Queridos irmãs e irmãos,

Esta narrativa bíblica é uma espécie de história das lágrimas. Podemos falar da Bíblia contando as lágrimas que aparecem em cada um dos livros, em cada uma das etapas da Revelação. Há uma acusação que fazem, nomeadamente à pessoa de Jesus, é que os Evangelhos nunca dizem que Jesus sorriu ou que Jesus se riu de alguma coisa. Mas contam que Jesus chorou diversas vezes. Chorou a olhar para Jerusalém, antecipando o seu destino, a sua destruição, pensando que toda aquela beleza ia ser destruída. Chorou diante do túmulo do seu amigo. Ao ver Lázaro morto Jesus chorou, e os que estavam à volta Dele diziam: “ Vede como Ele o amava, porque está aqui num pranto pelo seu amigo.”

Não é verdade que Jesus nunca se tenha rido porque os Evangelhos estão cheios de humor. Mas o verbo “sorrir” é um verbo, de certa forma, mais escasso na revelação bíblica que o verbo chorar.

Há muitas lágrimas na Bíblia. Há uma história que emana, que se conta em cada uma das nossas lágrimas. Todas as lágrimas contam uma história. Mesmo quando nós choramos em silêncio, ou quando nós choramos recolhidos, na nossa privacidade. A verdade é que nós choramos sempre para alguém ver. As lágrimas são um grito de socorro, são um apelo, são um chamamento, mesmo que seja silencioso, para que alguém nos acolha, para que um anjo do Senhor nos visite. É um momento de vulnerabilidade, é um momento de fragilidade, de exposição de si. Mas é também um desejo de relação, um desejo de redenção, que as nossas lágrimas contam.

Hoje, nas leituras, temos as lágrimas de duas mães. É impressionante como as mães são também um património destas lágrimas na Humanidade. Há um poema muito conhecido de Eugénio de Andrade, um poema longo em que ele fala de todas as mães que ocupam os grandes textos literários, que diz: “Porque elas sãos as mães, porque elas são as mães.” Ainda estes dias nos jornais nós vemos aquela mãe que está a ser interrogada por, no fundo, manter em aberto o dossiê do seu filho que foi morto e injustiçado. Aquela mulher, mesmo no limite das forças humanas, é uma espécie de retrato daquilo que são todas as mães. Nas lágrimas de todas as mães há esta dor por não aceitar que os seus filhos sejam as vítimas da história.

A Revelação bíblica mostra como Deus acolhe as nossas lágrimas, como as nossas lágrimas não lhe são indiferentes e como o acolhimento das lágrimas é uma condição da própria credibilidade. É muito interessante, no texto do profeta Elias, esta cena com a viúva de Sarepta. Só quando ela vê que Elias não é indiferente à sua dor, ao seu grito, ao seu pranto e faz alguma coisa pelo seu filho é que ela diz: “Realmente eu acredito que tu és um homem de Deus e que a Palavra do Senhor está em ti.” Quer dizer, a misericórdia, a compaixão é uma condição de credibilidade.

Nós podemos acreditar que alguém é portador de Deus quando os seus gestos são de misericórdia, quando os seus gestos são de compaixão. Por isso, uma Igreja, uma comunidade onde a severidade, a intransigência, o rigor se sobrepõem à misericórdia, à ternura, à compaixão é uma Igreja pouco credível, é uma comunidade que não testemunha o amor de Deus. Porque a misericórdia é a gramática de Deus, é a língua materna de Deus, é aquela que melhor explica Deus. Por isso, este Ano Santo da Misericórdia é também um desafio a aprendermos a misericórdia como linguagem comunicativa, como lugar onde Deus Se torna credível, onde Deus se pode tocar, sobretudo nos gestos de misericórdia, nesta atenção compassiva à dor e à fragilidade dos outros.

Em Naim, Jesus vê aproximar-se aquele cortejo fúnebre. Um cortejo fúnebre é uma declaração de impossível, a criança está morta, o que é que há a fazer? Não se pode fazer mais nada. A misericórdia contraria esta impossibilidade, a misericórdia é dizer: “Não, podemos sempre fazer alguma coisa.” Nunca podemos dizer: “Já não há nada a fazer, está tudo perdido.” Não, podemos sempre fazer alguma coisa, podemos sempre fazer alguma coisa. Jesus compadece-Se daquela mulher e isso é fazer alguma coisa. É um gesto de ternura, é um afago. O Evangelho de S. Lucas conta-nos que Jesus ressuscita o filho da viúva de Naim. Isto é, naquela situação onde o irremediável parecia instalado, Jesus é capaz de reabrir à esperança aquela situação.

Nós podemos dizer: “ Mas nós não fazemos milagres. Nós encontramos tanta dor, tantas lágrimas e não temos capacidade de fazer aquilo que Jesus fez.” Não, o importante não é o milagre, o importante é afirmar a possibilidade da vida, é dizer que a coisa não está acabada, que podemos sempre fazer alguma coisa.

É muito interessante, por exemplo, o Evangelho apócrifo de Filipe. Como sabemos, os textos apócrifos são textos de espiritualidade e, de uma maneira heterodoxa ou mais livre, acabam por dizer alguma coisa, muitas vezes relevante, acerca do sentido profundo das próprias narrativas evangélicas canônicas. Neste passo, o Evangelho apócrifo de Filipe faz isto: Jesus oferece um gato à viúva de Naim. É uma coisa que nos faz rir, porque é diferente ressuscitar o filho ou oferecer um gato. Mas oferecer um gato é oferecer uma história de vida, é oferecer alguma coisa que se pode agarrar, é continuar a história. É dizer: “Olha, eu estou atento ao teu sofrimento. Não te posso dar aquilo que o teu coração pede mas posso fazer alguma coisa por ti.” E isto é a misericórdia, isto é a compaixão: sermos capazes de oferecer ao outro um sorriso, um lenço para enxugar as lágrimas, não as podemos calar mas podemos oferecer um lenço, podemos estar ali ao lado, podemos ouvir mais uma vez o sofrimento, podemos manter a fidelidade de uma pequena luzinha acesa, uma manifestação de presença. E isso é a misericórdia, e tantas vezes isso é o ponto de apoio para que o milagre aconteça, para que a transformação aconteça.

A misericórdia perfura os irremediáveis da história, a misericórdia nunca cruza os braços, nunca descorçoa, a misericórdia insiste junto do outro. A misericórdia é sempre mais frágil do que o sofrimento. O sofrimento é uma onda, é uma coisa que destrói tudo, é uma devastação, é uma transformação, é uma crise para a qual nós não temos capacidade de resposta. O sofrimento é isso tudo. A misericórdia é uma arte pequenina, é uma arte humilde, é uma arte frágil. A compaixão é o quase nada. Mas em tantos momentos da nossa vida nós dependemos dessa coisa pequenina que é a compaixão, que é a misericórdia, que é o amor, que é a amizade, que é a caridade de estar próximo, que é um alívio das dores só com um olhar, só com um pequeno gesto, só com uma palavra. Isso é alguma coisa que todos nós temos, essa capacidade em nós.

Por isso, o grande desafio, queridos irmãs e irmãos, é acreditarmos nisso. O Ano Santo da Misericórdia é também um desafio a acreditarmos na misericórdia, na humilde, na pequenina misericórdia, na ínfima compaixão de todos os dias – que, no fundo, é uma grande força capaz de transformar o mundo e capaz de colocar o Divino na fragilidade do nosso humano.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo X do Tempo Comum