Queridos irmãs e irmãos,

Neste primeiro dia do ano celebramos Maria com um título especial, um título, se quisermos, até radical, porque a saudamos como Santa Maria Mãe de Deus, theotókos. Foi um caminho que a própria Igreja fez e uma discussão muito grande num concílio. A pergunta era se não era excessivo chamar Maria Mãe de Deus, chamar uma pessoa humana mãe do próprio Deus. Isso parece um paradoxo total, uma coisa nunca vista.

Mas o que celebramos em Maria, a sua maternidade divina, é também a visão cristã sobre a pessoa humana. No fundo do Cristianismo há um otimismo, se quisermos radical, em relação àquilo que a pessoa humana é capaz. O Cristianismo o que é que diz? Que cada ser humano é capaz de gerar o divino, de trazer em si o divino. Cada ser humano é capaz de ser cúmplice do próprio Deus, é capaz de ser a Sua imagem e semelhança, é capaz de ser o Seu canal de transmissão, é capaz de ser a Sua presença no mundo, é capaz de ser o grande sinal de Deus na história.

A esta crença liga-se a bênção. Neste primeiro dia do ano as leituras concentram-nos em torno à bênção. Deus diz a Moisés e a Aarão que abençoem os filhos de Deus. E o que é abençoar? A própria palavra benedire quer dizer: dizer bem, dizer o bem que cada pessoa é, dizer o bom que cada pessoa é. E como isso é fundamental para a vida! É o próprio Deus que nos abençoa, que diz o bem que existe em nós. É tão bela a bênção que Deus ensina a Aarão e a Moisés a atribuírem ao Povo de Deus: “O Senhor te abençoe e te proteja, o Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável, o Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz.”

Neste início do ano, queridos irmãs e irmãos, sintamo-nos abençoados, sintamos que somos filhos, filhos amados de Deus, confiemos no bem que Deus vê em nós. Simone Weil dizia que: “Mais importante do que termos fé em Deus é compreendermos que Deus tem fé em nós.” Esta fé que Deus tem na nossa Humanidade é a âncora, é a alavanca que nos transforma. Sintamo-nos por isso abençoados, vencendo todo o sentimento interior de orfandade, de distância, de exclusão. Sintamo-nos verdadeiramente filhos, isso que S. Paulo também hoje nos diz na Carta aos Gálatas: “Vós não sois escravos, vós sois filhos. Assim como filhos amados.” Aquilo que Deus disse no Batismo a Jesus “Tu és o Meu Filho muito amado, em Ti coloco o Meu amor.” é, no fundo, isso que Deus diz a cada homem, a cada mulher: “Tu, Meu filho muito amado.” E isso é a verdadeira bênção, a verdadeira bênção.

Às vezes na vida nós caminhamos mais sobre peso, sobre a sombra da maldição do que sobre a luz de uma bênção. Precisamos de ser abençoados, precisamos que a bênção nos seja recordada, nos seja lembrada, precisamos que nos digam o quanto somos queridos, amados por Deus, o quanto fazemos parte do Seu projeto qualquer que seja a nossa situação, a nossa trajetória, o nosso caminho. Sintamo-nos abençoados, abençoados por Deus.

Hoje nós celebramos a quadragésima nona jornada de oração pela paz. O Santo Padre, o Papa Francisco, na mensagem deste ano coloca o ponto de atenção na necessidade de vencermos a indiferença. Ele diz: “Vence a indiferença se queres construir a paz.” E, de facto, é a vitória sobre a indiferença que nos dá razões de alegria. Por exemplo no Evangelho, os pastores, eles estavam nos seus rebanhos, na sua vida, quando foram chamados para ir ao presépio. Imagine-se que eles não iam, era menos uma razão de esperança, de grande esperança, para eles.

Tantas vezes nós perdemos a esperança, a nossa vida como que se desvitaliza, como que fica amorfa, cinzenta, encapsulada. Porquê? Porque construímos um muro de indiferença que não quebramos, e por isso nada nos toca também, nada nos redime. Às vezes não queremos sofrer: “Ah, eu vou envolver-me, vou saber, vou fazer, não quero sofrer, não quero ter trabalhos.” Há uma maneira de não sofrer, é não amar, mas isso também não é humano.

O Santo Padre, nesta Carta que era importante que todos lêssemos (ela está disponível na internet e noutros meios), que começa por dizer isto, é a primeira frase da mensagem: “Deus não é indiferente.” Deus não é indiferente, Deus não é indiferente aos nossos sofrimentos, à nossa esperança, à nossa humanidade, pelo contrário Deus é parcial, Deus toma partido pela pessoa humana, Deus vem ao encontro da pessoa humana. O Santo Padre, fazendo o diagnóstico do mundo presente, diz: “Talvez o grande pecado do nosso tempo seja de facto a indiferença.” Numa sociedade da informação em que temos o conhecimento hora a hora, minuto a minuto, nesta aldeia global em que o mundo se tornou, a verdade é que também cresce uma indiferença. Vemos as imagens mas elas já não nos tocam, estamos como que anestesiados perante aqueles que nos rodeiam, perante a situação de tantos. Vencer a indiferença é o caminho para a construção da paz.

Mas como é que se vence verdadeiramente a indiferença? O Santo Padre, na sua mensagem, liga esta jornada de oração pela paz ao Ano Santo da Misericórdia que nos estamos a viver. Ele diz que: “A verdadeira vitória sobre a indiferença é aquela que acontece num coração misericordioso.” Neste ano de 2016 nós somos chamados a redescobrir a misericórdia. Cada um de nós, cada um de nós. O Santo Padre abriu as portas em Roma, na Basílica, mas aquilo é só um sinal de uma coisa que tem de acontecer no coração de cada um de nós. Abramos as portas do nosso coração e sintamos este desafio que a Igreja nos coloca este ano de cada um de nós redescobrir a misericórdia.

O Santo Padre diz uma coisa muito preciosa e precisa, diz ele: “Cada cristão torne a misericórdia o seu programa de vida.” Cada cristão torne a misericórdia o seu programa de vida. Neste ano de 2016, a misericórdia seja o nosso programa de vida. Que cada um de nós pergunte: o que é a misericórdia? O que é a misericórdia na minha vida? Eu já sei o que é a misericórdia? Eu pratico a misericórdia? O que é que eu tenho a aprender sobre a misericórdia? E como é que a misericórdia se pode expressar, na vida que eu tenho? Na humanidade que eu sou como é que ela se pode expressar?

Que a misericórdia seja a grande escola da paz, uma paz interior que começa no nosso coração, mas uma paz que sai para fora, uma paz que inunda a nossa vida, uma paz testemunhada na cidade, uma paz com uma dimensão política, uma dimensão económica, pedagógica, de relações. Que a misericórdia seja o nosso empenho neste ano de 2016. E, se assim for, que ano de esperança nós estamos a começar, que ano de alegria nós estamos a viver!

Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

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