Queridos irmãs e irmãos

As parábolas de Jesus são uma das formas muito originais da comunicação do Evangelho, porque as parábolas são alguma coisa que nós podemos enquadrar dentro da tradição judaica. Isto porque os rabinos, os mestres da chamada Halachá, do comentário quer à lei que é Halachá, quer à vida que é Agadá, faziam-no através de histórias chamadas machal em hebraico, que são histórias onde se mistura o humor, o desconcerto para nos fazer pensar, nos deixam assim intrigados: mas o que é que isto será? Era um uso dos mestres em Israel, este uso da machal. E, de certa forma, nós podemos aproximar as parábolas de Jesus desta tradição de onde Jesus provém, que é a tradição judaica.

Mas Jesus empresta muito de Si, tornando as parábolas um caso sério, mas ao mesmo tempo muito pessoal, de comunicação. Durante muito tempo achou-se que as parábolas eram sobretudo um discurso didático de Jesus, em que Jesus tentava dizer em palavras simples numa história ou desmontar um bocadinho coisas que para nós são difíceis. Então, aquilo que se sublinhava era sobretudo o caráter didático.

Os Padres da Igreja, que são os primeiros grandes teólogos do Cristianismo, valorizavam sobretudo a dimensão alegórica. Diziam: todas as palavras de Jesus têm um segundo significado. Então, é preciso ler de forma alegórica. Não ler o que está lá, mas ler o que aquilo pode significar, o que aquilo pode querer dizer em termos da linguagem espiritual de Jesus.

O século XX é um século interessante para o estudo da Bíblia, é chamado o século de ouro, em que houve uma paixão enorme pelos estudos bíblicos, pelas línguas bíblicas, pelos géneros literários da Bíblia. E, de facto, nós podemos fazer tantas avaliações ao século XX: um século péssimo, um século de horror. Mas também houve tantas coisas boas, e uma das coisas extraordinárias foi, sem dúvida, que hoje nós temos com a palavra bíblica uma outra sensibilidade. Num século que deu uma enorme atenção à linguagem, à comunicação, aos géneros literários, nós temos hoje um outro entendimento das parábolas.
Já não valorizamos tanto a dimensão didática ou a dimensão alegórica, mas olhamos para a parábola em si como uma forma de colocar em crise a nossa visão habitual do mundo.

O que é uma parábola? Uma parábola é uma história, uma história que em princípio começa por fazer sentido mas, a um dado momento, deixa de fazer sentido à luz dos nossos conceitos ou da nossa lógica, para revirar, para revolver a nossa forma de pensar.

O exemplo do Filho Pródigo faz sentido. Um pai tem dois filhos, há um problema familiar, um conflito, o mais novo vai embora. Isso faz parte da vida das famílias. Contudo, quando o filho volta o pai toma uma atitude absolutamente inédita, que não é o normal acontecer. Então estão a ver: há uma parte que é a vida normal no quotidiano, a existência, e depois há sempre uma parte na parábola de Jesus que descola da realidade e do mundo tal como nós o construímos, precisamente para nos mostrar que o Reino de Deus é diferente, e pede de nós uma atitude de vida diferente, um modelo de vida diferente.

Nas parábolas nós percebemos bem como Jesus nos quer abrir o coração a uma novidade, nos quer passar um novo olhar, uma nova forma de pensar, nos quer abanar, agitar, dizer: “A vida não é só isto, a vida não é assim. Procura uma outra perspetiva sobre a realidade.” As parábolas são isso, são um ponto de fuga da realidade para que nós possamos olhar para o mundo, para a vida, para nós próprios não apenas com os nossos olhos mas com os olhos de Deus.

O filósofo Paul Ricoeur foi um dos grandes filósofos que trabalhou muito a Bíblia. Ele era um cristão evangélico que dizia: “As parábolas são o discurso extravagante de Jesus.” Jesus é extravagante nas parábolas. Extravagante porquê? Extravagante porque ele dá a ver o mundo como nós nunca o vimos, nunca o vimos. Mostra-nos o mundo, mostra-nos a fé e mostra-nos a nossa humanidade com uma liberdade que nós não temos.

Nós até podemos pensar: “Somos pessoas muito abertas, somos mentes muito para a frente.” Mas verdadeiramente nós acabamos por funcionar dentro de um quadro tão estreito, tão limitado da realidade. Sem darmos conta, é o nosso eu que está em primeiro lugar. Sem darmos conta, estamos sempre a julgar, sempre a julgar, sempre a julgar. Ora, Jesus é de uma liberdade que nos arrasta com Ele e diz: “Não. É preciso abrir janelas nesta vida. É preciso olhar para as coisas de outra forma. “
Jesus, por exemplo, conta neste passo do Evangelho de Marcos duas parábolas. A primeira parábola podemos dizer que é uma parábola sobre a fé. E o que é que Jesus diz sobre a fé? Diz do Reino de Deus em nós, como é que ele se desenvolve.

Se nos perguntassem isto nós dizíamos: ”Bem, desenvolve-se com o nosso esforço, o nosso trabalho, a nossa atenção, o nosso compromisso, aquilo que podemos fazer, a nossa devoção, a nossa espiritualidade.” Tudo coisas muito certas, mas Jesus diz que se desenvolve de outra maneira. Jesus diz: “O Reino de Deus é como uma semente que um homem lança à terra, ele dorme e levanta-se, noite e dia, e a semente cresce sem ele saber como.“

Nós estamos sempre a fazer contas da vida, não é? A vida para nós é uma conta de somar, ou uma conta de multiplicar, de qualquer forma é uma conta que nós controlamos. E Jesus, nesta parábola, vem dizer: “Meu amigo, tu não controlas nada. Tu deitas-te e levantas-te, noite e dia, e a semente cresce em ti sem tu saberes como.”

Isto é, se calhar há dimensões fundamentais da nossa vida, e da nossa vida interior, que crescem em nós sem nós sabermos como. Nós não sabemos, nós não controlamos, nós não somos senhores, nós não somos donos da vida. Somos mediadores, somos servos, somos instrumentos, somos a terra, somos a noite e o dia onde as coisas crescem. Mas a energia, o que faz crescer, se cresce, se não cresce, não depende de nós. Não depende de nós. E nós temos de aceitar isso, temos de aceitar isso. E para aceitar isso tem de haver uma pobreza espiritual, tem de haver um desprendimento, tem de haver, no fundo, uma grande sabedoria interior.

“Está bem, eu não controlo a vida. Então o que é que eu posso fazer?” Posso aceitar, trabalhar a aceitação, posso integrar, posso louvar, posso corrigir. Mas atenção às correções, diz também Jesus. Porque é assim, é preciso não arrancar demasiado cedo a semente. Só quando a semente cresceu e amadureceu é que se mete a foice. E isto para nós que começamos a nossa história com um juízo. Jesus diz: “Não! Deixem lá o juízo.”

A maior parte da vida é uma coisa que nós ignoramos, que nós não sabemos, que nós não sabemos. Só se pode confiar. Quer dizer: nós não temos, em relação ao Reino de Deus em nós, outra hipótese senão confiar. E abandonarmo-nos à confiança. Se queremos controlar, perdemos a semente. Porque se o semeador que lança a semente vai atrás dela escavar para ver se já cresceu um bocadinho, compromete o crescimento da semente. A semente tem de ser lançada à terra e tem de ficar lá, e só quando tiver crescido é que nós a podemos julgar.

Então, a primeira parábola é sobre a confiança, e como nós precisamos trabalhar nas nossas vidas a confiança. Nós que à medida que os anos passam cada vez estamos mais desconfiados. Desconfiamos da nossa própria sombra, desconfiamos de tudo, de todos, perdemos a capacidade de entrega, de abandono. Ora, é isso mesmo que nós perdemos tão facilmente que é preciso ganhar em ordem ao Reino de Deus, ganhar essa confiança.

A segunda parábola é uma parábola que vai precisamente noutra dimensão, é uma parábola também sobre a confiança, mas é sobre o risco que nós temos de correr.

Jesus conta a parábola, que é uma das mais conhecidas, que é a do grão de mostarda. Há um homem que semeia um grão de mostarda na sua terra. O grão de mostarda é uma semente, uma sementinha de nada, uma coisa insignificante. E depois cresce, e estende os seus ramos, os seus braços e todas as aves do céu vêm pousar naquela árvore.

Nós dizemos: “Que bela parábola.” Uma coisa muito bonita de como do pequeno se faz grande. A parábola tem muitas leituras.

Mas a parábola também tem esta leitura: quando nós passeamos nos campos vemos os espantalhos que os agricultores fazem precisamente para afugentar os pássaros. Um grande inimigo dos campos é a passarada, e os agricultores querem-nos longe das suas sementes porque eles vêm e é uma infestação.
Ora, o que é que faz este agricultor? Lança uma árvore inútil, que é a mostarda. Ela cresce para atrair os pássaros para o seu campo. Isto é: mas quem é que vai fazer isto? Quem é que de bom senso vai trazer tudo o que é arriscado para o seu campo? Isso é um desatino, é desaconselhável. Mas Jesus diz: “O Reino de Deus é como isso.”

Quer dizer, se nós também não estamos dispostos a correr riscos, também nós não permitimos que o Reino de Deus cresça em nós. Se para nós a fé é tudo seguro, é tudo assegurado. Se nós não damos um passo em que não esteja tudo controlado e calculado, também não sabemos o que é o Reino de Deus. Porque o Reino de Deus é criatividade em nós, é fantasia de Deus em nós, é liberdade de Deus agir, é liberdade de Deus refazer, recriar a nossa história.

Nesse sentido, um cristão também tem de correr riscos, tem de correr riscos. E a fé é um grande risco.

“Mas eu não entendo tudo, eu não sei tudo.” Está bem, em última análise, o Kierkegaard dizia isso, a fé é um salto. É um salto no escuro.

“Mas eu não vejo como é que há uma ponte.” Meu amigo, não há ponte nenhuma. Na fé tu tens de te atirar para o outro lado. Não há ponte, entre uma coisa e outra há um vazio, há uma incompreensibilidade, uma incognoscibilidade. Não dá para ser de outra forma. Quer dizer, a fé, na sua essência, é um risco, mas o viver da fé também é um risco. O risco de sair de mim próprio, o risco de sair da minha zona de conforto, o risco de me expor, o risco de comunicar, o risco de ir ao encontro dos outros, o risco de me colocar ao serviço e muitas vezes não ser bem compreendido ou não ser bem aceite. Mas a fé é esse risco, e se nós não corremos o risco também o Reino de Deus não cresce em nós.

Este é o discurso de Jesus, um discurso que nos desafia, um discurso que podemos dizer que é extravagante, e é. Mas a fé não é para nos deixar onde nós já estamos. A fé é uma viagem, a fé é um nomadismo.

Deus diz a Abraão: “Abraão, sai da tua terra e vai para o lugar que eu te indicar.” Isso é o que Deus diz a todos os crentes: “Sai da tua terra e vai para o lugar que eu te indicar.” Na vida de cada um de nós há esse lugar, que é certamente um lugar diferente, porque respeita aquilo que nós somos. Mas é um lugar que pede de nós confiança e risco, confiança e audácia, confiança e coragem de ser, confiança e abandono nas mãos de Deus, confiança e multiplicação do amor e das possibilidades do amor e da graça na nossa vida.

Vamos pedir ao Senhor por cada um de nós, para que esta palavra não seja em vão mas que, acolhida nos nossos corações, ela, como diz Jesus noutra parábola, dê frutos, dê cem por um.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XI do Tempo Comum

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