Quaresma 2014

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Postal para a Quaresma 2014

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Precisamos de uma Primavera

A comunidade da Capela do Rato em tempo de Quaresma

Somos uma comunidade de mulheres e de homens, não somos uma comunidade de anjos. E, como tal, vivemos a incerteza, a incompletude e a fragilidade; apercebemo-nos das contradições que se albergam no nosso coração; combatemos o drama do mal nos nossos próprios gestos. Umas vezes conseguimos vencer o dilema, outras afundamo-nos nele e somos vencidos. Umas vezes conseguimos manter alta a esperança, outras permitimos que ela diminua ou se apague em nós e nos outros. Se alguma coisa nos define, portanto, é estarmos a caminho. Diria assim: somos uma comunidade de mulheres e de homens, não somos um grupo de anjos e, por isso, precisamos de conversão.

Vamos começar a quaresma porquê? Não apenas por uma imposição do calendário litúrgico, mas porque precisamos renascer. Sentimos o inacabamento, percebemos que é-nos possível ser mais e que está ao nosso alcance viver com maior autenticidade a nossa condição de discípulos de Jesus. Começamos a quaresma porque precisamos dela, porque somos chamados a dar lugar ao Espírito nas nossas vidas, a abrir caminhos de novidade no quotidiano, a acreditar que é possível. Começamos a quaresma porque acreditamos no amor de Deus. De facto, cada um de nós é amada e amado por Deus, e esse amor é capaz de nos colocar em contexto de aliança, em estado de florescimento. Ligarmo-nos a esse amor representa uma nova criatividade, um novo alento, uma nova respiração. E, certamente, uma nova etapa.

Vamos, por isso, começar este caminho da quaresma. Façamo-lo com realismo. As mudanças que contam na nossa vida não acontecem um dia para outro ou de forma espontânea. Acontecem no meio de um paciente combate interior. Temos de estar preparados para um caminho exigente e através de muitas tentações. É muito fácil sermos crentes de bancada, cristãos de sofá, fregueses do templo.

Descobrir um tempo favorável à oração

Vamos regressar a um caminho, um caminho que dura 40 dias, e que é símbolo do caminho da nossa vida. Não vamos percorrê-lo sozinhos, mas em comunhão com o povo de Deus, com a história da salvação, com o próprio Jesus, que quis também passar 40 dias no deserto para refazer espiritualmente o tempo que o povo de Israel esteve no deserto até chegar ao monte da Aliança. Vamos entrar nestes 40 dias de travessia passo a passo, vamos colocar as nossas vidas em obras, em trabalhos, em arranjos, limpezas, sacudindo o pó, abrindo janelas e rasgando horizontes de forma a deixar entrar o ar novo do Espírito.

A igreja apresenta-nos três ferramentas muito úteis e que nos vão servir estrada fora. A primeira ferramenta é a oração. Um cristão não é produto da sua vontade: é, sim, alguém que vive na humilde e confiada abertura à ação de Deus nele. Um cristão não é alguém que a pulso sobe uma escada. Não vamos entrar na ascese pela ascese.  Tudo nasce daquela certeza que S. Paulo recorda: “…acredita que és amado e salvo por Jesus Cristo…”.

Ora, a verdade é que nós cristãos  vivemos muitas vezes como se Deus não existisse. Vivemos num ateísmo prático os nossos quotidianos, remetendo Deus para o último dos pensamentos, a última das lembranças. No nosso dia a dia que espaço damos à oração? Ás vezes são cinco, dez minutos muito negociados, muito regateados e, mesmo assim, a achar que estamos a perder tempo.

Se pensarmos bem, a oração é efetivamente uma perda de tempo, mas no melhor dos sentidos. A oração é inútil, não serve para nada. Temos, porém, de aceitar que esse momento que não produz nada permite estarmos face a face, coração a coração, permite-nos estar gratuitamente com Deus. A verdadeira oração cristã é gratuita: é deixar que o Espírito venha em nós. É dizer: «Senhor eu estou aqui, à espera de nada», «estou à espera do que Tu me dês; à espera de Ti.» Precisamos da oração, porque como um ferro só se dobra a altas temperaturas (e ninguém pensa que consegue dobrar um ferro frio), uma mulher e um homem também só são recriados a altas temperaturas: a temperatura do amor, a da esperança, a  da oração. A nossa vida precisa de ganhar essa temperatura e isso nasce de uma disposição interior para a relação, para colocar Deus na minha vida, para dialogar com Jesus, ás vezes até para brigar com Ele um bocadinho. É desse encontro que podemos florescer. O nosso tempo da quaresma há de ser um tempo favorável à oração. Cada um à sua maneira, não há duas orações iguais como não há dois sorrisos iguais ou duas lágrimas iguais. Cada um de nós tem uma forma de rezar, é o que somos, pois rezamos a partir do nosso estilo. Mas o importante é isto: que eu reze, que tu rezes.

Qual é a oração boa? Qual a melhor oração? Creio que nos ajuda pensar que a oração se define sobretudo pela quantidade. Oração boa é aquela oração longa, rezar bem é rezar muito. Lembro-me há uns anos de uma conversa com um jovem, ele estava numa etapa forte da sua vida e confessava-me numa linguagem um bocado áspera, por isso não se choquem. Ele dizia-me: «Padre Tolentino eu rezo como um porco». Queria com isso dizer:  «eu rezo tudo, eu não separo, eu não escolho nada; como um porco não escolhe o que vai comer; o que lhe põem à frente ele come». Os verdadeiros orantes são assim! Não podemos achar que  quando acontecer-nos uma coisa especial então  rezamos. Não, faz precisamente o contrário:  reza desde que acordas até que te deitas, reza tudo, reza o que está à tua frente, reza o que Deus te dá para rezar. Que estes 40 dias sejam assim tempos em que nos treinamos na oração frequente, na gratuidade, no encontro, no silêncio. A semente floresce em silêncio, as sementes que neste momento estão a florescer ninguém as escuta, assim é a semente do nosso coração.

Experimentar o jejum nos vários sentidos

A outra ferramenta é o jejum. A quaresma é um tempo para praticar o jejum (o jejum comunitário está previsto em dois dias: quarta-feira de cinzas e sexta-feira santa). E aqui eu penso que temos que começar por ser literais. O que é jejum? Jejum é não comer, é a privação temporária e parcial do comer. É muito importante que cada um de nós faça essa experiência de que tem fome. Esse vazio que se sente no estômago abre, perfuma a vida, faz-nos pensar que a vida não é só pão. Se eu não experimento isso na minha barriga a espiritualidade torna-se uma coisa mental. Ora, a religião não é mental, é uma coisa na carne, é uma opção que nos toca profundamente, que nos modifica. Estes quarenta dias são dias para experimentar o jejum em sentido literal e também como renúncia a pequenos prazeres e confortos, concretizando um estilo de vida mais sóbrio do que aquele que a gente tem. O objetivo é esforçar-se por viver frugalmente este tempo, com maior despreendimento em relação aos nossos apetites, rotinas e gostos. Não nos damos conta, mas a nossa vida enche-se de dependências, de falsas necessidades e perdemos completamente a nossa liberdade. Nós somos mulheres livres, homens livres? Não sei. E se somos até que ponto somos? A liberdade interior e evangélica é uma coisa que se treina. Por exemplo: para podermos dizer sim temos que dizer não; muitos nãos são necessários para podermos dizer um sim que seja autêntico.

Então este tempo jejum é para treinar a renúncia, para escolher um estilo de vida sóbrio e durante estas sextas-feiras nós não vamos comer carne. Havia aquela tradição negocial: «eu substituo essa tradição e como outra coisa» ou «eu prefiro comer carne porque o peixe é mais caro». Não, o sentido é não comer carne e isso tem um sentido. Às sextas-feiras não comemos carne porque a carne é um sangue que se derrama, alimentamo-nos de outra vida, matamos para comer. Simbolicamente, ás sextas feiras, vamo-nos abster desse gesto, do gesto de derramar o sangue das criaturas, e optar por vegetais, por um ovo, um peixe. Isto é uma linguagem simbólica, claro. Não é um bife, um frango ou um hambúrguer que fazem a diferença. O essencial é o que eu sou chamado a redescobrir: que o mundo não existe em função de mim; o mundo não existe para que eu o devore. O jejum é muito importante porquê? Estimula o sentido crítico em relação a nós próprios. O nosso eu é uma coisa imensa e muitas vezes tirânica. O nosso eu é um ditador prepotente e caprichoso e se não o contrariamos acabamos por viver uma vida absurdamente egoísta. Nós não somos o centro do mundo. Temos que colocarmo-nos no nosso lugar e de uma forma consciente e crítica. O jejum serve para isso. Para ter uma posição crítica face àquilo de que nos alimentamos real e simbolicamente.

Praticar a esmola

Mas nada deste caminho fazia sentido se fosse apenas trabalhar de forma solipsista o nosso eu. A quaresma não é o momento zen da igreja.  Isto tudo é feito para ampliar a nossa capacidade de comunhão, para dar uma qualidade evangélica às relações que edificamos. Não tenhamos dúvidas: só o amor, a condivisão, a solidariedade, a partilha tornam legível este caminho espiritual que vamos fazer. E por isso é que a primeira ferramenta é a oração, depois o jejum e terceiro a esmola. Privam-nos para poder oferecer, para nos tornarmo-nos dom. No atual momento das nossas sociedades é fundamental redescobrir a dádiva. Há uma responsabilidade pelos outros, pelos mais pobres e frágeis, que temos de por em prática.  E partilhar isso com os próximos e com os distantes, porque o mundo não acaba na porta da nossa casa ou na fronteira da nossa mesa. Temos de ser capazes de abrir o nosso coração. Que o Espírito Santo que é o recriador das nossas vidas faça renascer o nosso coração como faz brotar cada uma das flores da primavera que se anuncia.

Boa quaresma.

Pe. Tolentino

Escute a Homilia do Pe. Tolentino na Quarta-feira de Cinzas de 2013

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