Queridos irmãs e irmãos

Nós celebramos hoje a Festa de Todos os Santos. O documento Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, que é o documento que pensa o que é a condição dos cristãos e o que é a Igreja, no seu número cinco começa a dizer o seguinte: ”A santidade é a vocação comum de todos os cristãos.” Então, cada um de nós é chamado à santidade. Por vezes triunfa uma imagem dos santos como aqueles que encarnam de forma extraordinária e de forma excecional um ideal cristão. Ora, essa visão não é exatamente a visão cristã, porque a visão cristã é de que  santidade é para todos. Não é para alguns no interior da Igreja. A santidade é a vocação comum de todos os cristãos. Os santos não são apenas os modelos, os heróis. Os santos são aqueles que estão ao nosso lado, que caminham connosco. Os santos somos nós. É preciso perceber a santidade não como um mérito pessoal, mas a santidade como um dom. A vida de cada um de nós é uma vida santa. A santidade está em cada um de nós. A santidade não é uma medalha que colocamos ao peito, a santidade é o nosso ponto de partida. Sem termos feito nada para isso Deus deu-nos a Sua santidade, derramou o dom da Sua  santidade em nós. E por isso nós ouvíamos isto que diz a Primeira Epístola de S. João: “ Vede com que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus, e somo-lo de facto.”

Queridos irmãs e irmãos, a coisa mais importante de todas é que somos filhos de Deus, é que cada um de nós foi, é e será amado com um amor incondicional e admirável. É a certeza na qual nós podemos colocar toda a nossa confiança de que Deus nunca nos abandonará, de que Deus nunca quebrará esta relação de amor que Ele tem com cada um de nós, que Ele nunca deixará de nos assistir. Nunca deixará de nos dar a possibilidade de esperança, de transformação, de encontro na nossa vida. Ele estará connosco todos os dias, até ao fim dos tempos. A santidade, queridos irmãos, é esta confiança no dom que Deus derrama no nosso coração. A grande pergunta é: o que é que nós fazemos com esse dom?

Hoje, no Evangelho, nós ouvimos de novo a página das Bem-aventuranças. É talvez o grande discurso de Jesus, a grande página do Evangelho. Nós confrontamo-nos com este discurso de Jesus tantas vezes na nossa vida. E a pergunta é: Hoje, que sentido é que faz para mim confrontar-me com estas palavras do Senhor? E Ele diz: ”Vós os pobres em espírito, vós os humildes, vós os que chorais, vós os que tendes fome e sede, vós os que usais de misericórdia, vós os que vos esforçais por serdes puros de coração, vós os que promoveis a paz.” Jesus não tem um discurso religioso. A santidade não é a expressão de uma devoção. Jesus tem um discurso humano. Isto é, é a vida, é o que nós vivemos, a experiência da nossa fragilidade, as nossas lágrimas, a nossa pequenez, o nosso esforço por construir a paz nem sempre conseguido, a nossa fome e a nossa sede, a perseguição que sofremos na vida. No fundo, não se trata de uma vida devota sobreposta a esta vida concreta, histórica, que nós temos. Jesus fala da vida vivida, da vida concreta, da vida de todos os dias. A questão é: o que é que fazemos com isto? Todos nós temos lágrimas, o que é que fazemos com as nossas lágrimas? Todos nós temos fome e temos sede, o que é que fazemos com a nossa fome e com a nossa sede? Todos nós experimentamos o que é a pobreza de coração, a fragilidade da vida, o que é que fazemos com isso? Todos nós sentimos em nós o desejo da paz, o desejo da misericórdia, o que é que fazemos? Que espaço é que damos realmente a esse desejo?

Na leitura do Livro do Apocalipse, nesta visão da história que o Profeta tem, há uma coisa muito interessante, ele vê uma multidão imensa que caminha para junto de Deus. Nós não conseguimos ver porque os nossos olhos são limitados. Mas os profetas veem mais longe, veem o sentido profundo da história. Olhando para o mundo, ele vê uma peregrinação imensa de homens e mulheres, vestidos de túnicas brancas, que vão saudar o trono de Deus. E ele pergunta: “Senhor quem são esses? Quem são essas?” E do trono responde-se isto: “ Estes e estas são aqueles que lavaram as suas túnicas no sangue do Cordeiro e ali as branquearam.” É um paradoxo. Se eu lavo a minha roupa em sangue, ela fica em sangue, não fica branca. É um paradoxo. Mas no fundo é o paradoxo da Cruz, o paradoxo do sacrifício, o paradoxo da dádiva, o paradoxo do dom. Quando eu dou é que verdadeiramente possuo. Quando eu amo e me entrego é que verdadeiramente me encontro. Quando eu aceito perdoar é que verdadeiramente sou livre, experimento a liberdade. É uma máquina de fazer paradoxos. Porque nós diríamos que, ao contrário, ao lavar uma túnica em sangue esta nunca ficaria branca. Mas nós somos chamados a branquear, a tornar imaculada, a tornar pura a nossa vida no sangue do Cordeiro, isto é, na lição do Cordeiro, na lição de Jesus. “Senhor, quem são estes? E quem são estas que hoje se reúnem à volta do teu trono?” Eu diria: são mulheres e homens, que se esforçam por lavar as suas túnicas no sangue do Cordeiro, isto é, por lavar as suas lágrimas, a sua fome e a sua sede, a sua fragilidade na lição de Cristo. Vivermos a vida que cada um de nós tem para viver, e que é uma vida diferente com as circunstâncias próprias, com o enquadramento que é único, singular de cada um de nós, mas o que é que fazemos com isso? O caminho da santidade é este lavar no sangue do Cordeiro, tomar para si a lição de Cristo, o caminho de Cristo. E então, aquilo que nos parece impossível torna-se possível.

Quando nós olhamos para os santos canonizados não há dois iguais, são todos diferentes. O que é que têm em comum? Têm em comum terem sido eles próprios. E, a um dado momento da sua vida, terem apostado tudo no lavar as suas túnicas no sangue do Cordeiro, em viver a lição de Jesus até ao fim, como seu caminho, como sua vida. E é no fundo isto que estamos aqui a fazer, domingo a domingo, com o nosso caminho, com a nossa história, é isso que estamos a fazer.

Queridos irmãos, vamos agradecer o caminho que fazemos hoje com os outros, vamos dar graças pela santidade de Deus em nós e pela forma maravilhosa como ela se revela em cada um de nós. Porque cada um de nós tem um modo próprio de andar, de rir ou de chorar. Cada um chora à sua maneira ou ri à sua maneira. Nós também temos uma forma maravilhosa de sermos santos à nossa maneira. E é isso, também, que vamos colocar sobre o altar e agradecer. Não é tudo perfeito, não é tudo já acabado, não nos vão lavar os pés e colocar no altar. Mas também a ideia não é essa. A ideia é: com o inacabado que somos, com esta coisa meio a caminho, carregada de imperfeições, que é a nossa vida nós colocarmos isso nas mãos do Cordeiro. E acreditarmos que Ele é capaz de fazer da nossa vida aquilo que ela verdadeiramente é.

Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade de Todos os Santos

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