisas que nós devíamos ter escutado e não escutamos. Muitas vezes, a dor, o peso é isso: o que eu devia ter escutado a dada altura e não escutei, foi-me dito e eu não ouvi. Não estava aí, estava noutra, estava a caminhar e a semente perde-se.

E há outra semente que é deitada em sítios pedregosos. E parece que acontece um milagre porque ela floresce logo, mas depois não tem raiz em si mesma. Nós também sentimos que muitas vezes é assim. Há entusiasmos, há coisas pompeantes, há alegrias, há coisas que parece que agora é que vai ser, que agora é que é. Mas depois nós não cuidamos da nossa raiz, não damos tempo, não amadurecemos, não fazemos um caminho bom. E então, como não há uma fidelidade, não há um permanecer, aquele entusiasmo muito vigoroso, muito prometedor, acaba por morrer.

Outras sementes são colocadas entre espinhos e quando crescem ficam sufocadas. E Jesus diz: “É a nossa vida, andamos preocupados com as tarefas, andamos seduzidos pela riqueza, por isto e por aquilo e não damos espaço, sufocamos dentro de nós a vida.” Vejam que responsabilidade nós temos em relação à nossa própria vida porque não damos ar, não permitimos, não permitimos muitas vezes que a palavra de Deus cresça dentro do nosso coração. Não damos espaço, é tudo cheio de espinhos que sufoca esta vitalidade do Espírito em nós.

E, por fim, há a semente que cai em terra boa. E o nosso coração também é uma terra boa. É importante sentirmos isso e confiarmos nisso, confiarmos nisso. Este pobre coração, esta pobre vida que é a nossa, esta vida vulnerável, frágil é também ao mesmo tempo uma terra boa, é um lugar onde é possível, é possível. E precisamos de acreditar nisso, que a semente pode cair e dar fruto. Pode dar três ou trinta, pode dar um ou cem. Não importa. Ela vai dar fruto, vai dar fruto.

Jesus saiu da Sua casa e foi à beira mar, escutar a vida em profundidade. E é no fundo isto que nós precisamos fazer, este exercício. Não nos deixemos empurrar por esta sociedade do consumo que nos atordoa com isto e aquilo, e sobretudo não quer que a gente pare nunca, que a gente mergulhe nunca na sua vida interior. Não, há uma parábola que nos está a ser contada e que nós precisamos de escutar, e essa parábola é a nossa própria vida e é aquilo que nós estamos a fazer da nossa própria vida, é a atitude que temos para com a nossa própria vida.

Que ela seja a terra boa na qual o Semeador passa e tem a confiança de que aquela semente não é em vão. Isso que a imagem do profeta Isaías que hoje nós ouvíamos nos diz e uma forma tão maravilhosa: “Assim como a chuva e a neve descem do céu e não voltam para lá sem terem regado a terra, assim a Palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito.” Deixemos que o efeito de Deus, o efeito da Sua Palavra, nos transforme, faça acontecer dinamismos de vida, de afetos, de esperança dentro de nós. E que este tempo que vamos viver seja um tempo de graça, um tempo para escutar a vida em profundidade.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XV do Tempo Comum