“2/3″][vc_tabs interval=”0″ style=”tab-style-one”][vc_tab title=”2016″ tab_id=”1413887764-1-26f6ea-d458″]
Junho
height=”10″][vc_toggle title=”2016/06/02 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle] height=”30″]
Maio
height=”10″][vc_toggle title=”2016/05/19 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/05/05 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/05/02 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle] height=”30″]
Abril
height=”10″][vc_toggle title=”2016/04/21 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/04/18 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/04/11 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/04/07 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/04/04 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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Março
height=”10″][vc_toggle title=”2016/03/17 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/03/14 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/03/07 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/03/05 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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Fevereiro
height=”10″][vc_toggle title=”2016/02/29 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/02/25 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/02/15 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/02/11 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/02/02 – As mulheres nos Evangelhos e na Igreja” open=”false”]
A Irmã Maria Julieta Mendes Dias convida-nos a refletir sobre as mulheres nos Evangelhos e na Igreja. A proposta que nos faz é olhar para a atitude de Jesus para com as mulheres e perceber a reação das mesmas à Boa Nova de Jesus, para tentar compreender a situação das mulheres na Igreja ao longo dos tempos. Será nos dias 26 de janeiro e 2 de fevereiro, às 21h30, na Capela do Rato.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/02/01 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“” open=”false”]
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Janeiro
height=”10″][vc_toggle title=”2016/01/26 – As mulheres nos Evangelhos e na Igreja” open=”false”]
A Irmã Maria Julieta Mendes Dias convida-nos a refletir sobre as mulheres nos Evangelhos e na Igreja. A proposta que nos faz é olhar para a atitude de Jesus para com as mulheres e perceber a reação das mesmas à Boa Nova de Jesus, para tentar compreender a situação das mulheres na Igreja ao longo dos tempos. Será nos dias 26 de janeiro e 2 de fevereiro, às 21h30, na Capela do Rato.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/25 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“ – São Tomás de Aquino – Marta Mendonça (FCSHUNova)” open=”false”]Está disponível para ouvir a sessão de Marta Mendonça (FCSHUNova) sobre São Tomás de Aquino, no curso livre Os filósofos também falam de Deus.
O curso “Os filósofos também falam de Deus”
A Comunidade da Capela do Rato mostrou grande interesse pelo Ciclo de Conversas sobre Deus. Pensámos que seria pertinente retomar o tema, colocando-o num outro registo – a filosofia – e seguindo um outro método – o curso livre. Aproveitando a disponibilidade generosa de um grupo de professores universitários, seleccionámos doze pensadores que gostaríamos de apresentar, fomentando o diálogo com os mesmos. Não foi possível incluir todos os nomes que consideramos relevantes mas a selecção feita contempla posicionamentos muito diversos, suficientes para se ficar com a ideia de que “Os filósofos também falam de Deus.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira
( Coordenadora científica )
Plano do curso
Autores abordados, oradores e calendário:
Platão – José Pedro Serra (FLULisboa) 11 Janeiro
Aristóteles – António Caeiro (FCSHUNova) 18 Janeiro
S. Tomás – Marta Mendonça (FCSHUNova) 25 Janeiro
Santo Agostinho – Pe. Henrique Noronha Galvão (UCPLisboa) 1 Fevereiro
Leibniz – Adelino Cardoso (FCSHUNova) 15 Fevereiro
Espinosa – Maria Luísa Ribeiro Ferreira (FLULisboa) 29 Fevereiro
Kant – Irene Borges-Duarte (UÉvora) 7 Março
Hegel – Manuel José Carmo Ferreira (FLULisboa) 14 Março
Nietzsche – Viriato Soromenho Marques (FLULisboa) 4 Abril
Paul Ricoeur – Carlos João Correia (FLULisboa) 11 Abril
Simone Weil – Maria José Vaz Pinto (FCSHUNova) 18 Abril
Agostinho da Silva – Paulo Borges (FLULisboa) 2 Maio
O Curso Os Filósofos também falam de Deus terá uma sessão final em que será analisado o argumento ontológico, tal como foi apresentado por Santo Anselmo e por Descartes. Os conferencistas serão os Professores António Pedro Mesquita e Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Esta 13ª sessão será no dia 9 de Maio, no horário habitual.
Desenvolvimento das sessões: apresentação teórica, seguida de debate.
Indicações Bibliográficas:
Histórias da Filosofia:
- François Châtelet,(org.) História da Filosofia, Lisboa, D. Quixote, (8 vols.), 1974
- Anthony Kenny, História Concisa da Filosofia Ocidental, Lisboa, Temas e Debates, 2003
- Juan Manuel Navarro Cordon e Tomas Calvo Martinez, Historia da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2014
Dicionários de Filosofia:
- José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Lisboa, D. Quixote, 1978
- LOGOS- Enciclopédia Brasileira de Filosofia, , (8 vols.) Lisboa, Verbo, 1995
Outras informações
As sessões do curso terão lugar nas instalações da Capela do Rato, às 2ª feiras, das 18.15 às 20.00 horas, nas datas indicadas acima. O curso terá um número limitado de participantes e a inscrição foi feita por ordem de entrada.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/21 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
Mais informações aqui.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/18 – Curso “Os Filósofos também falam de Deus“ – Aristóteles – António Caeiro (FCSHUNova)” open=”false”]Está disponível para ouvir a sessão de António Caeiro (FCSHUNova) sobre Aristóteles, no curso livre Os filósofos também falam de Deus.
O curso “Os filósofos também falam de Deus”
A Comunidade da Capela do Rato mostrou grande interesse pelo Ciclo de Conversas sobre Deus. Pensámos que seria pertinente retomar o tema, colocando-o num outro registo – a filosofia – e seguindo um outro método – o curso livre. Aproveitando a disponibilidade generosa de um grupo de professores universitários, seleccionámos doze pensadores que gostaríamos de apresentar, fomentando o diálogo com os mesmos. Não foi possível incluir todos os nomes que consideramos relevantes mas a selecção feita contempla posicionamentos muito diversos, suficientes para se ficar com a ideia de que “Os filósofos também falam de Deus.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira
( Coordenadora científica )
Plano do curso
Autores abordados, oradores e calendário:
Platão – José Pedro Serra (FLULisboa) 11 Janeiro
Aristóteles – António Caeiro (FCSHUNova) 18 Janeiro
S. Tomás – Marta Mendonça (FCSHUNova) 25 Janeiro
Santo Agostinho – Pe. Henrique Noronha Galvão (UCPLisboa) 1 Fevereiro
Leibniz – Adelino Cardoso (FCSHUNova) 15 Fevereiro
Espinosa – Maria Luísa Ribeiro Ferreira (FLULisboa) 29 Fevereiro
Kant – Irene Borges-Duarte (UÉvora) 7 Março
Hegel – Manuel José Carmo Ferreira (FLULisboa) 14 Março
Nietzsche – Viriato Soromenho Marques (FLULisboa) 4 Abril
Paul Ricoeur – Carlos João Correia (FLULisboa) 11 Abril
Simone Weil – Maria José Vaz Pinto (FCSHUNova) 18 Abril
Agostinho da Silva – Paulo Borges (FLULisboa) 2 Maio
O Curso Os Filósofos também falam de Deus terá uma sessão final em que será analisado o argumento ontológico, tal como foi apresentado por Santo Anselmo e por Descartes. Os conferencistas serão os Professores António Pedro Mesquita e Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Esta 13ª sessão será no dia 9 de Maio, no horário habitual.
Desenvolvimento das sessões: apresentação teórica, seguida de debate.
Indicações Bibliográficas:
Histórias da Filosofia:
- François Châtelet,(org.) História da Filosofia, Lisboa, D. Quixote, (8 vols.), 1974
- Anthony Kenny, História Concisa da Filosofia Ocidental, Lisboa, Temas e Debates, 2003
- Juan Manuel Navarro Cordon e Tomas Calvo Martinez, Historia da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2014
Dicionários de Filosofia:
- José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Lisboa, D. Quixote, 1978
- LOGOS- Enciclopédia Brasileira de Filosofia, , (8 vols.) Lisboa, Verbo, 1995
Outras informações
As sessões do curso terão lugar nas instalações da Capela do Rato, às 2ª feiras, das 18.15 às 20.00 horas, nas datas indicadas acima. O curso terá um número limitado de participantes e a inscrição foi feita por ordem de entrada.
O curso “Os filósofos também falam de Deus”
A Comunidade da Capela do Rato mostrou grande interesse pelo Ciclo de Conversas sobre Deus. Pensámos que seria pertinente retomar o tema, colocando-o num outro registo – a filosofia – e seguindo um outro método – o curso livre. Aproveitando a disponibilidade generosa de um grupo de professores universitários, seleccionámos doze pensadores que gostaríamos de apresentar, fomentando o diálogo com os mesmos. Não foi possível incluir todos os nomes que consideramos relevantes mas a selecção feita contempla posicionamentos muito diversos, suficientes para se ficar com a ideia de que “Os filósofos também falam de Deus.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira
( Coordenadora científica )
Plano do curso
Autores abordados, oradores e calendário:
Platão – José Pedro Serra (FLULisboa) 11 Janeiro
Aristóteles – António Caeiro (FCSHUNova) 18 Janeiro
S. Tomás – Marta Mendonça (FCSHUNova) 25 Janeiro
Santo Agostinho – Pe. Henrique Noronha Galvão (UCPLisboa) 1 Fevereiro
Leibniz – Adelino Cardoso (FCSHUNova) 15 Fevereiro
Espinosa – Maria Luísa Ribeiro Ferreira (FLULisboa) 29 Fevereiro
Kant – Irene Borges-Duarte (UÉvora) 7 Março
Hegel – Manuel José Carmo Ferreira (FLULisboa) 14 Março
Nietzsche – Viriato Soromenho Marques (FLULisboa) 4 Abril
Paul Ricoeur – Carlos João Correia (FLULisboa) 11 Abril
Simone Weil – Maria José Vaz Pinto (FCSHUNova) 18 Abril
Agostinho da Silva – Paulo Borges (FLULisboa) 2 Maio
O Curso Os Filósofos também falam de Deus terá uma sessão final em que será analisado o argumento ontológico, tal como foi apresentado por Santo Anselmo e por Descartes. Os conferencistas serão os Professores António Pedro Mesquita e Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Esta 13ª sessão será no dia 9 de Maio, no horário habitual.
Desenvolvimento das sessões: apresentação teórica, seguida de debate.
Indicações Bibliográficas:
Histórias da Filosofia:
- François Châtelet,(org.) História da Filosofia, Lisboa, D. Quixote, (8 vols.), 1974
- Anthony Kenny, História Concisa da Filosofia Ocidental, Lisboa, Temas e Debates, 2003
- Juan Manuel Navarro Cordon e Tomas Calvo Martinez, Historia da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2014
Dicionários de Filosofia:
- José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Lisboa, D. Quixote, 1978
- LOGOS- Enciclopédia Brasileira de Filosofia, , (8 vols.) Lisboa, Verbo, 1995
Outras informações
As sessões do curso terão lugar nas instalações da Capela do Rato, às 2ª feiras, das 18.15 às 20.00 horas, nas datas indicadas acima. O curso terá um número limitado de participantes e a inscrição foi feita por ordem de entrada.
Nesta cena do Batismo, que este ano nós lemos na narrativa do evangelista S. Lucas, o cenário é muito importante. Porque João Batista, de forma deliberada, quis construir um lugar simbólico. Então, possivelmente, ele que era ligado à dinastia sacerdotal (o seu pai segundo o próprio S. Lucas nos conta, Zacarias, era um sacerdote do templo), ele que vinha dessa linhagem dinástica, afastou-se de Jerusalém e foi para as margens do rio Jordão.
O rio Jordão não é um lugar inocente para João escolher, porque o Povo de Deus entrou naquela terra pelo rio Jordão. O rio Jordão foi a porta de entrada daquela terra. Quer dizer, foi o momento zero daquela história. Antes de tudo, de tudo o que se construiu, de tudo o que se fez, antes mesmo da cidade de Jerusalém e do Templo e de toda a máquina sacerdotal, o rio Jordão, aquele humilde rio, ali naquela planície sem tamanho, aquele humilde fio de água foi o lugar por onde o Povo de Deus passou para entrar na terra prometida.
Então o quilómetro zero é a possibilidade de dizer assim: “Vamos rebobinar o filme, vamos passar a história para trás, vamos começar de novo.” E, no fundo, a proposta de João Batista, que encontrava um eco nas aspirações disseminadas no Povo de Israel naquela época, era a construção de uma alternativa. No fundo Israel estava sobre o domínio Romano, não havia grande esperança de uma libertação e de uma vivência autêntica da própria palavra. Havia um messianismo, uma expetativa messiânica difusa e João sentiu-se chamado a construir uma alternativa.
Nós hoje conhecemos vários movimentos batistas e conhecemos, na história de Israel deste tempo, várias tentativas para construir uma alternativa ao modelo reinante em Jerusalém. João Batista também era isto, era uma pessoa, um carismático que se sentia chamado a um viver alternativo. Nesse sentido, S. Lucas não nos fala disso na passagem que nós ouvimos mas, quer a dieta de João Batista, ele se alimentar de mel e gafanhotos, quer a sua forma de vestir com uma pele de animal, um cinturão, é de facto alguém que quer comer e vestir de uma forma completamente diferente. Isto é, é alguém que quer instaurar uma rutura simbólica. E este desejo de João Batista é também um desejo partilhado porque muitos vão até ele para serem batizados por ele.
Este é um bocado o clima: há muitas expetativas no ar, há muito desejo de mudança, de construir um caminho diferente, há muitos sonhos. O próprio João Batista, que começa por encabeçar este movimento de rotura, a dada altura ele congrega em torno a si imensas expetativas: “Será ele ou não o Messias?” é a pergunta que abre a leitura do Evangelho que hoje nós lemos. Mas João Batista projeta mais longe a própria expetativa e diz: “há de vir um profeta escatológico. Ele batizará não na água mas no fogo, Ele será o profeta do fim dos tempos.” E também atira mais longe a esperança. É um dos trabalhos do profeta pegar nas expetativas do presente e atirá-las para um futuro maior, para uma escala maior, para uma dimensão mais larga.
E é neste contexto que aparece Jesus. E, sem dúvida, este contexto foi um contexto favorável a Jesus. No sentido de que as expetativas que primeiro se colocaram sobre João Batista foram depois transferidas para Jesus, os discípulos de João Batista foram depois discípulos de Jesus, os sonhos que primeiramente se viveram ali, naquela espécie de rebobinar da história ”voltemos ao princípio, comecemos de novo”, também foram potencializados por Jesus.
Mas o que é que foi decisivo para Jesus? O que é que fez Jesus ao descobrir-se chamado para aquela missão messiânica? Qual foi o seu clique, a sua luz, a sua iluminação? O que é que Lhe deu força para ser? O que é que O confirmou verdadeiramente? E é, no fundo, a pergunta que nós podemos devolver a cada um de nós: O que é que nos confirma? O que é que nos dá força para agir? O que é que nos empurra? O que é que nos motiva para os trabalhos de todos os dias, para as pequenas e grandes decisões de todos da nossa vida? O que é que nos atira mais para a frente?
Se nós formos responder a isto, muitas vezes até são coisas que se revelam infundadas, pensávamos que era uma coisa e depois saiu-nos outra, quisemos usar uma esperança que depois vimos que não era tão esperança quanto isso. Esta reflexão sobre o que é que determina a nossa vida é uma reflexão, eu diria, fundamental, alicerçante daquilo que somos. E aqui importa olhar por os olhos em Jesus. Jesus é mais um nesta fila para se batizar por João Batista, mas naquele momento alguma coisa de fundamental acontece. Os céus abrem-se e Jesus escuta esta voz. Se calhar os que estavam juntos também puderam escutar, mas é claramente uma voz dirigida para Jesus, porque é uma voz que diz “Tu”, por isso é sobretudo para Aquele. E o que é que Jesus ouve? “Tu és o Meu filho muito amado, em Ti coloco o Meu agrado, a Minha complacência, o Meu amor, a Minha estima, o Meu elogio, a Minha esperança, a Minha expetativa, o Meu deleite, é em Ti que Eu coloco o Meu coração. Tu és o Meu filho, é em Ti que Eu coloco o Meu coração.”
É claro que o ambiente de expetativa messiânica que Jesus encontrou foi muito importante para o pregador que Jesus foi, para o profeta, para o taumaturgo, para o anunciador do Reino que Jesus foi. Isso tudo foi o contexto político, o contexto sociológico, o contexto social.
Mas se nós queremos perguntar: Qual é o segredo de Jesus? O que é que o empurrou para aquela vida? O que é que o fez sair de Nazaré para os caminhos da Galileia? O que é que O fez assumir plenamente o Seu destino? Eu não teria dúvidas a dizer que foi esta experiência profunda de que Ele é o Filho, de que Ele é o Filho amado, e que Nele Deus coloca o Seu deleite, o Seu coração, o Seu agrado. No fundamento de toda a vida de Jesus está esta certeza de amor, de ser amado. E uma certeza de que fomos amados é uma força para sempre, é uma fortaleza para sempre.
Isto na vida de Jesus é muito claro desde o princípio. E é interessante que nós ouvimos isto no Batismo de Jesus e depois vamos ouvir no momento da Transfiguração, quando o destino tremendo, exigentíssimo de Jesus, aquele desfecho que é a Cruz se desenhava, ouve-se de novo a voz do céu: “Tu és o Meu filho, em Ti coloquei o Meu coração.”
Queridos irmãos e irmãs, o que é que nós somos aqui? Qual é o sentido de estarmos aqui juntos? Porque é que o Cristianismo se torna razão da nossa vida? Nós não somos apenas simpatizantes, partidários, militantes de Jesus. Nós estamos aqui porque cada um de nós faz aquela experiência que Jesus fez. Nós, como depois dirá S. Paulo, somos feitos filhos no Filho. Em Jesus nós descobrimo-nos filhos amados de Deus, e é essa a experiência fundamental.
É claro que os cenários podem ser uns ou outros, mais favoráveis ou mais desfavoráveis. Mas o fundamental é que cada um de nós sinta, oiça, escute no fundo mais silencioso da sua alma Deus a dizer: “Tu és o Meu filho, tu és a Minha filha, amados, em ti coloco o Meu coração.” Cada um de nós é depositário desse amor, e é a certeza desse amor a alavanca da nossa vida, a força que nos sustem, a porção de espírito necessária par nós podermos ser. Deus derrama o Seu Espírito em Jesus quando derrama o Seu amor. E também em nós. Nós somos recetáculos do Espírito, o Espírito derramado em nós porque esse amor está presente nas nossas vidas.
Por isso, nesse discurso inicial que S. Pedro há de fazer, e que nós proclamamos hoje na leitura do livro dos Atos dos Apóstolos, S. Pedro explica assim o fenómeno Jesus, diz ele: “Ele passou pelo mundo fazendo o bem porque Deus estava com Ele.” E é porque Ele está com Jesus que Jesus é Jesus. Como é porque Deus está connosco, porque nós temos a memória desse amor viva em nós, que nós somos capazes de ser, que nós somos capazes de vencer a noite, vencer a dificuldade, vencer a dúvida, vencer o cerco de tudo aquilo que afunila a vida, de tudo aquilo que nos tira o tapete. Nós ganhamos a força na certeza de que somos filhos, e somos filhos amados.
Nós vemos isso, por exemplo, na história de pessoas que resistem a coisas inimagináveis. Por exemplo, uma pessoa que consegue num campo de concentração não ser completamente aniquilado mas consegue manter a esperança. Qual é o segredo daquela pessoa? Se formos analisar, o seu segredo é uma imagem de amor que a pessoa tem dentro de si, que internalizou, que experimentou e que vai ser a sua força para sempre, para sempre. E não há ameaça nenhuma, não há peso nenhum capaz de esmagar essa experiência fundamental.
Queridos irmãos, que neste Ano Santo da Misericórdia cada um de nós sinta o desafio muito grande de reforçar, de avivar, de iluminar dentro do seu coração a experiência fundante do amor de Deus. Este é o ano para nós ouvirmos a voz do Pai: “Tu és o meu filho, tu és a minha filha muito amada.”
Contrariando em nós tantas barreiras, tanto desamor, acharmo-nos órfãos de Deus, acharmos que Deus não está presente, que Deus no fundo não nos ama, que Ele tem razões para não gostar de nós, ou tem razões para castigar-nos, ou tem razões para voltar-nos as costas. Desmentirmos estas imagens, estes caminhos labirínticos das culpabilidades que não levam a parte alguma e colocarmos no centro da nossa experiência religiosa a experiência do amor, de que somos amados de uma forma incondicional, de uma forma primeira. E que esse amor nos dê forças, nos dê criatividade, nos dê emoção, nos dê alegria, nos dê as competências necessárias para afrontarmos os trabalhos da vida.
É muito belo isto que ouvimos na primeira leitura do profeta Isaías a falar da missão do Messias. No fundo o que é que o Messias vai fazer? O Messias vai como um relojoeiro, como um ourives, vai restaurar os traços pequeninos e frágeis da vida, vai cuidar da vida, e vai dar à vida que está quase a deslaçar-se uma nova oportunidade. Vai amparar, vai proteger, vai avivar, vai confirmar. E é, no fundo, isso que nos é pedido a nós, esse trabalho que a vida nos pede de sermos ourives, miniaturistas a restaurar os pequenos laços quebrados da vida. Nós só vamos ter força para isso se tivermos bem presente em nós a certeza de que somos, como dizia o verso da Sophia de Mello Breyner Andersen, a certeza de que somos “olhados, amados e conhecidos.” Esta certeza que fez a diferença na vida de Jesus é esta certeza que faz a diferença na vida de cada um de nós.
Pe. José Tolentino Mendonça, Festa do Baptismo do Senhor
Clique para ouvir a homilia
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/07 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/03 – Desejo de adorar” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
Nós celebramos hoje a grande solenidade da Epifania do Senhor, da Sua manifestação. Falar da Epifania é falar do mistério de Cristo, do programa de Cristo, da novidade que Ele introduz na própria história. É muito importante olharmos para a festa da Epifania, como a liturgia nos aconselha, com a ajuda do apóstolo Paulo, que foi um dos primeiros cristãos a trabalhar este tema da Epifania de Jesus e o caráter transfronteiriço da mensagem cristã, da proposta que Jesus vem fazer.
S. Paulo na Carta aos Efésios faz uma espécie de resumo daquilo que hoje nós, simbolicamente, também celebramos. Ele diz: “Foi-me revelado o mistério de Cristo.” E o mistério de Cristo é este: “Os gentios recebem a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa em Cristo por meio do Evangelho.” Isto que parece uma coisa muito simples é uma revolução completa. É a emergência de uma realidade nova que, de certa forma, nós ainda estamos a apanhar, estamos a colher, com muita dificuldade, porque é mesmo assim.
Mas ainda estamos longe de perceber a radicalidade desta palavra porque, durante séculos, a história do Povo de Deus era uma história que unia a Revelação à construção de uma nação, de um país. Então, toda a promessa de Deus era lida em chave nacionalista. Isto é, esta palavra é uma palavra que pertence a Israel, pertence àqueles que geneticamente são deste povo. Todos os outros são gentios, são pagãos, não têm acesso à manifestação de Deus. Ora, Jesus vem como homem, como pessoa humana, para tornar a Salvação de Deus acessível a todos. Jesus vem para dizer a todos que é possível, que é para eles que Deus se manifesta, que Deus Se revela.
Ora, isto não é fácil porque das primeiras palavras que nós aprendemos a dizer é: “Meu, é meu, é meu.” E também em relação a Deus: “É o meu, é o meu Deus, é a minha maneira de ver, é a minha oração, é a minha tradição religiosa.” E, de repente, nós estamos a aprisionar Deus, a aprisionar Jesus.
Nós estamos a celebrar a festa da Epifania, desta universalidade da salvação que Jesus vem revelar. Como é que nós, Igreja, vivemos essa universalidade? Muitas vezes nós construímos igrejas, e dentro das igrejas capelas, e dentro das capelas capelinhas. Porque a nossa tendência é essa, é de barricar, de enclaustrar, de fazer uma trincheira, de dizer: “É meu, é minha.” E ficar apenas por aí.
Lembro-me do ano passado uma homilia do Papa Francisco, uma homilia agitadora como é a palavra do Santo Padre, uma palavra profética, ele dizia isto: “Há dois modelos de Igreja: o modelo daqueles que procuram sobretudo alimentar, confortar, consolidar os que já estão dentro. E, então, nós construímos uma espécie de cintura que nos isola do resto e procuramos, sobretudo, fortalecer a fé dos que já estão, dos que já pertencem. “ E o Papa diz: “Uma Igreja assim não se distingue nada de um clube.” Daqueles clubes muito reservados, com muito pedigree. Uma Igreja assim não se distingue de um clube. E há um outro modelo, diz o Santo Padre: “Que é daqueles que dizem: «É bom estar dentro, é bom já pertencer, mas nós temos de sair para fora, temos de ir ao encontro dos que ainda não estão aqui» E essa, diz o Santo Padre, é uma Igreja missionária, é uma Igreja em saída, é uma Igreja que não fica no conforto das suas certezas, das evidências já conquistadas, já reconhecidas. Mas vai partir pedra, mas vai fazer caminho, mas vai ao encontro de um mundo que é diverso, que é impuro, que não é aquele que nós idealizamos, que tem tantos contrastes, que tem tantos paradoxos mas, no fundo, é um mundo que Deus ama, é um mundo que precisa ser salvo.”
Isto para nós é uma responsabilidade muito grande, queridos irmãos, porque também nós somos artesãos da Igreja, somos construtores da Igreja. E podemos criar segredos, fazer disto uma espécie de segredo inútil que se transmite e que morre aqui, ou podemos fazer de Jesus, daquilo que a Encarnação de Jesus significa, podemos fazer Dele uma epifania, uma manifestação, sabendo que esta boa-nova tem de chegar para lá, para lá das nossas fronteiras.
No Evangelho de S. Mateus emergem dois personagens e, no fundo, são dois tipos humanos, são dois tipos de atitude, podemos tanto ser um ou ser outro. Temos o rei Herodes. O rei Herodes não sabe nada, ignora tudo, a única coisa que ele sabe é o seu poder, é que ele tem de sobreviver no poder, que ele tem de continuar. Ele não sabe que o Menino nasceu, ele não sabe nada da Estrela, ele tem de perguntar aos outros, tem de ler os grandes livros, ele não sabe que o Messias vai nascer em Belém, ele não sabe nada, só sabe de si.
E temos este outro tipo humano que é esta figura dos Magos. Os Magos que vivem longe, que são aquelas pessoas curiosas pela vida, que mantêm uma disponibilidade para se deixar surpreender. No fundo, é preciso ter um coração pobre, é preciso não fazer do seu ego o seu trono, para ainda abrir uma janela e olhar para as estrelas e perguntar o que é que aquelas estrelas quererão dizer. E estes homens estão disponíveis para fazer caminho, para fazer estrada. Um rei é prisioneiro da sua corte, do lugar onde se senta. O Rei Mago é um nómada, é alguém disponível para sair da sua casa, sair do seu palácio, fazer uma viagem.
Uma viagem da qual não há muitas certezas, porque se nos deixamos guiar por uma estrela é uma viagem muito aberta, muito pobre ao mesmo tempo de sinais, é uma espécie de alinhavo, não é um traço forte. Mas eles estão disponíveis para ir adorar uma coisa que está longe deles, e não apenas adorar o seu umbigo, adorar a sua imagem. Estes são capazes de ir mais longe. E quando chegam, perante uma criança, ajoelham-se e adoram.
O que é que nós adoramos normalmente, o que é que nós consideramos? Uma pessoa tem de dar o litro para merecer a nossa admiração, para merecer a nossa confiança tem de fazer uma coisa verdadeiramente excecional, aí, nós sim reconhecemos. Estes põem-se de joelhos perante uma vida que não fez nada, perante uma vida que é, perante aquilo que é o mistério desabalado da própria vida. De joelhos a contemplar o Menino, não contemplam coisas, atos, monumentos, ações, glórias, saberes, conhecimento, não, ajoelham-se perante a vida a vida trémula, a vida que não é nada, a vida frágil, a vida que tem ali todo o seu mistério, a vida no ato puro de ser.
Estão ali de joelhos e partilham com aquela vida as suas riquezas, os seus tesouros, aquilo que trazem. Tesouros sem dúvida simbólicos, para perfumarem a vida: o ouro, o incenso, a mirra. Os grandes tesouros do mundo antigo e que têm a ver com o mundo real, com o mundo sacerdotal, com o mundo profético, com as coisas mais preciosas daquele mundo e daquela cultura. E eles partilham os seus tesouros e depois partem, voltam ao seu caminho.
Nós sabemos que Herodes só pode fazer o contrário. Herodes só pode determinar a matança dos inocentes porque Herodes não suporta o outro como uma ameaça, ele não suporta não ser o centro e por isso há de mandar matar todos os meninos que nasceram naquela época.
Os Magos vêm, adoram a vida e partem. São dois tipos, são duas atitudes perante a vida e a verdade é que nós encontramos ambas dentro de nós, a rivalizar dentro de nós. O necessário é que nos tornemos reis magos ao longo deste ano, deste Ano Santo da Misericórdia, tendo a capacidade de ir mais longe, tendo a capacidade de ser guiados pelo alto, tendo capacidade de nos desinstalarmos, de fazermos a grande viagem e de retornarmos depois à nossa casa, ao nosso coração por um outro caminho. Isto é, voltar à nossa casa transformados pela própria viagem porque aquilo que vimos, aquilo que fizémos transformou completamente a nossa vida.
Queridos irmãos, é a grande festa da Epifania, que responsabilidade nos é colocada nas mãos, que responsabilidade tornarmo-nos nós agentes desta Epifania. Deixarmos para trás o Herodes que subsiste, que sobrevém sempre dentro de nós e sermos capazes de adotar a atitude dos Magos, e aprender com eles este desejo de adorar. O primeiro mandamento é adorar a Deus , amar e adorar a Deus sobre todas as coisas. E este ter uma coisa para adorar na vida é um bem sem tamanho.
Muitas vezes nós vivemos uma vida só mesquinha, só conseguimos gostar ou não gostar, ou querer ou não querer – é a posição de Herodes. Estes que vêm de longe são capazes da adoração. O Senhor nos dê um coração capaz da adoração. Isto é, da contemplação do seu mistério, do fantástico reconhecimento da sua presença no mundo, nas nossas vidas.
Pe. José Tolentino Mendonça, Epifania do Senhor
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2016/01/01 – Sintamo-nos abençoados” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
Neste primeiro dia do ano celebramos Maria com um título especial, um título, se quisermos, até radical, porque a saudamos como Santa Maria Mãe de Deus, theotókos. Foi um caminho que a própria Igreja fez e uma discussão muito grande num concílio. A pergunta era se não era excessivo chamar Maria Mãe de Deus, chamar uma pessoa humana mãe do próprio Deus. Isso parece um paradoxo total, uma coisa nunca vista.
Mas o que celebramos em Maria, a sua maternidade divina, é também a visão cristã sobre a pessoa humana. No fundo do Cristianismo há um otimismo, se quisermos radical, em relação àquilo que a pessoa humana é capaz. O Cristianismo o que é que diz? Que cada ser humano é capaz de gerar o divino, de trazer em si o divino. Cada ser humano é capaz de ser cúmplice do próprio Deus, é capaz de ser a Sua imagem e semelhança, é capaz de ser o Seu canal de transmissão, é capaz de ser a Sua presença no mundo, é capaz de ser o grande sinal de Deus na história.
A esta crença liga-se a bênção. Neste primeiro dia do ano as leituras concentram-nos em torno à bênção. Deus diz a Moisés e a Aarão que abençoem os filhos de Deus. E o que é abençoar? A própria palavra benedire quer dizer: dizer bem, dizer o bem que cada pessoa é, dizer o bom que cada pessoa é. E como isso é fundamental para a vida! É o próprio Deus que nos abençoa, que diz o bem que existe em nós. É tão bela a bênção que Deus ensina a Aarão e a Moisés a atribuírem ao Povo de Deus: “O Senhor te abençoe e te proteja, o Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável, o Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz.”
Neste início do ano, queridos irmãs e irmãos, sintamo-nos abençoados, sintamos que somos filhos, filhos amados de Deus, confiemos no bem que Deus vê em nós. Simone Weil dizia que: “Mais importante do que termos fé em Deus é compreendermos que Deus tem fé em nós.” Esta fé que Deus tem na nossa Humanidade é a âncora, é a alavanca que nos transforma. Sintamo-nos por isso abençoados, vencendo todo o sentimento interior de orfandade, de distância, de exclusão. Sintamo-nos verdadeiramente filhos, isso que S. Paulo também hoje nos diz na Carta aos Gálatas: “Vós não sois escravos, vós sois filhos. Assim como filhos amados.” Aquilo que Deus disse no Batismo a Jesus “Tu és o Meu Filho muito amado, em Ti coloco o Meu amor.” é, no fundo, isso que Deus diz a cada homem, a cada mulher: “Tu, Meu filho muito amado.” E isso é a verdadeira bênção, a verdadeira bênção.
Às vezes na vida nós caminhamos mais sobre peso, sobre a sombra da maldição do que sobre a luz de uma bênção. Precisamos de ser abençoados, precisamos que a bênção nos seja recordada, nos seja lembrada, precisamos que nos digam o quanto somos queridos, amados por Deus, o quanto fazemos parte do Seu projeto qualquer que seja a nossa situação, a nossa trajetória, o nosso caminho. Sintamo-nos abençoados, abençoados por Deus.
Hoje nós celebramos a quadragésima nona jornada de oração pela paz. O Santo Padre, o Papa Francisco, na mensagem deste ano coloca o ponto de atenção na necessidade de vencermos a indiferença. Ele diz: “Vence a indiferença se queres construir a paz.” E, de facto, é a vitória sobre a indiferença que nos dá razões de alegria. Por exemplo no Evangelho, os pastores, eles estavam nos seus rebanhos, na sua vida, quando foram chamados para ir ao presépio. Imagine-se que eles não iam, era menos uma razão de esperança, de grande esperança, para eles.
Tantas vezes nós perdemos a esperança, a nossa vida como que se desvitaliza, como que fica amorfa, cinzenta, encapsulada. Porquê? Porque construímos um muro de indiferença que não quebramos, e por isso nada nos toca também, nada nos redime. Às vezes não queremos sofrer: “Ah, eu vou envolver-me, vou saber, vou fazer, não quero sofrer, não quero ter trabalhos.” Há uma maneira de não sofrer, é não amar, mas isso também não é humano.
O Santo Padre, nesta Carta que era importante que todos lêssemos (ela está disponível na internet e noutros meios), que começa por dizer isto, é a primeira frase da mensagem: “Deus não é indiferente.” Deus não é indiferente, Deus não é indiferente aos nossos sofrimentos, à nossa esperança, à nossa humanidade, pelo contrário Deus é parcial, Deus toma partido pela pessoa humana, Deus vem ao encontro da pessoa humana. O Santo Padre, fazendo o diagnóstico do mundo presente, diz: “Talvez o grande pecado do nosso tempo seja de facto a indiferença.” Numa sociedade da informação em que temos o conhecimento hora a hora, minuto a minuto, nesta aldeia global em que o mundo se tornou, a verdade é que também cresce uma indiferença. Vemos as imagens mas elas já não nos tocam, estamos como que anestesiados perante aqueles que nos rodeiam, perante a situação de tantos. Vencer a indiferença é o caminho para a construção da paz.
Mas como é que se vence verdadeiramente a indiferença? O Santo Padre, na sua mensagem, liga esta jornada de oração pela paz ao Ano Santo da Misericórdia que nos estamos a viver. Ele diz que: “A verdadeira vitória sobre a indiferença é aquela que acontece num coração misericordioso.” Neste ano de 2016 nós somos chamados a redescobrir a misericórdia. Cada um de nós, cada um de nós. O Santo Padre abriu as portas em Roma, na Basílica, mas aquilo é só um sinal de uma coisa que tem de acontecer no coração de cada um de nós. Abramos as portas do nosso coração e sintamos este desafio que a Igreja nos coloca este ano de cada um de nós redescobrir a misericórdia.
O Santo Padre diz uma coisa muito preciosa e precisa, diz ele: “Cada cristão torne a misericórdia o seu programa de vida.” Cada cristão torne a misericórdia o seu programa de vida. Neste ano de 2016, a misericórdia seja o nosso programa de vida. Que cada um de nós pergunte: o que é a misericórdia? O que é a misericórdia na minha vida? Eu já sei o que é a misericórdia? Eu pratico a misericórdia? O que é que eu tenho a aprender sobre a misericórdia? E como é que a misericórdia se pode expressar, na vida que eu tenho? Na humanidade que eu sou como é que ela se pode expressar?
Que a misericórdia seja a grande escola da paz, uma paz interior que começa no nosso coração, mas uma paz que sai para fora, uma paz que inunda a nossa vida, uma paz testemunhada na cidade, uma paz com uma dimensão política, uma dimensão económica, pedagógica, de relações. Que a misericórdia seja o nosso empenho neste ano de 2016. E, se assim for, que ano de esperança nós estamos a começar, que ano de alegria nós estamos a viver!
Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
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[/vc_toggle] height=”30″][/vc_tab][vc_tab title=”2015″ tab_id=”1451902890269-1-2″]
Dezembro
height=”10″][vc_toggle title=”2015/12/25 – Advento / Natal 2015″ open=”false”][dt_cell width=”1/2″]
Domingo I do Advento
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Domingo II do Advento
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Imaculada Conceição
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Domingo III do Advento
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Domingo IV do Advento
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Domingo I do Advento
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Domingo II do Advento
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Imaculada Conceição
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Domingo III do Advento
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Domingo IV do Advento
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Como João Taborda da Gama “saiu do armário” e entrou na Igreja
Foi já na Faculdade de Direito, onde procurou e não encontrou a infalibilidade das leis, que João Taborda da Gama começou a ler a Bíblia, uma versão em inglês que tinha lá em casa. E por aí começou o processo conversão deste especialista em Direito Fiscal que também é comentador e que em Novembro fez parte do Governo por três semanas. Um processo de conversão que que demorou alguns anos, que o levou a encontrar o seu lugar na Igreja Católica e que contou no último Conversas sobre Deus, que teve lugar esta semana na Capela do Rato, em Lisboa.
Nascido em 1977, filho do socialista Jaime Gama, ex-ministro e ex-presidente da Assembleia da República, e da professora Alda Taborda, João tinha em casa uma “atitude neutra” em relação a Deus. Filho único, criado no Lumiar, tem “poucas lembranças de reflectir sobre a existência de Deus na infância e adolescência”. Como contou na conversa com Maria João Avillez, não foi baptizado em bebé, mas os pais ainda “fizeram alguns esforços” e um deles foi inscrevê-lo na catequese, de onde foi expulso com um primo por apresentarem uma versão pouco canónica da Avé Maria.
“Não me apareceu Jesus Cristo de cachecol do Sporting, nem uma luz ou um trovão”, gracejou na noite de quarta-feira. Aos 21, 22 anos começou a ler a Bíblia. “Aquilo que li, sobretudo no Novo Testamento – as parábolas e os desafios de Jesus – começou a fazer cada vez mais sentido”, contou João Taborda da Gama. Depois, começou a sentir necessidade de aprofundar o conhecimento cultural e histórico, começou a interessar-se pela pessoa histórica e política de Jesus.
“Às tantas, esse processo interior começou a ser racionalizado” e teve uma pessoa – “há sempre uma pessoa nestas histórias” – que o ajudou no caminho que, rapidamente, percebeu que o levaria à Igreja. “Muito cedo, no meu processo de conversão, percebi que não seria só um processo interno da minha relação com Deus. A dúvida era: ‘eu não conheço a Igreja, será que a Igreja tem lugar para mim’”, recordou, definindo o seu percurso como “muito sereno”.
Renascença – para ler o artigo completo e ouvir a gravação clique aqui.
Mais informações aqui.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/13 – Chamamento à alegria” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
Em tempo do Advento, em pleno tempo do Advento, nós sentimos este chamamento à alegria. A alegria, que parece uma coisa fácil, parece um mandamento simples de cumprir. Contudo, a alegria é um mandamento exigente. Os judeus diziam mesmo que de todos os Dez Mandamentos aquele mais difícil de cumprir era o mandamento da alegria, que mandava guardar as festas.
A alegria não é simples. E não é simples porquê? Porque a alegria muitas vezes é fugaz, sentimos que há uma grande preparação mas depois a alegria não permanece. E isso acontece, por exemplo, com o Natal, um certo Natal. Prepara-se tanta coisa, tanto caminho, tanta compra, tanto desejo para o Natal e depois o Natal são aquelas escassas horas que depressa passam, e depois mergulham num contraciclo, numa melancolia, porque afinal tivemos tanta espectativa e depois o Natal não realizou, não se satisfez aqueles desejos mais fundos que estiveram no nosso coração. A alegria é, por isso, uma coisa fugaz.
Depois, muitas vezes a alegria não depende de nós, ou sentimos que não depende só de nós. Podemos querer a alegria mas as situações, às vezes, são marcadas pelo sofrimento ou temos de comungar o sofrimento dos outros e isso não é possível. Ou então pensamos na alegria como um estado de isenção, é porque não nos dói nada que estamos alegres, é porque não nos falta nada que estamos bem, é porque tudo corre conforme imaginamos que nós vivemos a alegria. Ora, isso nunca acontece, ou raramente acontece, porque nós não fazemos uma experiência da vida neutral, é sempre marcada por uma questão, por uma sombra, por uma notícia que chega, por uma contrariedade, por uma contradição e parece que a alegria não é possível.
Contudo, como diz S. Paulo na Carta aos Filipenses, o Senhor pede para celebrarmos a alegria: “Alegrai-vos, de novo vos digo: alegrai-vos.” Então, isto que parece ao mesmo tempo acessível e tão difícil é um mandamento que vem até nós. Porque é que nos havemos de alegrar? Qual é o grande motivo de alegria que nós temos? O grande motivo de alegria é aquele que o profeta Sofonias hoje nos diz, e que também nos é repetido pela boca de João Batista: o motivo da nossa alegria é porque Ele está no meio de nós. É porque Aquele que nasce é o Deus connosco, é Aquele que, de facto, habita já a nossa própria experiência, mesmo na sua fragilidade, mesmo no que ela tem de mais precário, provisório, opaco, exigente, contraditório. Deus está connosco, há uma aliança que o presente já celebra. Nós podemos tocar a presença de Deus.
Um grande teólogo cristão do século XX e um grande mártir da fé cristã, Dietrich Bonhoeffer, dizia isto: “Deus, como é que vem ao encontro do homem? Deus vem ao nosso encontro não apenas num “Tu”. Não é um “tu”, como encontramos na rua, como encontramos uns com os outros. Deus vem não apenas como um “tu” mas Deus vem como um “isto”.” Isto é, Deus vem como esta vida que nós temos para viver, no meio dela o Senhor está. O tempo do Advento é também o tempo de um reconhecimento de que Ele está connosco, de que Ele está presente, de que Ele já está no meio de nós. E essa é a razão profunda da nossa alegria.
Como fazer isso? Penso que com uma disponibilidade para acreditar, com uma capacidade de ver não apenas com os olhos mas também ver com o coração, com uma capacidade de esperar, de esperar e muitas vezes esperar contra todas as evidências, esperar contra toda a esperança como diz S. Paulo. Confiar Nele, descobrindo-O, tateando-O, presente na vida que nós vivemos. E isso faz-nos perceber o repto que também nos é dito pelas leituras de hoje: “Não vos preocupeis, não temais.”
Nós vivemos, muitas vezes, o tempo do Natal como uma sobreocupação: é uma quantidade de tarefas e andamos como formigas, atarefadíssimos a preparar isto, a preparar aquilo, preocupados com isto e com aquilo. E, no fundo, a grande palavra é não preocupar-se. A grande tarefa é, de facto, acolher, desenvolver essa arte de acolhimento no seu coração, essa capacidade de perceber que o dom é mais do que a preocupação, do que o tráfico mecânico que nos empurra para isto e para aquilo num consumismo que nos consome.
O Natal verdadeiro passa por conseguir aquela paz de que nos fala também S. Paulo na Carta aos Filipenses. Como ele diz numa fórmula tão bela: “E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.” O objetivo de um cristão no Natal é precisamente avizinhar-se desta paz. Mais do que todas as preocupações que prendem o nosso coração, que o cristalizam, que o capturam muitas vezes em corridas que não levam a nada. Perdermos o medo para podermos acolher esta paz que vem de Deus e que excede tudo aquilo que podemos desejar, aquilo que podemos querer.
O Natal é assim um tempo de acolhimento, um tempo para a hospitalidade de Deus, um tempo para recebermos a sua alegria. É um tempo interior o Natal, é um tempo espiritual. Por isso, mais importante que todo o resto é este caminho interior que cada um de nós faz, no reconhecimento de que Deus vem no “isto” que é a nossa vida, que é aquilo que vivemos, que é o presente do mundo, que é a hora atual da pequena história de cada um de nós e da grande história da vida.
Mas, ao mesmo tempo, o Natal também se reconhece na pergunta que por três vezes ouvimos hoje ser feita a João Batista: “Que devemos fazer?” Perguntaram as multidões, perguntaram os publicanos, perguntaram os soldados: “Que devemos fazer? Que devemos fazer?” O Natal também é um fazer, mas o que é que devemos fazer? Se calhar já estamos a fazer muitas coisas, já temos um programa de ação que faz o dia transbordar, não cabe no dia tudo o que temos para fazer. E, contudo, fica a pergunta: que devemos fazer?
Será que nós estamos a fazer a coisa certa? Será que nós estamos a fazer aquilo que Deus espera que façamos? Será que nós paramos para escutar o que Deus nos pede que façamos? Será que tudo aquilo que fazemos não é uma desculpa, não é um adiar da única coisa que Deus nos pede, neste Natal, que nós façamos? Que devemos fazer? É uma pergunta que também nos prepara, nos prepara para o Natal.
Queridos irmãs e irmãos, continuemos este caminho com ânimo. Hoje acendemos a terceira vela, vamos rezar na ação de graças a oração de S. José, a figura do presépio que nos acompanha neste domingo em comunidade. Vamos pedir para que, passo a passo, dia a dia, nós sejamos capazes de mergulhar mais profundamente no mistério de Deus. E, assim como somos, pobres, inacabados, mas também inquietos, dispersos, encontremos no Menino que nasce uma possibilidade de unidade interior, uma cura das nossas feridas, das nossas mazelas, uma confiança reaprendida, uma esperança que em nós fica a brilhar como a estrela do presépio.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo III do Advento
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/12 – Atelier RESPIRA, para pais e filhos” open=”false”]
RESPIRA é um conto ilustrado para pequenos e grandes. É a história de um menino que não consegue dormir, porque a sua cabeça não pára de pensar, e da sua mãe que decide ensiná-lo a respirar.
Ele pensa que já sabe respirar. Todos pensamos que sabemos respirar, porque para respirar não é preciso saber muito. Mas poucos paramos realmente para ver como respiramos.
Nascemos com uma inspiração, morremos quando expiramos pela última vez. No dia-a-dia continuamente inspiramos e expiramos, e nestes dois movimentos está a essência da própria vida: receber e dar. É o equilibro entre estes dois gestos que nos permite seguir em frente sem nos sentirmos sufocados ou desgastados.
Nas diferentes tradições religiosas Deus (ou o Transcendente) é comparado muitas vezes ao vento, à brisa, ao sopro que dá vida. Tomar consciência da respiração é também conectar com a Vida que respira em nós, com o Deus que nos dá vida.
A partir de exercícios muito simples e visuais poderemos ensinar os mais pequenos a respirar como uma onda do mar, como uma árvore que cresce, como o vento que sopra as nuvens, como um gato ou um pássaro, um sino ou um balão… Sem se darem conta, as crianças estarão repetindo exercícios do ioga, do Tai Chi ou do Chi Kung, realizando respirações abdominais ou visualizações conscientes.
Quando nos centramos por uns momentos na respiração deixamos de pensar no passado ou no futuro, no que nos assusta ou no que nos irrita. Estamos aqui e agora, em conexão profunda com a Vida. Controlamos as nossas emoções e serenamos o nosso corpo agitado. Aprendemos a ver as coisas que nos rodeiam tal como são.
Este tempo de Advento, de espera, pode ser uma boa ocasião para nos prepararmos interiormente para acolher o Mistério, para entrar devagarinho no silêncio e centrarmo-nos no essencial.
RESPIRA é o segundo livro da nova coleção infantil Pequena Fragmenta, que Inês Castel-Branco apresentará em Lisboa no sábado dia 12, às 18h, na Livraria Ferin, acompanhada pelos jornalistas António Marujo e João Miguel Tavares. (www.fragmenta.pt)[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/09 – Deus – conversas de Maria João Avillez com Henrique Monteiro” open=”false”]
Dá “muito trabalho” ao maçon Henrique Monteiro explicar que não é católico
Na Conversa sobre Deus desta semana, o jornalista e escritor Henrique Monteiro explicou porque é que não é católico, mas defendeu uma visão crente do mundo e as raízes cristãs da Europa.
Um dia, à mesa, em casa de Maria João Avillez, como se pedisse “passa-me o vinho” ou “dá-me o pão”, Henrique Monteiro disse “Eu pertenço à maçonaria”. A história foi contada pela anfitriã na sessão desta semana das Conversas sobre Deus, em que o jornalista e escritor se assumiu como crente, contou como foram “ínvios” os seus caminhos até Deus e mostrou um conhecimento vasto da Bíblia.
Numa hora de conversa interessante e, em muitos momentos, divertida, Henrique Monteiro começou por deixar bem claro que não é católico, pelo que “muitas coisas” lhe “passam ao lado”. Não sabia, por exemplo, que o Jubileu da Misericórdia tinha começado na véspera. Mas, acrescentou: “A maior parte das vezes dá tanto trabalho explicar porque não sou católico que digo que sou.”
Ali, na Capela do Rato, frente a católicos, considerou, contudo, que tinha a audiência certa para explicar porque é que não é católico. E não é porque há “coisas” da doutrina católica em que não consegue acreditar “no fundo do coração”. Coisas como a transubstanciação ou a virgindade de Maria.
Renascença – para ler o artigo completo e ouvir a gravação clique aqui.
Eu já falei aqui, penso que muitos conhecem, até já leram os diários e as cartas desta autora, Etty Hillesum. Etty Hillesum era uma rapariga judia, da burguesia de Amesterdão, que vivia uma vida um bocadinho dispersa. Tinha muitos talentos mas não sabia bem o que é que a vida havia de ser. Estudou Direito, depois abandonou Direito, gostava muito de literatura mas não sabia se era para ser professora, se queria ser escritora. Estava assim naqueles momentos da vida em que podemos ser tanta coisa e não sabemos bem qual é a nossa vocação.
Ela era judia de nascimento e de família, mas era também muito secularizada. A religião era uma tradição familiar, não era uma experiência vital para ela. E isto passava-se no período antes da Segunda Guerra. Quando começa a emergência do nazismo na Alemanha começam a chegar à Holanda muitos judeus fugidos da Alemanha e, entre eles, chegou um psiquiatra, discípulo de Jung, chamado Julius Spier. Era um homem com uma grande capacidade de perceber a linguagem simbólica, a linguagem da vida, um homem com um sentido religioso muito natural. Etty Hillesum conhece-o, primeiro como paciente, e depois mantêm uma relação amorosa. Este encontro vai mudar a vida de Etty Hillesum. Porquê? Porque, no fundo, ele vai, de certa forma, abrir a alma dela para a história que viria. Ela não sabia qual era o seu destino, qual era a sua vocação. Depois vai perceber que a sua vocação é dar a vida pelos outros. Depois oferece-se como enfermeira voluntária para o campo de concentração, e depois fica prisioneira e morre no campo de concentração. É uma história que nós podemos ver como uma história terrível, numa das horas mais negras do século XX, mas ao mesmo tempo é uma das histórias mais extraordinárias. Porque aquela mulher no campo de concentração, no meio da miséria, no meio da lama, rezava de madrugada na latrina do campo de concentração porque era o único lugar onde estava sozinha. Ela criava duas flores no meio do lixo porque ela precisava de beleza. Mas, no meio do tormento inimaginável que nós sabemos ser o de um campo de concentração, e isto é um escândalo, aquela mulher foi feliz. Etty Hillesum foi feliz, no meio daquela coisa medonha.
Ela no seu diário falando deste Julius Spier, deste primeiro encontro, usa uma expressão muito bonita, e foi por causa dessa expressão que me lembrei de falar dela hoje. Ela diz: “ Ele foi o parteiro da minha alma, o parteiro da minha alma, porque me preparou para um grande amor. O amor que eu vivi com ele preparou-me para um grande amor.”
Nós precisamos de parteiros para o nosso corpo, para nascermos, mas depois, ao longo da nossa vida, precisamos de parteiros para a nossa alma que nos ajudem a nascer. E muitas vezes nós somos instrumentos de Deus na vida uns dos outros, para sermos parteiros da vida uns dos outros.
Ainda ontem, por exemplo, fui ver o filme do Nanni Moretti “Minha mãe”. Um filme que eu recomendo muito e que, do meu ponto de vista, não é um filme sobre a morte da mãe mas é um filme sobre a transmissão da vida – como é que aquela mulher em fase terminal, numa cama do hospital, consegue transmitir vida à mistura com muitas lágrimas, com muito sofrimento, com muita dor. Ela transmitiu vida. Ela transformou a vida de cada um, transformou a vida da sua neta que passou a olhar para o latim de outra maneira, transformou a vida da sua filha, transformou a vida do filho. Aquela mulher na cama do hospital a morrer, a descobrir-se numa situação dramática, estava a ser a parteira da alma deles todos.
Não temos de imaginar uma situação ideal para pensarmos no nascimento e na transformação que acontece na nossa vida e na vida uns dos outros. Deus é o parteiro da nossa alma, Deus é o parteiro da nossa alma.
Hoje nós celebramos a Imaculada Conceição de Maria. O que é isso? É dizer isto: Deus preparou Maria para a história de amor e de dor, porque as histórias de amor são também histórias de dor, Deus preparou Maria para a sua história. Deus preparou-a para que ela pudesse ser mãe, para que ela pudesse ser mãe daquele Filho, para que ela pudesse entrar como protagonista no interior daquela história, uma história fascinante e exigentíssima como nós percebemos a olho nu olhando para o presépio.
Olhamos para o presépio e percebemos que aquela história não é uma história simples de viver, não é uma história simples de protagonizar. Como as nossas histórias não são simples de viver. O que nos é dado para viver não é simples, não é evidente. Mas Deus é parteiro da nossa alma, Deus prepara-nos, Deus prepara-nos para podermos viver o que nos é dado viver, e que muitas vezes nós não escolhemos, mas vem a o nosso encontro, é-nos anunciado.
Muitas vezes é-nos anunciado por um Anjo, outras vezes é-nos anunciado por um médico, outras vezes é-nos anunciado pelo nosso chefe, outras vezes é-nos anunciado por um irmão, por um amigo, outras vezes é anunciado por alguém de quem não gostamos, mas é-nos anunciado, é-nos anunciado. E nesse anúncio percebemos que alguma coisa na nossa vida se transforma. Mas é importante nós sentirmos, e é o motivo desta festa, sentirmos que Deus está-nos a preparar, está a preparar a nossa alma para tornar possível.
É muito belo o diálogo de Maria com o Anjo. Porque, no diálogo dela, nós temos as três etapas de todos os processos de nascimento da alma ao longo da nossa vida.
A primeira etapa é a etapa da surpresa, da surpresa. E uma surpresa que não é só surpresa é mixed feelings, tantos sentimentos ali: é surpresa, e é medo, e é desconcerto. Mas o que é isto? Um espanto. Mas, comigo? Mas, não houve engano? Mas, não se enganaram? É essa a primeira reação. Maria ficou perturbada com as palavras, mas a palavra do Anjo é a palavra que é dita a cada um: “O Senhor está contigo, o Senhor está contigo.” Podemos ficar perturbados, assustados, desconcertados mas é importante sabermos isso: naquele momento o Senhor está contigo, o Senhor está contigo.
O segundo momento é o momento da dúvida radical. Maria diz: “Mas como é que isso pode ser? Como é que isso é possível? Eu não vejo, eu não vejo como possa prosseguir.” Quando o Anjo lhe diz: “Não, a tua história vai prosseguir. Tu vais ser mãe, vais crescer, vais dar à luz, vais conceber, vais maturar.” Ela diz: “Eu não vejo como isso seja possível.” Porque entre aquilo que somos chamados e o conhecimento das nossas possibilidades e das nossas forças há um intervalo, há uma distância. E o que sentimos é a nossa fragilidade, a nossa incapacidade de corresponder. Porque o que nos é pedido é sempre um salto.
Por isso, a terceira palavra é: Maria ficou desconcertada, ficou assustada, Maria deitou contas à vida e disse: “Isso não vai dar. Isto não vai dar certo porque eu não sou capaz, e não estou a ver como é que isso aconteça.” E depois Maria confia, Maria abandona-se, Maria diz: “Faça-se em mim segundo a tua palavra.”
Este abandono confiado de quem, perante a vontade de Deus e perante os mistérios que Deus revela na nossa vida, se entrega, avança, diz que sim, confia. Mesmo não tendo a evidência, mesmo contando com a sua fragilidade, a sua vulnerabilidade, Maria confia.
E diz uma coisa muito importante, Maria diz: “Faça-se em mim, faça-se em mim.” Quando dizemos: “Deus é o parteiro da minha alma”, não é uma coisa que está acontecer através de nós, é uma mudança em nós, é uma vida em nós, somos nós que estamos em jogo, é alguma coisa que vai acontecer em mim. “Faça-se em mim segundo a tua palavra.” Então não é uma coisa que passa por nós, é uma coisa em nós, em nós.
Quando celebramos a Imaculada Conceição, podemos encarar esta festa de muitas maneiras: falar dos privilégios de Maria, falar da isenção de Maria. Eu penso que o mais importante é perceber que Deus prepara Maria, Deus prepara-a para a sua história singular como Deus nos prepara para as nossas histórias singulares, porque Ele é, de facto, o parteiro das nossas almas, Ele assiste ao nosso nascimento.
O importante é cada um de nós poder percorrer estas várias etapas, que são as etapas do nosso percurso, da nossa trajetória de fé, da biografia da nossa fé. Percorrermos estas três etapas e, no final, colocarmo-nos com a atitude de Maria. Porque é a atitude desta mulher que não sabe como mas confia, mas que acredita que aquilo que aos nossos olhos, tantas vezes e de muitos modos, nos parece impossível a Deus é possível, a Deus é possível. E, no fundo, é esta confiança naquilo que só em Deus é possível, só em Deus é possível.
Nós, nas duas leituras anteriores, tivemos o livro do Génesis, que é a construção de um embaraço, de um obstáculo, de uma falta original, e depois temos a leitura da Carta de S. Paulo aos Efésios que é dizer: “Não, nunca nos faltou a bênção de Deus, a santidade é uma chuva que nos inunda, que nos molha, Deus está sempre, desde o princípio, vede com que admirável amor o Pai do céu nos abençoou com todas as bênçãos espirituais.”
Quer dizer: nunca nada nos faltou, Ele esteve sempre connosco. Nós só compreendemos isto por debaixo da pele, por debaixo, às vezes, de muitas dúvidas, por debaixo de muito estremecimento, por debaixo de muito questionamento. Mas é importante sabermos isso, que Ele esteve sempre connosco, que nós somos seus filhos e que nós somos seus herdeiros. E que muitas vezes no limite, na dificuldade, no questionamento radical Deus transmitiu-nos alguma coisa.
Como aquela mãe do filme do Nanni Moretti, na cama do hospital ela transmitiu tanta vida àqueles filhos porque cada um pode recomeçar, reconstruir a sua história em relação com aquilo que estava a acontecer, em relação consigo mesmos, fazendo um balanço novo da sua própria história. Deus é o parteiro da nossa alma. O tempo do Advento é um tempo que fala disto, de gravidez, de espera e de parto. É por isso, perante o nascimento, perante o nosso nascimento que nós estamos colocados.
Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade da Imaculada Conceição
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/08 – Leitura comentada da 1ª Carta de João” open=”false”]
Na abertura do Ano Santo da Misericórdia, Luís Miguel Cintra lê a 1ª Carta de João, a que se seguirá um comentário sobre a mesma com o ator e o Pe. José Tolentino Mendonça. Será no dia 8 de dezembro, às 21h30, na Capela do Rato.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/06 – Preparai, aplanai, endireitai” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
É muito forte este oráculo de Isaías, que nos apresenta uma imagem topográfica, geográfica. É como se fosse um movimento das terras. É como se fosse um aplanar, retirar altura aos montes, aplanar o próprio vale. Isto é: mover a terra da forma como nós a conhecemos para que toda a carne possa ver a Salvação de Deus.
Por trás do oráculo há esta convicção de que a Salvação de Deus se pode ver, que todos a podem ver. E que, no fundo, a nossa própria topografia, os montes que fazemos, os vales, os abismos, as colinas muitas vezes são obstáculos para que a Salvação de Deus se possa ver, se possa provar, se possa experimentar. E então este imperativo profético: “Preparai, aplanai, endireitai.” Este imperativo é em nome dessa convicção adventícia de que é possível ver a Salvação de Deus, de que é possível.
Mas isso passa por um refazer, um reconfigurar da nossa vida, da vida que nós diariamente construímos. Há uma reconfiguração que o Natal nos pede. Isto é: a vida de cada um de nós é também chamada a reconfigurar-se, a ganhar uma nova forma. Sermos um novo território com aquilo que já somos, com aquilo que caminhamos, com aquilo que possuímos mas darmos uma volta, constituirmos uma alternativa – é o desafio que o Advento nos deixa.
O Advento não é para confirmar, é para alavancar, para reconfigurar, para transformar a nossa vida. É muito significativo o modo como o narrador de S. Lucas dá um salto. Começa por aquele endereço histórico no tempo de Tibério, no tempo de Pilatos, no tempo de Herodes, no tempo de Filipe, no tempo de Lisânias, apareceu João Batista no deserto. Isto é: no tempo dos reis, no tempo do mundo formatado com a autoridade de todos os tempos, Deus aparece como um anúncio que é feito no deserto. Isto é: como uma alternativa, como num lugar outro, num ponto de fuga em relação à nossa vida.
Também naquilo que vivemos há um deserto. Isto é: há uma outra possibilidade, há um outro lugar a partir do qual podemos reconstruir a nossa vida. É muito belo que as leituras de hoje falam todas disso mas partindo de duas experiências diferentes.
O Advento pode-se viver como um regresso, como um regresso. É isso que nos fala o profeta Baruc. Israel está no exílio e Israel vai ser trazido para a terra. Então, nós, em cada Natal, somos arrancados dos nossos exílios e somos feitos retornar, somos feitos voltar ao centro. Nós todos sabemos o que é a experiência do exílio, todos conhecemos porque todos vivemos no concreto, na vida, uma situação de exílio existencial, de exílio interior.
Há aquele poema de Sophia de Mello Breyner Andersen:
“Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade
medindo o equilíbrio dos meus passos.
Mas as coisas têm máscaras e véus com que me enganam,
e, quando eu um momento detida me esqueço, a força
perversa das coisas ata-me os braços e atira-me,
prisioneira de ninguém mas só de laços, para o vazio
horror das voltas do caminho.”
Todos nós sabemos o que é estar prisioneiro de ninguém. Prisioneiro de ideias, prisioneiro de fantasmagorias, prisioneiros de coisas não cumpridas, prisioneiros não da verdade mas só de laços no vazio horror das voltas do caminho.
Pois o Senhor faz-nos voltar e este é também um tempo para sermos resgatados do exílio e sentirmos que Aquele que vem, Aquele que nasce na manjedoura, este Deus feito homem resgata a nossa vida dos seus exílios, das suas prisões, traz-nos colo com a alegria, com a consolação. Porque a palavra que Baruc diz a Jerusalém é: “Levanta-te, levanta-te dos teus escombros, das tuas ruínas, olha, vê a glória de Deus.” Então, de facto, um modelo é sentirmos que temos de voltar. E se calhar cada um de nós no seu coração sente: “Não, eu tenho de voltar, eu tenho de reavivar a chama, eu tenho de voltar a ser, eu tenho de voltar a sentir, tenho de voltar a dizer «sim» com mais convicção.” Então é como que um acordar, como que um regressar a casa, o próprio Natal. Não a casa de uma infância idealizada, mas a casa que é o coração de Deus. Temos de voltar.
Mas há um outro paradigma que é dado pela carta aos Filipenses. A comunidade de Filipos é um caso interessante na história de S. Paulo, porque se calhar é aquela comunidade à qual Paulo ficou afetivamente mais ligado. Há ali uma história de amizade muito bonita. Os Filipenses ajudaram imenso Paulo de todos os pontos de vista. Paulo estava preso e os Filipenses fizeram tudo para lhe garantir o sustento, a proteção. Há ali uma bela amizade que se vê explicitada quando Paulo agradece aos Filipenses na carta que lhes escreve.
Mas Paulo diz uma coisa: “A fé que eu semeei em vós e que já mostraste provas tão importantes, ela ainda é uma semente. Então é preciso crescer, é preciso continuar a crescer. Por isso, peço que a vossa caridade cresça cada vez mais em ciência, em discernimento para que vos torneis dignos do dia de Cristo.”
Então, se calhar, além da imagem do regresso há também esta imagem do crescimento, há uma semente no coração de cada um de nós. A nossa relação com Deus, o nosso desejo de Deus, o sim que já dissemos a Jesus é uma semente, mas este é o tempo para crescer, este é o tempo para sentir: “Eu posso fazer mais, eu posso comprometer-me mais, eu posso conhecer melhor, eu posso crescer em ciência, em discernimento, em oração.” Este é o tempo do grande apelo a uma maturação da fé, porque Deus faz-se pequenino para que cada um de nós possa crescer e possa verdadeiramente acolhê-lo.
Mas estas duas imagens são imagens para aqueles que já estão dentro, para aqueles que já foram tocados pelo mistério da fé. Quer os que regressam dos seus exílios, quer aqueles que são chamados a desenvolver aquilo que já lhes foi dado. Já estão dentro, já foram tocados, já conhecem a Salvação de Deus, têm é de despertar, têm é de fazer mais, mas já estão dentro.
Mas há um outro modelo que o Advento não deixa de fora: são aqueles que ainda não foram tocados pelo mistério da fé e que guardam no seu coração a fome de Deus. É importante rezar por aquilo que Deus pode fazer no coração de cada homem, no seu mistério, acreditando nesta palavra que vem no oráculo do profeta Isaías e que se torna uma chave no Evangelho de S. Lucas: “Toda a carne verá a Salvação de Deus.”
Esta universalidade da Salvação é alguma coisa pela qual nós somos responsáveis, pela qual nós temos de rezar. Temos de sentir no nosso coração o desejo muito grande de que Deus possa, do modo como Ele quer, da maneira que só Ele sabe, da forma como só Ele pode, possa iluminar cada coração, cada vida. E rezar pelo mistério da fé que existe em nós e existe nos outros de forma sempre diferente, de forma sempre única, para que Deus possa, como diz S. Paulo: “Ser tudo em todos.”
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo II do Advento
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/12/06 – Poesia em tempo de Advento” open=”false”]O poeta João Moita fará uma leitura de poemas do seu último livro «Fome», na Capela do Rato, dia 6 de dezembro, domingo, às 10h30. João Moita nasceu em Alpiarça em 1984. Publicou O vento soprado como sangue (Cosmorama, 2009), Miasmas (Cosmorama, 2010) e Fome (Enfermaria 6, 2015). Traduziu uma antologia do poeta espanhol Antonio Gamoneda, Oração Fria (Assírio & Alvim, 2013).
“Deus está antes do dom” e o de Carminho é “abrir portas”
Nas “Conversas sobre Deus”, moderadas por Maria João Avillez, a fadista Carminho falou do seu dom, explicou que a sua vocação não é cantar e confessou que quis ser carmelita.
“Nasce-se artista”, garantiu Carminho numa conversa numa noite fria em que a Capela do Rato se encheu para ouvir a fadista, não a cantar, mas a percorrer as suas memórias de infância e juventude e a mergulhar na sua fé.
Depois de batalhar com o microfone, Carminho foi respondendo às perguntas que a jornalista Maria João Avillez lhe colocou. Sobre a “luz da sua voz”, a fadista falou de um “dom” e explicou que tinha uma “bênção” de ter descoberto a sua vocação. Mas desenganem-se os que pensam que essa vocação é o fado. Carminho afirma que “a vocação não é cantar” e explicou que a sua vocação está na forma como, através do canto, chega aos outros e conclui: “A minha vocação é abrir portas”.
Questionada sobre se estava a falar de Deus, Carminho disse que sim porque “Deus está antes do dom, o dom foi dado por Ele”. Esta pré-existência manifesta-se através de “pistas” e é preciso “cruzar informação”. A fadista diz não acreditar em coincidências e sublinha que é preciso ler a Palavra de Deus.
Das memórias de juventude, Carminho recordou uma viagem que a levou por paragens tão distantes como a Índia, Timor ou Brasil. Da passagem por Calcutá lembrou que “quis ser carmelita” e riu-se ao concluir que “iria infernizar o Carmelo”. Foi na Índia que se encontrou consigo própria, foi essa a grande revelação dessa viagem que deixou sementes das quais disse ainda hoje estar “a colher frutos”.
Renascença – para ler o artigo completo e ouvir a conferência clique aqui.
Carminho: Deus é como uma «montanha russa»
Deus é como uma «montanha russa» que desinstala e desafia a ir mais longe, afirmou a cantora e compositora de fado Carminho, no ciclo de conversas sobre Deus organizado pela comunidade da capela do Rato, em Lisboa.
Entrevistada esta quarta-feira pela jornalista Maria João Avillez, em diálogo de que reproduzimos alguns excertos no vídeo publicado logo após este texto, a fadista reconhece que é uma «grande bênção» ter descoberto a «vocação».
Carminho entende que essa «vocação» vai para além do canto, embora a ele recorra, tendo como propósito final dar paz e alegria ao próximo, que tanto pode ser um menino de rua como o público que assiste aos seus espectáculos.
A volta ao mundo, e em particular o voluntariado que prestou na cidade indiana de Calcutá, com as Missionárias da Caridade, foi um dos principais temas da conversa.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura – ler o artigo completo aqui.
Novembro
height=”10″][vc_toggle title=”2015/11/29 – Uma porta que se abre” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
O Santo Padre está, como sabemos, a realizar uma visita apostólica ao Continente Africano, visitando três países : começou pelo Quénia, passou pelo Uganda e agora chegou à República Centro-Africana. Um pequeno país, com cerca de cinco milhões de habitantes, mas completamente devorado pela violência e, em grande medida, uma violência e uma perseguição de natureza religiosa. O Santo Padre recebeu múltiplos avisos e sinais para não se deslocar àquele país, dizem que é a visita mais perigosa de sempre de um Papa, mas ele arriscou e, esta manhã, chegou já à República Centro-Africana.
Estamos a falar dessa visita porque o Santo Padre decidiu antecipar o gesto de abertura do Ano Santo numa semana. Pela primeira vez, a Porta Santa, a primeira Porta Santa a ser aberta, não será como é tradicional, a porta da Basílica de S. Pedro, mas será a porta da Catedral de Bangui, capital da República Centro-Africana. De maneira que, de certa forma, com esta antecipação é também o Ano Santo que começa. Começa, não no centro da cristandade, não no centro simbólico, mas numa periferia. E numa periferia cheia de complexidade, ferida pelo maior sofrimento. Ali há uma porta que se abre.
E nós, cristãs e cristãos, começamos a viver este Advento sob o signo do Ano Santo, sabendo que no coração deste Advento começa o Ano Santo, o Ano da Misericórdia. É-nos oferecido precisamente este símbolo: o símbolo de uma porta, de uma porta que se abre. É importante, cada um de nós sentir que esta porta que se abre na Catedral de Bangui, na Basílica de S. Pedro, que se vai abrir na Sé Patriarcal de Lisboa, esta porta antes de tudo tem de se abrir no coração de cada um de nós. É na nossa vida, é no fundo da nossa alma, é no concreto escaldante da realidade que somos e vivemos que uma porta se tem de abrir.
Temos de abrir uma porta onde possivelmente está um muro, temos de abrir uma porta onde possivelmente tudo está barricado, temos de abrir uma porta onde está o silêncio, onde está o vazio, onde está a solidão. Temos de abrir aí uma porta.
O tempo do Advento deste ano é por isso um grande desafio a cada um de nós a abrir uma porta para Aquele que vem, para Aquele que bate à nossa porta, segundo a belíssima imagem do Livro do Apocalipse: “Eis que Eu estou à porta e bato, se alguém me abrir Eu entrarei, cearei com ele e ele comigo.”
É fundamental, queridos irmãs e irmãos, que cada um de nós sinta isso, que Jesus está à nossa porta e bate, que este é o tempo da nossa libertação, que esta é a oportunidade concedida à nossa vida, que o tempo do Advento que nos prepara para o Natal é uma espécie de alavanca da nossa humanidade. Deus vem ao nosso encontro para que nós possamos ir ao encontro de Deus.
Deus humaniza-se para que a nossa vida se divinize um pouco mais. Para que cada um de nós receba, na sua carne humana, nesta vida de argila, de barro, de sangue, de sonhos, de lágrimas, para que cada um de nós receba com mais intensidade o sopro do Espírito. Esse Espírito que vem de Deus e vem do Filho que está junto do Pai, esse Espírito que em nós testemunha que Jesus está vivo, que Ele caminha connosco, esse Espírito que em nós nos prepara para o grande encontro com Cristo. Este tempo do Advento, sendo uma oportunidade, é por isso um tempo muito espiritual.
Nós, atravessando as ruas da cidade, entrando num centro comercial, já encontramos o Natal feito. E, sem dúvida, sentimos mixed feelings, sentimo-nos divididos. Por um lado, ainda bem que a cidade dos homens e que o comércio dá atenção a estas coisas e perpetua os símbolos cristãos. Mas, por outro lado, aquilo é tão pouco se não for acompanhado por um caminho de humanidade, de consciência, de um abrir de portas, de um abrir de portas mais profundo que a simples reativação ou intensificação do comércio.
O tempo do Advento é, por isso, para nós, uma responsabilidade. É um tempo de profundidade, um tempo de intimidade com Deus, um tempo para crescermos interiormente, um tempo para acender uma luz, e também ficar a olhar e preparar o nosso coração para Aquele que vem. Um tempo de esvaziamento, não um tempo para encher de todo o ruído simbólico. É um tempo de disponibilidade para acolher o Deus que vem.
Pensando nesta porta que cada um de nós é chamado a abrir, eu diria que temos de encontrar uma porta em três níveis da nossa vida.
Primeiro: encontrar uma porta na nossa relação com Deus, abrirmos a porta. Às vezes Deus está perto, mas está do outro lado da porta. Tem de haver uma porta que se abre na nossa espiritualidade, e abre-se porque nós sentimos aquilo que hoje o Evangelho nos diz: sentimos a promessa de Deus como uma promessa que nos é feita.
É muito belo porque, desde o profeta Jeremias até ao Evangelho de S. Lucas, todos falam no futuro, todos fazem uma promessa: “O Senhor vem ao teu encontro, levanta os teus olhos, levanta a tua cabeça porque o tempo está próximo, porque o Senhor vem ao teu encontro.” Quer dizer, há uma promessa de vida feita a cada um de nós.
A nossa vida não está capturada pela fatalidade. Eu não posso dizer: ”Bem, agora já não vai acontecer nada de novo, agora estou perdido, agora já sei como é, agora isto já perdeu toda a graça, agora já perdeu todo o mistério.” Não, a nossa vida é sempre cheia de graça, a nossa vida é sempre visitada pelo mistério. Nós somos visitados por anjos como Maria foi visitada, nós somos seres visitados pela promessa incondicional do amor de Deus na nossa vida.
Por isso, o tempo do Advento é também um tempo para nos sentirmos visitados, prometidos, prometidos à alegria, prometidos ao encontro, prometidos à plenitude e não simplesmente prisioneiros de uma vida rasa, de uma vida medíocre, de uma vida afundada nas suas complicações que já não vai levantar voo nunca. Não, nós vamos levantar voo, nós vamos levantar voo. E vamos levantar voo precisamente na medida em que abrirmos a nossa porta a este encontro com Deus.
Por isso o imperativo de Jesus: “Vigiai e orai.” Este tempo do Advento seja para cada um de nós um tempo para vigiar. Vigiar é um tempo para a atenção, para olhar verdadeiramente porque Deus passa pela nossa vida todos os dias, de tantas formas. O problema é que nós ao fim do dia, ou a meio do dia, não perguntamos mais vezes: como é que Deus hoje passou pela minha vida? Através de que pessoas? Através de que acontecimentos? Através de que pensamentos? Deus passou de forma muito concreta, muito viva, pela minha vida.
Nós temos de fazer esta pergunta porque Ele passa, Ele passa continuamente pela nossa vida e quando passa não nos deixa iguais, transforma-nos se nós abrirmos a porta.
Portanto, dedicarmos a Deus uma atenção, uma vigilância espiritual, termos o nosso coração iluminado, deixarmos uma luz acesa dentro do nosso coração ao Deus que vem.
E depois, a oração. Este é um tempo para multiplicarmos a oração, a oração em família. Por exemplo, juntamente com as crianças, junto do presépio, em cada noite, poder fazer um caminho até Jesus. E cada um de nós, mesmo vivendo sozinho, encontrar com a ajuda dos símbolos uma forma de fazer um caminho na oração, em que rezamos com as palavras tradicionais, com palavras novas, com gestos. Com símbolos encontrarmos uma forma de fazermos um caminho juntos, crescendo na oração.
Nós também aqui, em comunidade como é habitual, com a ajuda do artista plástico Rui Aleixo, vamos fazendo esses caminho em cada domingo do Advento: temos uma imagem e temos uma oração para rezarmos aqui e rezarmos ao longo da semana. Este caminho é um caminho em, que dia a dia, nós construímos o presépio, construímos o lugar para Ele vir, abrimos a porta do nosso coração. Mas sobretudo através da oração, que é aquele momento que nos dá a consciência de que estamos diante de Deus. Eu mulher, eu homem, eu criança, eu doente, eu sénior, eu com saúde, eu ativo, eu na reforma, eu estou diante de Deus. Diante de Deus com a minha pobreza, a minha esperança, eu estou diante Dele. Por isso abro as minhas mãos, abro o meu coração, abro a porta da minha vida.
Depois, uma porta importante para abrir é a porta connosco mesmos, a porta com a nossa vida. Sentirmos que a palavra que Jesus diz, “Levantai-vos, erguei a nossa cabeça”, é uma palavra para nós que muitas vezes ficamos a olhar para os nossos sapatos, quando não a olhar para o nosso umbigo, em vez de abrirmos a porta, em vez de abrirmos uma janela, em vez de olharmos mais longe. Este é o tempo para levantarmos a cabeça.
Isto é, para sentirmos que a esperança é maior, que o chamamento de Deus é maior, que a força de Deus é maior. E se estendermos a nossa mão frágil, se pusermos a nossa mão frágil do outro lado da porta a mão de Deus virá ao nosso encontro.
Sentirmos isso na vida de cada um de nós, e sentirmo-nos chamados ao acolhimento, sentirmo-nos protagonistas desta história. Nós não somos espetadores da Salvação, nós somos artesãos, criadores, artífices, coprotagonistas da Salvação. A Salvação escreve-se com as nossas vidas, com os nossos nomes, com o nosso temperamento, com as oportunidades que cada um de nós tem, e sabe quais são. A Salvação escreve-se aí.
Por isso, este tempo é um tempo também de agitação, é um tempo também para fazer alguma coisa, é um tempo também para sacudir rotinas, é um tempo também para cada um de nós fazer um pouco mais do que aquilo que faz, sabendo o essencial, não perdendo de vista o essencial, que é sempre a verdade mais profunda, que é sempre a autenticidade, que é sempre o abraço que nós sentimos que Deus nos dá e que nós somos chamados a dar aos outros. Porque a terceira porta que nós temos de abrir é esta porta para os outros. Sentindo que a nossa vida é não só uma obra dos outros, mas nós somos dom para os outros.
Nós estamos aqui, queridos irmãs e irmãos, à volta da Eucaristia. A Eucaristia é uma forma sacramental de dizer isto: “A vida é dom.” Nós servimos de alimento aos outros, nós somos o pão que os outros comem, nós somos o vinho da festa que os outros bebem, nós somos a palavra que segura a vida dos outros e é como um fio de luz na noite escura da vida. Nós somos isso uns para os outros e é quando a nossa vida é pão partido, que se distribui e se reparte, que a nossa vida se torna expressão da vida de Jesus, que a nossa vida também se torna Eucaristia.
Queridos irmãos, nós não estamos aqui em Eucaristia, não estamos a começar este tempo belíssimo do Advento para sermos pão que fica no saco e endurece de um dia para o outro, nós estamos aqui para ser dádiva, para aprender de Jesus o que é tornar a nossa vida dom.
O tempo do Natal, tradicionalmente, é um tempo de presentes, é um tempo de pensar nos outros. É muito importante pensar na forma dos presentes e naquilo que os presentes significam, dando, de facto, um sentido. Porque é tão fácil entrar na corrida, é tão fácil entrar no movimento cego, no tráfico sonâmbulo que o comércio nos impõe. O que quer que se venha a fazer, o que quer que cada um sinta no seu coração, qualquer que seja o modo de cada um exprimir o seu afeto, o seu dom, é importante que seja profundo, que seja autêntico, que seja iluminado por Jesus – que seja um abrir de porta, porque às vezes os presentes funcionam como fechar a porta: “Olha, toma lá e não me chateies. Toma lá, e já está. Toma lá e já cumpri a minha obrigação anual.” ou então “Toma lá e dá cá.” Abrir realmente uma porta, escancarar esta porta da misericórdia, neste Ano Santo.
Não podemos esquecer isso: este Advento tem de ser marcado pela palavra misericórdia, por aquilo que a misericórdia significa. Porque Jesus nasceu porque Deus teve misericórdia de nós e deu-nos o que Ele tinha de mais precioso: o Seu próprio Filho. Este Natal cada um é chamado a abrir uma porta santa na sua vida mas fazendo misericórdia, oferecendo misericórdia. Fazendo da misericórdia a nossa arte, a nossa ciência, a nossa sabedoria.
Pe. José Tolentino Mendonça, I Domingo do Advento
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/26 – Percurso de Preparação para o Crisma” open=”false”]
Mais informações aqui.
[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/25 – Deus – conversas de Maria João Avillez com Pedro Mexia” open=”false”]
“A Bíblia está cheia de instruções que não compreendemos”
A “Conversa sobre Deus” desta semana passou por vários poemas, filmes, livros, citações de vários autores, com predominância para Kierkegaard e T.S. Elliot. E por muitas referências ao Livro de Job, um livro sapiencial do Antigo Testamento que conta a história de um homem que mantém a fé em Deus, apesar de todas as duras provas a que é sujeito. Com este livro, o cronista e poeta Pedro Mexia aprendeu que Deus não dá as respostas a todas as perguntas.
“Nós esperamos respostas de Deus, mas há muitos livros que não são satisfatórios no sentido imediato de quem procura um Manual de instruções”, disse Pedro Mexia na conversa com Maria João Avillez, esta quarta-feira, na Capela do Rato, em Lisboa. E acrescentou: “A Bíblia está cheia de instruções que não compreendemos.”
Mas essa dimensão de incompreendido, de mistério é central na vivência cristã do ensaísta, para quem o cristianismo “é uma relação com o transcendente e não apenas um conjunto de regras, de crenças, de códigos éticos”.
“O cristianismo a que se retira a dimensão metafisica é um edifício respeitável, mas não passa de uma espécie de ONG”, disse Mexia, depois de explicar que “entre os homens de boa vontade” há a tendência para olhar para os crentes e pensar ou dizer “isto são tudo umas ‘patranhas’, mas, se estas pessoas são melhores por causa disto, ainda bem”. Essa não é contudo a sua visão. “Isso pode ser fonte possível de diálogo entre crentes e não crentes, mas não me diz muito”, afirmou o convidado desta semana, que, à semelhança de Fernando Santos, na semana passada, gosta de citar São Paulo e a máxima: “Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé.”
Pedro Mexia reconheceu que o seu catolicismo é, em parte, fruto de um “percurso familiar”, mas não só, pois muita gente que conhece e que fez o mesmo percurso não tem hoje fé e saiu da Igreja. “Há uma certa transmissão de valores e de hábitos, nos quais, no meu caso, o catolicismo fazia parte, mas há um momento em que tem de se ficar em pé na bicicleta, sem as rodinhas da transmissão familiar”, disse. Ou seja, há um momento de decisão pessoal, acredita este cronista, que diz ter “uma espécie de pudor religioso” e prefere “viver a fé como um assunto íntimo”.
Renascença – para ler o artigo completo e ouvir a conferência clique aqui.
Fernando Santos: «Ser católico é uma exigência muito forte»
«Sempre falei com Deus ao longo da minha vida», confessou esta quarta-feira o selecionador nacional de futebol, Fernando Santos, para quem «ser católico é uma exigência muito forte».
Antes de ser dado o apito inicial para a conversa com a jornalista Maria João Avillez, no âmbito do ciclo de encontros sobre Deus organizados pela comunidade da Capela do Rato, em Lisboa, já os repórteres o esperavam na zona mista para obter uma reação à crítica que o Futebol Clube do Porto lhe lançou devido à utilização de jogadores no jogo particular com o Luxemburgo, disputado na terça-feira.
«Não vou falar sobre essas questões, hoje vou falar sobre questões de fé, que é muito mais interessante», respondeu. Foi assim, como um aquecimento, que começou o testemunho de Fernando Santos, de que apresentamos alguns excertos, no vídeo abaixo publicado.
Rezar é a primeira coisa que faz quando acorda, e pouco depois segue-se a leitura dos trechos bíblicos proclamados na missa do dia, em que procura participar, quer esteja em Portugal ou no estrangeiro. Um compromisso que suscita curiosidade, pois não é todos os dias que se está ao lado, na Eucaristia, do selecionador nacional.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura – ler artigo completo aqui.
Fernando Santos. Uma fé alimentada na Eucaristia
É junto ao sacrário que mais gosta de rezar, é na Eucaristia que alimenta a sua fé, é em S. Paulo que encontra as palavras para dar testemunho – é assim a fé testemunhada por Fernando Santos, seleccionador nacional de futebol, em mais uma sessão das Conversas sobre Deus, iniciativa que decorre semanalmente na Capela do Rato, em Lisboa, moderada por Maria João Avillez.
A conversa começou com a jornalista a contar que, há uns anos, numa missa semanal em Cascais, se cruzou com Fernando Santos. “Pensei ‘Que estranho!’ Percebi que só podia ser sinal de uma relação não rotineira com Deus”, contou Maria João Avillez. “Percebi que preciso alimentar a fé. Percebi que podia alimentar a fé na Eucaristia”, disse Fernando Santos, contando que, desde 1994, a primeira coisa que faz é rezar e ler as leituras da missa do dia.
Para o seleccionador nacional, ser católico é “uma exigência muito forte”, é “acreditar em Cristo vivo que ressuscitou” e dar testemunho disso é como que uma militância: “Não podemos deixar de dar testemunho independentemente da profissão que tenhamos.”
Fernando Santos contou que nasceu numa família cristã, mas que não tinha prática religiosa. Andou na catequese, foi crismado, mas depois foi-se afastando. “Sabia que havia Deus, não mais do que isso”, recordou. Mas nunca deixou de rezar ao Anjo da Guarda.
Renascença – para ler o artigo completo e ouvir a conferência clique aqui.
Publicações: 50 anos depois do «Pacto da Catacumbas», Papa Francisco trouxe «novo impacto na vida da Igreja»
O cardeal-patriarca de Lisboa afirmou que recordar «O Pacto das Catacumbas» é dar “um novo realce e novo impacto na vida da Igreja”, 50 anos depois deste compromisso.
“O pacto com o radicalismo evangélico em torno da pobreza que teve e nos deixou é, mais uma vez, um daqueles estímulos que quase ciclicamente é dado à Igreja toda para voltarmos ao princípio que nos define como cristãos”, explicou à Agência ECCLESIA D. Manuel Clemente, que apresentou a obra esta segunda-feira, na Capela do Rato.
O livro ‘O Pacto das Catacumbas’, de Xabier Pikaza e José Antunes da Silva, recorda os 40 bispos que se reuniram nas criptas de Santa Domitila, Roma, a poucos dias do final do Concílio Vaticano II, em novembro de 1965.
O cardeal-patriarca de Lisboa disse que este compromisso que os bispos firmaram, de «viver um estilo de vida simples e a exercer o seu ministério pastoral de acordo com critérios evangélicos», é ainda “um bom sinal do Concílio Vaticano II”.
“Muito inserido numa certa linhagem correspondendo ao apelo do Papa João XXIII. Os pobres sociologicamente falando e a pobreza em sentido mais englobante ganharam uma grande prevalência e mesmo na tradição católica deixaram de estar tão ligados ao trabalho de algumas congregações religiosas”, recordou D. Manuel Clemente.
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa sustentou que a “encarnação” deste pacto hoje é o Papa Francisco.
“Creio que para mim, como para todos os meus colegas do episcopado, é uma figura muito estimulante e desafiante para esse radicalismo evangélico. Creio que a melhor figuração do pacto, 50 anos depois, é a pessoa e protagonismo eclesial do Papa Francisco”, desenvolveu o cardeal-patriarca de Lisboa.
A nova publicação, da chancela da Paulinas Editora, foi apresentada na Capela do Rato e o seu capelão destacou que este pacto “é de facto evangélico” porque o bispos procuram fazer um “corte profético”, até com direitos adquiridos.
Agência Ecclesia – ler artigo completo aqui
Cardeal-patriarca apresenta “O pacto das catacumbas – A missão dos pobres na Igreja”
O cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, apresenta esta segunda-feira, na capital, o livro “O pacto das catacumbas – A missão dos pobres na Igreja”, coordenado por Xabier Pikaza e José Antunes da Silva.
«No dia 16 de novembro de 1965, quando o Concílio Vaticano II já se aproximava do fim, 40 bispos reuniram-se nas catacumbas de Santa Domitila, em Roma, para celebrar a Eucaristia e assinar um documento em que expressavam o seu compromisso pessoal com os ideais do Concílio: viver um estilo de vida simples e a exercer o seu ministério pastoral de acordo com critérios evangélicos», explica o texto de apresentação do volume, publicado pela Paulinas Editora.
O “Pacto das Catacumbas” é «um compromisso pessoal de cada um daqueles bispos, mas é também, simultaneamente, um desafio para toda a Igreja e um instrumento para aferir a sua fidelidade ao Evangelho», continua a nota, acrescentando que a iniciativa remonta a três anos antes, no «momento em que se constituiu o chamado grupo “Igreja dos pobres”, na sequência do apelo radiofónico de João XXIII».
«Perante os países subdesenvolvidos, a Igreja mostra-se como aquilo que ela é e quer ser: a Igreja de todos e, sobretudo, a Igreja dos pobres», afirmou o papa que convocou o Concílio Vaticano II, a 11 de setembro de 1962, cerca de três meses antes do início dos trabalhos conciliares. Desde então, o grupo reuniu-se quase semanalmente para refletir sobre o que acontecia nas assembleias plenárias à luz do tema “Igreja dos pobres”.
Na crónica que assina semanalmente no jornal “Expresso”, José Tolentino Mendonça acentua que «a força profética e política dos 12 pontos desse pacto», assinado fará esta segunda-feira 50 anos, «e a exemplar fidelidade dos seus protagonistas» fazem desse acordo «um dos documentos fundamentais para entender algumas das horas mais luminosas do catolicismo contemporâneo».
«Que se propunham os bispos? A revolução da simplicidade.» A lista é longa, mas significativa: «Deixar os palácios episcopais e viver em casas iguais às das suas populações. Renunciar aos sinais exteriores de riqueza e à riqueza em si. Não possuir imóveis nem contas bancárias em seu nome. Confiar a gestão financeira e material das dioceses a comissões de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico; recusar-se a ser chamado, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder, preferindo ser chamado com o nome evangélico de padre».
Para Tolentino Mendonça, o pacto das catacumbas «recorda que o Deus em que os cristãos creem não plana acima das questões escaldantes da história: Ele aparece claramente comprometido com a justiça e uma ordem social de equidade, manifestando-se a favor dos mais pobres».
A sessão de apresentação do livro, de que oferecemos seguidamente um excerto, decorre na Capela do Rato, em Lisboa, às 18h30
Uma espiritualidade a partir do pobre para toda a Igreja
Maria Clara Bingemer
In “O pacto das catacumbas”
Ser pobre com os pobres: uma conversão pessoal
No texto assinado pelos bispos, há diversos elementos que dizem respeito a uma conversão pessoal, a uma mudança dos aspetos pessoais da vida de cada um. Em que consiste essa conversão?
Em primeiro lugar, em «ser como as pessoas», ou seja, em ser o mais humano possível, o mais parecido e semelhante a todos os irmãos e irmãs em humanidade, de um modo próximo e fraterno. Assim, segundo os signatários do Pacto, por exemplo, o episcopado deixa de ser uma dignidade que afasta e que requer elementos vivenciais de conforto e até de luxo, para se tornar a vida simples e humilde de um servo dos demais.
É isso que exprime claramente o ponto 1 do texto, ao dizer: «Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo o que daí deriva. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8-20.» Estamos perante uma opção de vida. Trata-se de abandonar os palácios episcopais para ir viver numa casa simples, como a maioria das pessoas; deixar para trás as refeições finas e requintadas, para se alimentar simplesmente, como a imensa maioria das pessoas; de usar os transportes públicos, em vez de veículos particulares.
Esse parágrafo implica uma determinação forte e profunda que leva realmente a uma mudança de vida de modo radical e profundo. E há muitos outros detalhes noutros parágrafos do Pacto que apontam para essa conversão radical e para essa vivência no mais profundo de cada um de uma espiritualidade evangélica de estar próximo e de viver como os pobres.
Por exemplo, a renúncia abarca não só a posse de bens, mas inclusivamente a aparência de riqueza no vestuário, nos símbolos usados (como a cruz peitoral, o báculo e a mitra). Isso implica que a figura do bispo já não deva ser uma figura que se impõe pelo seu aspeto, mas que se confunde com a gente simples. Nesse sentido, os bispos sentem-se chamados a ser como os primeiros Apóstolos, de quem são sucessores, e a não ter «ouro nem prata», mas Jesus, o Nazareno, como galardão e ornamento.
Quanto à posse de bens, o Pacto explicita que os seus signatários não possuirão bens «móveis ou imóveis», ou seja, não serão proprietários de nada, como os pobres do seu povo, que não têm onde reclinar a cabeça e que, por vezes, são forçados a ver a pobre casinha, que construíram com as suas próprias mãos, destruída por chuvas torrenciais, inundações, fogo, tempestades ou outras catástrofes. Afastam-se, de igual modo, do sistema financeiro capitalista em que vivem, quando declaram a sua renúncia à posse de contas bancárias e tudo o que das mesmas deriva: crédito, dinheiro fácil, multibanco, etc. Por fim, tudo aquilo que dá segurança num sistema que valoriza o dinheiro acima de todas as coisas, e que os pobres jamais poderão ter. Contudo, entendem, de forma realista, que por vezes talvez tenham de possuir algum bem. No entanto, nada deverá figurar em seu próprio nome; pelo contrário, sempre em nome da diocese ou das obras sociais ou caritativas.
Para fundamentar essa decisão de viver ao contrário do mundo e do sistema em que estão inseridos, citam os textos bíblicos de Mt 6,19 e Lc 12,33s, recomendando estes que não se acumulem tesouros aqui na terra, pois ficarão expostos à ação predadora do tempo e dos ladrões. É preferível vender o que se possui e dá-lo em esmola. O tesouro de um discípulo e apóstolo de Jesus Cristo deve estar no Céu, ou seja, no Reino do Pai. Só aí não se gastará, não se esgotará nem será destruído. Ou seja, deve ser oferecido, dado, aos que precisam, pois é aí que o quer Deus. Onde está o tesouro, aí também está o coração, e o coração de um pastor deve estar com as suas ovelhas, ser sensível às suas necessidades e solícito em assisti-las e satisfazê-las.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura – ler artigo completo aqui.[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/15 – O sentido do provisório” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
A aproximação do final do ano litúrgico, que se conclui no próximo domingo com a festa de Cristo Rei, lembra-nos uma verdade que muitas vezes, engolidos pela experiência do tempo, nós esquecemos. Essa verdade é que a experiência cristã é também uma experiência apocalíptica.
Isto o que é que quer dizer? Quer dizer que a experiência cristã olha para o mundo enquanto construção, enquanto representação – esta construção e esta representação que nós conhecemos como provisórias. O cenário do mundo é passageiro. Isto é, tudo aquilo que nós vemos, que nós construímos, que nos serve como lei, como regra, como norma, como cultura, tudo isso tem uma dimensão provisória.
É como se vivêssemos nas verdades penúltimas. E depois, haverá as verdades últimas. Quer dizer, este cenário do mundo, esta ordem do mundo, tem de se confrontar com a verdade definitiva, com o Absoluto, com aquilo que não passa. Esse confronto, esse diálogo do provisório com o Absoluto, é um diálogo que faz estremecer o provisório, que mostra a insuficiência do provisório. Mostra como as nossas obras, as nossas construções, aquilo que nos apaixona, aquilo que nos parece a coisa mais importante e mais prioritária, muitas vezes é relativizado por uma outra ordem, essa sim mais importante.
A verdade é que nós no dia a dia esquecemo-nos muito disso e vivemos como se este formato do mundo fosse para sempre, como se as construções que vemos fossem durar eternamente, como se a nossa cultura, os nossos hábitos, passassem a ser uma regra para todos os homens de todos os tempos e de todas as gerações, e não é assim.
Muito daquilo que nós hoje absolutizamos é absolutamente provisório e será superado, será transformado. Porque isso tem a ver com as coisas penúltimas. E é o confronto, sempre necessário, com a verdade última, com a finalidade última, com aquilo que é eterno, que dá um verdadeiro sentido e uma verdadeira dimensão àquilo que nós vivemos, àquilo que nós somos, àquilo a que nós aspiramos.
Nesse sentido, o Cristianismo é, não apenas foi, uma religião apocalíptica. Porque ele não olha para aquilo que hoje nós temos e aquilo que hoje nós somos como definitivo – isso está em superação, isso será criticado, renovado, reavaliado, no encontro com o Eterno. Ser cristão é saber também isso, é olhar para o mundo, olhar para o presente, olhar para nós próprios, para o nosso próprio mundo, para o nosso próprio presente, e não perder uma dimensão crítica.
Isto é, perceber que isto é o que pode ser agora, ou isto é o que temos agora, mas nem sempre será assim. O último juízo, o último olhar, a última validação, a definitiva, será de Deus. E isso dá-nos um sentido de humildade muito grande. Eu não posso viver a absolutizar as coisas, tenho que manter o sentido do provisório, o sentido do crítico, o sentido da humildade. Sabendo que é assim agora mas poderá ser de outra forma. É o que eu penso, mas eu tenho que me submeter ao juízo de Deus e ao pensamento de Deus. É agora a Lei universal mas só Deus verá, só Deus decidirá o que é que há de restar de tudo isto que agora nós somos e nós vemos.
Para nós cristãos, o critério último de validação é aquele que Deus nos dá na pessoa de Jesus Cristo. Jesus, a sua vida, torna-se o critério da eternidade. Por isso é que nós vemos esta linguagem apocalíptica que diz: “Tudo cairá, tudo soçobrará, o sol já não será o sol, a lua já não será a lua, já não receberemos a luz, as estruturas do mundo todas se alterarão, virão os anjos de Deus e alterarão aquilo que nós vemos de uma forma radical, colocando tudo em causa.” É uma linguagem simbólica muito forte para dizer isto: o nosso presente, o nosso instante precisa ser criticado, iluminado pelo eterno.
Nós temos de construir uma vida que não seja uma vida fechada, trancada, intransigente na sua própria lógica, como se nós tivéssemos a vida na mão, como se nós fossemos os decisores finais. Não somos. Temos de fazer uma vida que ao mesmo tempo não seja uma vida cínica. Isto é, nós não vivemos no mundo desacreditando no mundo, nós não vivemos não gostando da vida, não gostando dos outros porque o nosso coração está noutro lado. Não é isso. Nós amamos a luz do mundo, nós amamo-nos uns aos outros, nós queremos construir alguma coisa com sentido. Sabemos que o Reino começa a ser vivido aqui, mas também sabemos que a chave do sentido não está na nossa mão. Sabemos que a estrutura do mundo é provisória nas suas formas, e sabemos que o último juízo, a última palavra, é a Palavra de Deus.
E isso, a começar por nós próprios, dá-nos uma liberdade muito grande, um desprendimento muito grande. Olhamos para o mundo sabendo aquilo que depois S. João há de lembrar, repetindo o dito de Jesus: “ Nós estamos no mundo mas não somos do mundo.” Este estar e não pertencer completamente, não coincidir completamente, obriga-nos a uma dimensão profética, a uma dimensão crítica em relação ao que temos, em relação ao que somos, em relação ao que fazemos no próprio tempo.
Mas viver criticamente o presente, abrir-se à alternativa de Deus, abrir-se ao juízo de Deus perceber que nós habitamos o tempo do fim leva-nos a duas coisas fundamentais que hoje as leituras também nos lembram.
Primeiro, leva-nos a um centramento na pessoa de Jesus. Nós estamos a ler, domingo a domingo, a Carta aos Hebreus que é um texto político muito forte, muito contundente e que diz, no fundo, o seguinte: Cristo é a superação da ordem política, da ordem religiosa, da ordem social, cultural como nós a conhecíamos. Jesus supera, Jesus é a própria alternativa ao que nós absolutizamos.
Isso obriga-nos também a deixar cair tanta coisa, a relativizar tanta coisa. Porque Jesus não apenas superou o Sacerdócio antigo, Jesus vai sempre à frente. Isto previne-nos da tentação de às vezes aprisionarmos Deus na nossa lógica, capturarmos Jesus – nós é que sabemos o que Deus pensa, nós é que sabemos o que Jesus julga. Não, nós não sabemos e o que sabemos é que Ele supera, que o juízo de Deus é sempre maior que o nosso.
Nesse sentido, nós crentes não nos substituímos a Deus. Ser crente não é ser dono de Deus, é ser um servidor humilde, é ser um enamorado de Deus, é ter a paixão, sentir o amor em si. Adorar quer dizer amar muito, mas amar não é prender, não é limitar Deus. Pelo contrário, é com a nossa pobreza, colocando-nos a nós próprios no lugar, ampliarmos o amor de Deus, ampliarmos a misericórdia de Deus.
Nós estamos às portas de começar o Ano Santo da Misericórdia, e um dos apelos do Papa Francisco tem sido esse continuamente: “A Igreja não pode ser um funil para a misericórdia de Deus.” Nós não podemos afunilar a história e as vidas dos outros numa lógica muito certinha, muito racional, muito prudente mas onde não se faz a experiência da misericórdia. Nesse sentido, é preciso cada um de nós deixar nas relações uns com os outros, na forma como estamos na vida, como estamos no mundo, como estamos perante nós próprios, Deus ser Deus.
Tu, cristão, deixas, permites que Deus seja Deus? Permites na tua vida, no teu comportamento, na tua maneira de falar, de julgar, de reagir aos acontecimentos? Permites que Deus seja Deus? Ou te colocas tu no lugar de Deus como se soubesses, como se esgotasses o pensamento de Deus?
Ora, a misericórdia, o Ano Santo da Misericórdia, pedem que olhemos para Jesus como Aquele que ultrapassa, como aquele que supera. Mas também como Aquele que nos supera. A misericórdia de Cristo é maior que a minha misericórdia. Seria terrível se a misericórdia de Cristo se esgotasse na pequenina, na ínfima provisão de misericórdia que eu trago. A sabedoria de Deus é maior do que a minha sabedoria. Seria uma tragédia absoluta se eu representasse a sabedoria de Deus, ou se eu pretendesse isso.
Aceitar que Jesus nos supera, que Jesus é maior que o nosso coração, que é maior que as nossas palavras. Isso obriga-nos a uma contenção, a uma liberdade muito grande e à liberdade mais difícil que é a liberdade face a nós próprios – face ao nosso eu, às nossas certezas, aos nossos tiques. Ganhar essa liberdade e perceber: Cristo é maior, Cristo é maior e eu tenho de me confiar a Ele, tenho de aceitar que Ele me supera, que Ele vai à minha frente. Tenho de ser discípulo, não mestre de Jesus, tenho de ser Seu discípulo – vivermos aceitando que Jesus nos supera.
De certa forma, aceitar que o Espírito Santo é maior do que a Igreja, que o mistério de Deus é maior do que aquilo que nós sabemos acerca Dele – essa é a verdadeira dimensão mística – e percebermos que somos servidores da sua compaixão, servidores da sua misericórdia.
Um segundo aspeto, que nos lembra o profeta Daniel. É dizer “Num tempo em que a provisoriedade, a fragilidade, a vulnerabilidade do mundo se acentuam.” (e nós olhamos para o nosso mundo e percebemos isso), o que é que está a emergir com esta violência toda? É a insuficiência do mundo, é a sua ferida, é a sua dor, é a sua guerra, é o seu desencontro, é a sua incapacidade de fazer pontes, é a sua loucura. Mas num tempo como este qual deve ser a nossa atitude? A que é que cada um de nós é chamado? O profeta Daniel lembra-nos o chamamento fundamental dizendo: “Os sábios resplandecerão como a luz no firmamento, e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade.”
Então, o que é que nos é pedido? Uma grande sabedoria, uma grande sabedoria. Este tempo que nós vivemos, um tempo tão difícil, com desafios tão exigentes, com cenários tão contraditórios, tão paradoxais, este é o momento de sabedoria. Não é o momento para perdermos a cabeça, mas é o momento para arrumarmos a cabeça, é o momento para fazermos um verdadeiro discernimento espiritual, é o momento para nos firmarmos naquilo que é importante, é o momento para buscarmos uma prudência que não é só nossa mas também vem de Deus.
Uma verdadeira sabedoria total, que não é apenas a sabedoria que a ciência, que o conhecimento nos dão, mas é também uma sabedoria humana, uma sabedoria espiritual. Este é o momento em que o mundo precisa de homens sábios, de mulheres sábias que no pequenino da vida, no pequenino da história e no grande, possam apontar caminhos de sabedoria.
Os caminhos de sabedoria que sejam ensinar a muitos o caminho da justiça. É essa capacidade de transmitir: transmitir valores, transmitir esperança, transmitir este sentido profundo de uma justiça que sem a caridade é sempre incompleta, fica sempre aquém da sua missão. Mas aqueles que souberem transmitir e ensinar uma justiça assim, esses permaneceram na eternidade como estrelas acesas no céu.
Queridos irmãs e irmãos, o cenário do mundo é passageiro. O mundo é agitado por uma violência muito grande. Nós sabemos que o mundo, na sua construção, é provisória, e tem de ser criticado por aquilo que é eterno, que é o que Deus nos mostra, este amor radical que Deus nos mostra na vida de Jesus Cristo.
Mas é-nos confiada uma missão, e essa missão resume-se bem nas palavras que hoje Daniel nos lembra: vivermos com sabedoria, procurarmos uma sabedoria do alto para a nossa vida. Não ficarmos a reagir apenas às nossas emoções, procurarmos uma verdadeira sabedoria e ensinarmos a muitos uma justiça que seja verdadeiramente justa, transformadora, iluminadora do mundo.
Porque, aquilo que nós fazemos com amor, aquilo que nós investimos de amor, de sagueza, de fraternidade, isso não é abalado, isso não passa, isso é o princípio da eternidade que nós colocamos no aqui e no agora da turbulência do mundo.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXXIII do Tempo Comum
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/11 – Deus – conversas de Maria João Avillez com Maria de Belém” open=”false”]
«A Doutrina Social da Igreja é uma interpelação permanente», diz Maria de Belém
Maria de Belém, candidata à Presidência da República, considera que as propostas da Igreja católica no domínio social constituem uma «interpelação permanente», especialmente numa época em que a «instrumentalização» das pessoas é «absolutamente esmagadora».
A Doutrina Social da Igreja foi um dos temas mais amplamente tratados na conversa que a antiga Ministra da Saúde manteve com a jornalista Maria João Avillez, esta quarta-feira, no âmbito do ciclo de conversas sobre Deus, organizado pela comunidade da Capela do Rato, em Lisboa.
Na intervenção, de que apresentamos alguns excertos no vídeo abaixo publicado, Maria de Belém sublinhou a importância do ensinamento da Igreja em domínios como o direito ao trabalho, remuneração justa e propriedade.
«Os textos da Doutrina Social da Igreja ajudam-nos a perceber que estamos a regredir», vincou, após expressar a sua surpresa pelo facto de aquele corpo de documentos, com mais de um século, ser largamente desconhecido, inclusive em meios onde não o esperaria.
Questionada sobre o Sínodo dos Bispos, que em outubro debateu, no Vaticano, a questão da família, Maria de Belém afirmou que aguarda com «esperança» os resultados da assembleia, em particular a previsível exortação apostólica que o papa Francisco irá assinar.
A candidata presidencial está consciente de que a pluralidade de perspetivas na Igreja impõe que eventuais mudanças possam demorar: «O tempo tem o seu tempo», referiu, acrescentando que «o tempo longo também é necessário».
A Igreja tem errado ao preocupar-se mais com a «forma» do que com a «substância», além de que poderia estar muito mais presente na vida das pessoas, acentuou Maria de Belém, para quem o papa Francisco foi eleito num momento de «necessidade» e «oportunidade».
Das visitas que fez ao Vaticano quando era titular governamental da pasta da Saúde, no contexto dos encontros organizados pela Pastoral da Saúde, Maria de Belém guarda a imagem do papa João Paulo II como prisioneiro de um sistema, pelo que saúda a decisão tomada por Francisco de não habitar o apartamento reservado aos pontífices, no Palácio Apostólico.
Para Maria de Belém, o atual papa é uma «figura extraordinária» que está a tentar corrigir «erros colossais», ao mesmo tempo que, mesmo enfrentando «riscos», tem transmitido «mensagens muito fortes».
A relação com Deus, os excertos evangélicos marcantes, a ligação entre fé e política, a liberdade de escolha no domínio da religião e a espiritualidade foram também temas abordados por Maria de Belém neste encontro (cf. Artigos relacionados).
O ciclo de conversas com Deus prossegue na próxima quarta-feira, às 21h30, com o selecionador nacional de futebol, Fernando Santos.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Maria de Belém: «Sou profundamente cristã»
Maria de Belém, candidata a Presidente da República, declarou-se esta quarta-feira «profundamente cristã», no ciclo de encontros sobre Deus organizado pela comunidade da Capela do Rato, em Lisboa.
Na conversa com a jornalista Maria João Avillez, de que apresentamos em vídeo alguns excertos, a ex-Ministra da Saúde evocou as memórias de Deus na sua casa de infância, realçando a importância da figura do anjo da guarda.
Para Maria de Belém, a vivência da religião implica responsabilidade no agir, proteção, amor e afeto, sendo uma realidade «natural» com que convive «permanentemente»: «Deus é como o ar que respiro».
«Todas as decisões importantes da minha vida passam pela invocação de um poder superior a mim», afirmou quando questionada se Deus entrou na decisão de se candidatar à Presidência da República.
Ainda jovem, ouviu o reitor da igreja da Lapa, no Porto, a falar da ressurreição de Lázaro; ficou-lhe para sempre aquela interpretação, que configurou a sua relação com o catolicismo, marcada por dar prioridade à «razão e emoção» relativamente às normas da Igreja.
«Vou à missa quando acho que devo ir», afirma, acrescentando: «A minha religião é sentimento». Reza com as suas palavras, mas também com o Pai-nosso e a Avé-Maria, orações que aprecia especialmente.
A educação cristã sensibilizou-a para o cuidado pelos «humildes». Diz que a sua «prática de fé é mais feita de ação do que de formalismos» e afirmou a convicção de que «o mundo estaria muito melhor» se houvesse mais preocupação com a «substância» do que com as «rotinas».
Vive marcada pela narrativa evangélica do devedor que foi perdoado e que, como credor, recusou o perdão, atitude que diz testemunhar com frequência. Gostaria de não perder a sensibilidade para a justiça e para a injustiça.
Procura fugir aos conflitos entre a fé e o desempenho de cargos públicos e defende que não deve «exibir» as suas crenças religiosas. Desconfia de quem vai à Missa apenas para ser visto.
Tem a certeza de que a fé não lhe vai impor limites ao mandato de Presidente da República, se for eleita. Nos momentos de decisão, manda a consciência, mas no jogo político sabe que não chega para determinar os destinos do país.
O papa Francisco, o Sínodo dos Bispos sobre a Família e a Doutrina Social da Igreja foram também temas refletidos por Maria de Belém. Proximamente oferecemos uma síntese em vídeo dessas intervenções.
O ciclo de conversas com Deus prossegue na próxima quarta-feira com o selecionador nacional de futebol, Fernando Santos.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
O Deus natural, sentimental e privado de Maria de Belém
“A Santa Madre Igreja é organização e a minha religião é sentimento” foi com esta frase e uma referência a Antero de Quental que Maria de Belém Roseira, ex-ministra e ex-presidente do PS, resumiu a sua fé e a sua relação com Deus.
No Conversas com Deus desta semana, na Capela do Rato, a agora candidata presidencial falou de religião e de política, dando testemunha de uma vivência de fé individual e de uma relação com Deus que diz ser “natural”, mas que tem dificuldade em “transformar em algo de figurativo”.
Na conversa dirigida por Maria João Avillez, Maria de Belém contou que nasceu numa casa de “católicos praticantes e onde a educação religiosa fazia parte da educação”, mas preferiu definir-se como “profundamente cristã” e disse que acredita no cristianismo “não só como religião, mas como filosofia de vida”.
Aprendeu da mãe “preocupar-se com as pessoas humildes porque as poderosas não precisam” e na família era muito valorizado o conceito do anjo da guarda como sinal de uma “relação de protecção”. Mas questionada sobre quando passou dessa vivencia mais infantil da fé para uma relação adulta com Deus, a candidata presidencial assumiu que tem alguma dificuldade em responder.
“A relação com Deus é uma relação em função de uma ordem universal. Há qualquer coisa que existe, mas que tenho dificuldades em transformar em algo figurativo. É algo como o ar que respiro, é natural, quase não sinto”, afirmou Maria de Belém, que, ao longo de quase uma hora de conversa, foi desfiando uma visão de Deus mais próxima dos conceitos New Age (designação genérica para correntes de espiritualidade que misturam conceitos espirituais e psicológicos e uma simbiose com o meio envolvente e com a natureza) do que do Deus Uno e Trino da Igreja Católica.
“Não sou dogmática”, afirmou várias vezes a ex-ministra da Saúde, acrescentando: “A minha prática de fé é mais feita em acção do quem em formalismo, sou mais sentimento do que forma, sou muito mais acção e substância do que forma.”
A investigação do membro do Grupo de Arquitetura do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura foi recentemente publicada com o título “MRAR – Os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX”.
A obra da Universidade Católica Editora, que vai ser apresentada a 10 de novembro, às 18h30, na Capela do Rato, em Lisboa, pelos prefaciadores, João de Almeida, Diogo Lino Pimentel e José Manuel Fernandes, «procura dar a conhecer a história do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), fazendo um retrato detalhado da sua ação nas décadas de 1950 e 1960», refere a sinopse.
«Desejando tornar mais próximo e compreensível o percurso histórico deste movimento, considerou-se que a abordagem no estilo narrativo seria a mais adequada. Os acontecimentos estão deste modo apresentados e articulados segundo uma ordem cronológica, recorrendo-se frequentemente à citação de comentários, pensamentos e ideias expressas então, como forma de garantir a riqueza do discurso original», acrescenta a nota.
No texto intitulado “As origens do MRAR”, o arquiteto João de Almeida começa por recordar que conheceu João Alves da Cunha em 2001, quando entrou como estagiário no seu ateliê.
«Cedo se tornou um excelente colaborador e por lá ficou até 2008. Aproximou-nos o seu interesse pela história da arquitetura sacra em Portugal, já que sabia que eu fora nos anos 50 um dos fundadores do Movimento de Renovação da Arte Religiosa, tema por ele escolhido para a sua recente tese de doutoramento, agora publicada em livro, e que ao longo dos anos foi objeto dum estudo exaustivo e muito aprofundado», assinala João de Almeida.
Por seu lado, Diogo Lino Pimentel, igualmente ligado à génese do MRAR, salienta, também à entrada da obra, que «a natureza, o alcance e a projeção» do movimento «estavam por tematizar, analisar e estudar».
O primeiro responsável pelo Secretariado das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa acentua, ainda, que a investigação vem «colmatar essa falta», motivando «a avaliação do estado atual das artes na Igreja»: «A tese tornada livro interpela algum “adormecimento” pós-concílio, responsável por certa degradação dos termos plásticos, musicais e arquitetónicos em que se exprime a liturgia».
Para Diogo Lino Pimentel, «a par de escassas obras singulares de inegável mérito e qualidade, e de um reconhecível progresso do comportamento e da gestualidade rituais, a liturgia sofre de amputação plástica, por carência artística».
«Os artistas e criadores desinteressaram-se da Igreja e esta desinteressou-se dos artistas. A Igreja, liturgicamente exigente, esqueceu que a liturgia, para além de usar e cuidar a palavra, fala pelas artes visuais e musicais», sustenta.
José Manuel Fernandes, professor catedrático em História da Arquitetura na FAUL, assinala que a tese «consagra em termos científicos – e de forma brilhante» o reconhecimento do MRAR «como um instrumento que historicamente, nos anos de 1950 e de 1960, soube introduzir a plena modernidade nas artes e na arquitetura do campo religioso em Portugal».
O co-orientador da tese, com o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, escreve que João Alves da Cunha analisa, descreve e mostra a «fascinante, rica e atribulada sequência de factos e obras, ocorridos no “momento crítico” do Portugal dos meados do século XX”, ligados ao MRAR.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura – ler artigo completo aqui.[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/09 – Conversas à Capela – Sínodo sobre a Família: que caminhos?” open=”false”]
Para nos ajudar nesta reflexão, convidámos Karin Wall, socióloga da família do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e o jornalista António Marujo, que acompanhou os últimos dias da assembleia sinodal. O padre José Tolentino Mendonça participará também no painel.[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/08 – Crer é arriscar crer” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
O que é que a fé nos ensina? A que é que a fé nos leva? A onde é que ela nos conduz? A que gestos? A que atitudes? A que horizontes novos a fé nos coloca?
A fé contemplada no Evangelho é, sobretudo, uma arte do risco, uma arte de arriscar. Crer é arriscar crer, como amar é arriscar amar. Arriscar crer. Lembro-me de dois comentadores dos textos bíblicos, de pontos de vista diferentes, que sublinham precisamente isso e nos podem ajudar hoje a lermos a Palavra de Deus como um desafio para as nossas vidas.
O primeiro é uma psiquiatra e psicanalista, Françoise Dolto, que analisa uma das parábolas mais complicadas, um verdadeiro quebra-cabeças do ponto de vista moral, contada por Jesus que é aquela do administrador infiel. Aquele homem que era corrupto e sabendo que ia ser despedido começa a chamar os clientes do seu patrão a dizer “Olha, eu favoreço-te nisto: tu deves cinquenta, escreve aqui quarenta.”, para que ainda conseguisse, depois de ser despedido, uma boa aceitação junto daquela rede de fornecedores. Jesus conta esta parábola elogiando a esperteza do administrador infiel. Para nós que a ouvimos é um verdadeiro quebra-cabeças, porque como é que se pode elogiar a esperteza daquele ‘Chico esperto’?
Contudo, no comentário, na interpretação que Françoise Dolto faz, ela valoriza sobretudo a tomada de iniciativa. Aquele homem perante uma situação limite, que é o facto de ser despedido e a sua vida mudar radicalmente, ele faz alguma coisa, ele arrisca. Faz uma idiotice, continua no mesmo, mas ele arrisca. E o que ela sublinha é isto: o que Jesus nos ensina é a arriscar. Não arriscar fora da lei, ou fora da moral, fora da ética, mas valorizar o risco.
Na mesma linha, o escritor Chesterton valorizava aquela palavra de Jesus que é dizer: “Se queres seguir-Me renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz todos os dias e segue-Me, porque quem quiser salvar a vida há de perdê-la, e quem aceitar perder a vida por Mim e por causa do Reino há de salvá-la.” Ele diz: “Esta Palavra podia estar inscrita num clube de socorro a náufragos.” É assim, o nosso barco está a naufragar. Temos duas escolhas: ou permanecemos no barco, temerosos, e arriscamos também o naufrágio, ou, sem ter certezas mas obedecendo ao chamamento da vida, ao risco da vida, nós atiramo-nos, e atiramo-nos ao mar largo. Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á. Se permanecemos agarrados ao navio perdemos a nossa vida. Mas é aceitando o risco de poder perder a vida que a salvamos verdadeiramente.
A fé é isto. Porque a fé não é caminhar num território cheio de garantias, onde está tudo certo, está tudo assegurado e a consequência mais lógica mais racional que eu tiro é esta, e é por isso que a sigo. Não, a fé não é do território da lógica. Santo Agostinho dizia: “É absurdo, por isso eu creio.” A fé muitas vezes é tomar a iniciativa da confiança, do abandono no meio de situações que são o absurdo, que são o contrário da lógica, o contrário da razão. Mas a fé é viver o risco de acreditar. Não é somar 2+2 são 4. Não, as contas da fé são sempre tudo ao contrário, tudo ao inverso. A fé implica sempre esse salto, esse abandono confiante. Crer é o risco de crer.
A mesma coisa nós podemos dizer do amor. O amor não é um caminho feito na evidência, não é um caminho feito na certeza de que vai ser assim ou vai ser de outra forma, tudo muito assegurado. O amor é a ousadia de amar, é a ousadia de atirar-se à frente.
Temos nas leituras de hoje dois exemplos de amor. De amor diferente, mas de amor enquanto dádiva, enquanto oferta de si, que é no fundo aquilo que concretiza o amor. Aquela viúva de Sarepta a quem o profeta Elias pede hospitalidade, e pede alguma coisa de comer, ela não tem mais nada, não tem mais farinha, não tem mais óleo na almotolia. Contudo, ela amassa a última amassadura e partilha com aquele estrangeiro, com aquele estranho que lhe pede de comer. E diz: “Depois venha o que vier.” No fundo, ser capaz de dar o último pão, é o risco de amar. Depois? Depois, não sei o que vai acontecer. Depois já não é uma coisa que eu controlo, já não está dentro das minhas possibilidades. Mas é esse risco de amar, é esse risco que torna o gesto daquela mulher um gesto de amor verdadeiro, um gesto também de fé.
A mesma coisa nesta viúva pobre que está perante o tesouro do Templo. Os outros dão do que lhes sobra, aquela mulher deu uma pequenina moeda e Jesus chama a atenção dos discípulos dizendo: “Ela deu mais do que todos os outros, porque todos os outros deram do que lhes sobrava, ela deu tudo quanto tinha para viver.”
E é, no fundo, isto que nos é pedido a cada um de nós. Se calhar este não é um discurso para o dia a dia, se calhar no dia a dia nós conseguimo-nos gerir e safar com a visão habitual, não é preciso um grande risco, deixarmo-nos levar, deixarmo-nos embalar pela própria vida. Mas há momentos na vida de cada um de nós, há ocasiões, há dias, há oportunidades em que aquilo que se decide é verdadeiramente pelo risco de acreditar, pelo risco de amar. E são esses dias, essas oportunidades, essas horas da nossa vida que nos estruturam, que fazem a diferença, que marcam o caminho.
Pensemos no que Jesus nos diz. Jesus olha para o gesto da viúva e diz: “Ela deu mais do que todos porque deu uma moedinha que era tudo quanto tinha.” E a nós pensamos: “Muito bem. Muito bonito. Mas se toda a gente desse só uma moedinha não se conseguia manter o tesouro do Templo, não se conseguia fazer todas as atividades que o Templo tem para fazer, não se conseguia construir, manter a beleza do Templo.”
E é aqui que Jesus faz uma transformação do nosso olhar, é aqui que o Cristianismo aparece como um discurso diferente, que nos modifica por dentro naquilo que nós consideramos importante, naquilo a que nós damos realmente valor, naquilo que nós consideramos decisivo. Na Carta aos Hebreus (esse texto do final do primeiro século da era cristã, que já é escrito depois do Templo de Jerusalém ter sido destruído, o sacerdócio extinto, os sacrifícios apagados) este autor cristão vai rever a vida de Cristo, a Sua mensagem, o Seu gesto, a Sua poética do ponto de vista do Templo. E vai dizer: “Mais importante do que o Templo, mais importante do que a linhagem sacerdotal, mais importante do que os sacrifícios é o próprio Cristo enquanto pessoa, no que Ele é.”, “Não construíste para mim um Templo mas deste-Me um corpo, fizeste de mim Sumo-sacerdote.”
É este investimento na existência, este investimento na pessoa que faz a diferença. Quem olha para este discurso de Jesus e o aceita, tem de viver de uma maneira diferente, tem de viver de uma forma diferente.
Esta semana, o Papa Francisco teve duas palavras consecutivas, uma numa entrevista a um jornal holandês a dizer que quem é discípulo de Cristo não pode viver à grande e à francesa. Isto é, tem de levar uma vida frugal – tenha o dinheiro que tiver, as condições que tiver, mas tem de levar uma vida frugal, uma vida exigente. Não pode viver uma vida como se não existisse à volta de si pobreza, necessidade, carência. Não pode viver uma vida só em função do seu narcisismo, da sua vontade e do seu prazer. Tem de viver uma vida frugal.
Este desafio a uma vida essencial é um desafio que é feito a todos, a todos os cristãos que, no fundo, percebem que o importante não é construirmos, não é fazermos, embora tudo tenha o seu lugar. Mas o fundamental é sempre a pessoa.
E ainda ontem, na Praça de S. Pedro, o Papa Francisco fez um discurso muito importante à Associação de Providência, à Caixa de Providência Italiana, onde falava do trabalho, do valor do trabalho, do valor do repouso, de garantir as condições não só do trabalho mas depois também da reforma como direitos humanos fundamentais. Dizia: “Não podemos perder de vista o imperativo fundamental que é a pessoa humana, que é a pessoa humana.”
É claro, se nós privilegiamos a pessoa humana diz-se: “Ah! Mas como é que vai ser os mercados! Como é que vai ser isto? Como é que vai ser aquilo?” Temos de encontrara um equilíbrio, temos de encontrar novos caminhos, temos de encontrar novas possibilidades na nossa sociedade. A Doutrina Social da Igreja nasceu precisamente num contexto de fatalismo, em que com a Revolução Industrial o valor do trabalho e o valor da pessoa humana eram absolutamente relativizados. A Doutrina Social da Igreja nasceu como a tentativa de encontrar um outro caminho, uma outra possibilidade em que o fundamental não era perdido de vista.
Hoje nós vivemos numa grande mudança da história, nós sentimos isso. Somos determinados por entidades que não sabemos quem são, tudo parece que tem de ser de uma maneira só. Se calhar também aqui precisamos de voltar à Doutrina Social da Igreja e perceber isto: o valor da pessoa humana.
É o modo de olharmos e de acolhermos no nosso coração a Palavra de hoje de Jesus que nos faz ver uma mulher pobre e dizer: “Ela deu mais do que todos.” A tradição da Igreja tem sido esta desde o princípio. Por exemplo, quando o imperador prendia os primeiros cristãos e lhes dizia: “Ide buscar o tesouro da Igreja.“, S. Lourenço, que era o administrador da comunidade de Roma, foi preso e mandaram-no: “Olha, vai buscar o tesouro da comunidade para resgatar os cristãos.” E S. Lourenço foi buscar os pobres e disse: “O tesouro da igreja são os pobres.”
Então, isto para nós, cristãos, é um desafio constante. O que é o nosso tesouro? O que é o nosso tesouro? O que é que nós consideramos que é dar mais? Que é dar mais? Há de facto uma visão, uma visão que o próprio Jesus nos ensina a construir. Uma visão onde a pessoa humana está no centro, a pessoa humana com a sua fragilidade, a sua dificuldade.
Às vezes penso em como podemos ser super exigentes para uma pessoa mais frágil, mais fraca, mais vulnerável. E achamos: “Ah! Mas ela não faz nenhum esforço.” Às vezes o pequenino passo que ela faz, e que para nós nos parece insignificante, é mais do que todos os esforços e todos os passos que nós podemos dar ou pensar que damos. Por isso, há aqui uma conversão do olhar, uma conversão do olhar. Crer é o risco de crer, amar é o risco de amar.
Hoje, as leituras da Palavra de Deus colocam-nos perante o risco de amar. É um risco que, aos diversos níveis, implica uma conversão para cada um de nós. Porque preferimos muito mais um amor assegurado, um amor garantido, um amor consolidado, um amor isto, um amor aquilo, um amor que nos compense. E este risco de amar por amar, que está no cerne do Evangelho, é alguma coisa que constitui de facto um chamamento para cada um de nós. Um chamamento, um desafio exigente, mas também uma oportunidade.
Porque às vezes penso na maravilha do olhar de Jesus, nas coisas que Ele reparava. É como se Ele escrevesse a história do mundo de outra forma, de outra maneira. E no fundo, bem-aventurados os que têm o olhar puro, porque são capazes de identificar a presença do Reino, a chegada do Reino nas coisas mais pequenas e que para os outros são invisíveis.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXXII do Tempo Comum
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/11/04 – Deus – conversas de Maria João Avillez com Marcelo Rebelo de Sousa” open=”false”]
«Não há nada em que o ser-se cristão diminua o ser-se governante», defende Marcelo Rebelo de Sousa
Marcelo Rebelo de Sousa considera que «não há nada em que o ser-se cristão diminua o ser-se governante», ou outra atividade, e defende que não se é mais nem menos do que outras pessoas por se ser cristão.
A posição do candidato a Presidente da República foi recolhida na intervenção que proferiu na última quarta-feira, no ciclo de encontros sobre “Deus”, organizado pela comunidade da Capela do Rato, em Lisboa.
Na conversa que manteve com a jornalista Maria João Avillez, de que reproduzimos excertos no vídeo abaixo publicado, Marcelo Rebelo de Sousa especificou que ser cristão não limita o exercício do cargo de Presidente da República, caso seja eleito.
Questionado por uma das pessoas presentes na sessão, o ex-comentador afirmou que ser cristão não constitui uma mais-valia na Presidência, embora implique uma responsabilidade acrescida.
O jurisconsulto sustenta que não há qualquer drama no facto de os cristãos serem uma minoria, pelo menos na região de Lisboa, e relata a estranheza de dois jornalistas a quem ofereceu pagelas relativas ao Batismo de dois dos seus netos.
Na conversa, Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou-se também sobre aqueles que considera os maiores desafios da Igreja católica em Portugal: a juventude, a comunicação social, a cultura, cujos debates têm passado à margem do mundo católico, e o setor social.
O ciclo de encontros na Capela do Rato prossegue esta quarta-feira, às 21h30, com Maria de Belém, igualmente candidata à Presidência da República.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Marcelo Rebelo de Sousa: «Rezo o Terço todos os dias»
«Deus é para mim a razão de ser da vida», afirmou esta quarta-feira, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa, candidato à Presidência da República para quem a figura mais importante a seguir a Cristo é Maria.
«Rezo o Terço todos os dias», declarou o professor catedrático no ciclo de conversas sobre Deus organizado pela Capela do Rato, que na próxima quarta-feira recebe a candidata presidencial Maria de Belém Roseira.
Para o antigo jornalista, a quem não passa pela cabeça deixar de rezar diariamente a oração a Nossa Senhora, mediadora, misericordiosa, com capacidade de apagamento, o Terço «não é um mandamento» mas é «como respirar».
Na intervenção, de que apresentamos excertos no vídeo abaixo, o ex-comentador vincou por diversas vezes que a sua perspetiva de encarar a fé implica necessariamente uma relação comunitária que una oração e ação, como foi o caso do “Grupo da Luz”, que congregou figuras hoje bem conhecidas.
A vida eterna que começa já na Terra com pequenos gestos em favor do próximo, o exame de consciência às quatro ou cinco horas da manhã, as aparições em Fátima, a oração que se cruza com a vida e a perspetiva de Deus enquanto Trindade foram também questões mencionadas por Marcelo Rebelo de Sousa.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
Marcelo. Um Presidente cristão “tem uma responsabilidade acrescida”
O candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa considera que o facto de um Presidente da República ser cristão em nada o limita no exercício do cargo. Dá-lhe, sim, mais responsabilidade.
“Eu acho eu é errado dar uma resposta deste teor: era bom que o Presidente fosse cristão, porque se fosse cristão, além das qualidades todas que têm os outros, tem mais uma. Isso não existe. Eu diria o contrário. Tem uma responsabilidade acrescida por ser cristão. Nós, por sermos cristãos, não temos mais direitos. Se temos alguma coisa é mais deveres. Quem mais recebe, mais tem de dar”, defendeu na quarta-feira à noite, durante o debate “Conversas com Deus”, que decorreu em Lisboa.
Marcelo Rebelo de Sousa respondeu a perguntas na Capela do Rato. Durante o evento, o candidato a Belém falou ainda sobre aborto e eutanásia.
Ser cristão pode limitar o cargo de chefe de Estado? “Nada”, respondeu. “Vivemos num país com uma Constituição – eu fui constituinte, portanto conheço-a bem – que consagra a liberdade religiosa. Significa que não há um Estado confessional, mas também não há um Estado que seja contrário à liberdade religiosa”, começou por explicar.
“A liberdade religiosa não é só a liberdade de culto, é também a liberdade de vivência da fé, nos lugares de culto e fora dos lugares de culto. Como dizia a Sophia de Mello Breyner, vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, concretiza, dizendo também que denunciar a injustiça na sociedade é um imperativo cristão.
Se fizéssemos aqui como se fazia na catequese à antiga, que era uma espécie de exame de resposta rápida, e perguntássemos quantos são os mandamentos, eu acho que não havia dúvida, todos passávamos ao exame e dizíamos: “Os mandamentos são dez.” Mas se nos perguntassem quantas são as bem-aventuranças, eu não sei se nós conseguíamos ter aqui uma maioria que passava ao exame. E se nos perguntassem mais, se nos perguntassem “Então diga quais são as bem-aventuranças?”, aí então a dificuldade seria maior.
Isto diz muito de um desacerto, de um desencontro, porque as bem-aventuranças são a página mais importante do Evangelho. Santo Agostinho dizia que era o Evangelho breve, que era a síntese de todo o Evangelho. E não faltam, na tradição cristã e não só, autores que dizem: “As bem-aventuranças são o resumo de tudo.” É o resumo de toda a justiça, de todo o amor, de tudo aquilo que um cristão é chamado a fazer. Gandhi, que não era cristão, apaixonou-se pelas bem-aventuranças quando estudava e disse que se se perdesse toda a literatura do Ocidente e apenas permanecesse esta página das bem-aventuranças nós tínhamos o fundamental de tudo aquilo que foi dito, foi escrito, foi buscado, foi sonhado de melhor pela própria Humanidade.
Contudo, dá-se este caso: nós, católicos, sabendo isto, não fazemos da bem-aventurança o programa da nossa vida. E a palavra “programa” é uma palavra muito exata, porque as bem-aventuranças são o programa da vida de Jesus e são o programa da existência cristã. Lendo cada uma destas bem-aventuranças (a pobreza em espírito, a humildade, a capacidade de chorar com os que choram, o ter fome e sede de justiça, a misericórdia, a pureza de coração, a obra da paz, a construção da paz, a capacidade de sofrer por amor da justiça, de ser insultado em vez de insultar, de ser perseguido em vez de perseguir, de dizer a verdade mesmo em seu prejuízo, mesmo que outros mintam a propósito de nós) nós percebemos que cada uma delas desenha o rosto de Jesus.
As bem-aventuranças o que é que são para nós? São a biografia de Jesus, a autobiografia de Jesus. Nós vemos Jesus a viver, Jesus a agir, Jesus a ser. E quando Jesus nos diz “Se tu quiseres estar comigo, se tu quiseres ser cristão faz uma coisa: toma a tua cruz todos os dias, e segue-Me”, nós dizemos “Mas isto é uma coisa muito abstrata”.
O que é que é seguir Jesus? Como é que isso se faz de forma concreta? Como é que eu me oriento? Que mapa, que guia, eu posso ter? Que lei? Que decálogo? Que norma? Que código eu posso escrever, não na frieza da pedra, mas no ardor do meu coração? O que é que eu posso tatuar dentro de mim?
Não tenhamos dúvidas, as bem-aventuranças são aquilo que nos ensina no quotidiano, no dia a dia, nas pequenas e nas grandes coisas, nos momentos definitivos e nos momentos provisórios, precários ou ordinários. Aquilo que verdadeiramente nos guia, a mão estendida de Jesus no concreto da nossa vida, são as bem-aventuranças.
Por isso era tão importante que cada um de nós as redescobrisse e que esta festa de Todos os Santos fosse para nós um desafio muito grande a ir procurar as bem-aventuranças. Na versão de S. Mateus, que nos dá a versão mais completa, são oito bem-aventuranças. O decálogo são dez mandamentos, mas as bem-aventuranças, a Palavra de Cristo, o resumo daquilo que Cristo nos pede são oito coisas, oito bem-aventuranças.
Era importante cada um de nós as ter escritas, escrever. Uma proposta seria cada um de nós, nesta semana, escrever pela sua própria mão as bem-aventuranças, copiarmos, fazermos uma cópia das bem-aventuranças. E pouco a pouco, as rezarmos, as decorarmos, fazermos delas as metas da nossa vida, as metas que dia a dia nós procurássemos que fossem conformadoras da mulher e do homem que nós somos, e pouco a pouco sentíssemos que elas eram a nossa inspiração, que elas são a nossa vida.
Não é por acaso que as bem-aventuranças são oito. S. Mateus, que escreve talvez o Evangelho mais judeu, mais hebraico, porque o escreve num momento em que no interior do Judaísmo se empurrava para fora os cristãos, dizendo “Vocês não são judeus, vocês são uns judeus muito atípicos por isso não podem estar na Sinagoga”, escreve o Evangelho a explicar o que é o Cristianismo também para os judeus. Nesse sentido, todos os números que nos aparecem no Evangelho de S. Mateus não são apenas números, são símbolos, é a guemátria. Quer dizer, os números servem para dizer verdades simbólicas, servem para estruturar de uma forma iniciática o próprio caminho.
Porque é que as bem-aventuranças são oito, na versão de S. Mateus? Porque Jesus ressuscitou no oitavo dia. O oito, para nós, é o símbolo do Tempo Novo, do Tempo Pascal. Depois do Tempo, abre-se um outro tempo: o tempo da vida ressuscitada, da vida levantada pelo próprio Deus, da vida garantia pelo próprio Deus contra toda a morte que nos sitia, toda a morte que nos ameaça. Então, são oito as bem-aventuranças, sinal que há uma época nova da história que se abre com elas.
Bismarck, com o seu sentido prático, dizia que com as bem-aventuranças não se consegue conduzir um país. Eu não sei se se consegue ou não conduzir um país, mas sei que se consegue conduzir uma vida, conduzir uma existência, conduzir um modo de viver, conduzir um estilo de viver.
Nesta festa de Todos os Santos o que é a santidade para nós? Podemos pensar ”A santidade é uma coisa muito distante, é uma coisa muito bela mas também muito inalcançável, muito inatingível.” Não, a santidade é a coisa mais quotidiana que existe, é a coisa mais banal que existe, é a coisa mais trivial que existe. A santidade, todos nós a praticamos, todos nós a passamos uns para os outros.
O que acontece é que nós valorizamos tantas coisas na vida, mas não valorizamos o modo humilde, o modo escondido, o modo simples como a santidade, que é uma contaminação da vida de Deus em nós, do espírito das bem-aventuranças em nós, passa de uns para os outros. Como é que cada um de nós, chamado por Deus a ser santo, há de concretizar isso nas suas vidas? Não com o desejo de ser santificado ou canonizado, não é isso. Não é que eu quero ser modelo para os outros, não é isso, mas é procurar tornar a minha vida próxima da vida de Cristo, semelhante à vida de Cristo. Aquilo que S. Paulo dizia: “Escondermos a nossa vida com Cristo, em Cristo.” O ser cristão é isso.
Na Carta de S. João, S. João usa a palavra semelhança e diz assim: “A meta da nossa vida é tornarmo-nos semelhantes a Deus.” Como é que isto se consegue? Vivendo numa tensão, numa abertura permanente, num processo de renovação, de purificação, de transformação interior. Mas o objetivo não é ficarmos como estamos, é tornarmo-nos semelhantes a Deus, é passarmos para uma outra ordem da realidade. Porque Cristo fez-se homem para divinizar o humano, para tornar o humano capaz de Deus. Cada um de nós é capaz de Deus. Capaz de imitar, capaz de se tornar semelhante, capaz de expressar, capaz de ser a boca de Deus, as mãos de Deus, o olhar de Deus, a presença de Deus no meio do mundo. E isso acontece pelo caminho prático, pelo caminho simples das bem-aventuranças.
Vamos hoje fazer este compromisso de descobrirmos as bem-aventuranças, cada um de nós descobrir as bem-aventuranças. Está no capítulo 5 de S. Mateus. Abrir o capítulo 5, copiar as bem-aventuranças, ler as bem-aventuranças, decorar, mas sobretudo viver. Mais importante do que o decorar é viver. Porque esta é de facto a nova Lei, que não é uma Lei mas é uma inspiração para as nossas vidas.
Que esta pobreza de espírito, de coração, que esta humildade, que esta capacidade de chorar com as dores dos outros, a compaixão, que esta fome e sede de justiça, isto é, com o não nos conformarmos com a forma do mundo, mas o desejarmos um mundo melhor, um mundo transformado, mais justo, que esta prática da misericórdia, sermos misericordiosos uns com os outros, que esta pureza de coração, que esta promoção da paz, que esta capacidade de sofrer por aquilo que acreditamos por amor a Jesus seja de facto uma realidade na nossa vida.
O Karl Rahner, que foi um dos maiores teólogos do século XX, dizia “É errado dizermos que somos cristãos. Isso é errado porque parece que já está tudo feito, já está tudo acabado. Nós desejamos ser cristãos, nós estamos à procura, estamos a tentar ser cristãos.” E, no fundo, isso é uma grande verdade para nós. Nós estamos aqui, não para celebrar aquilo que já somos, aquilo que já trazemos, estamos aqui num processo, num caminho, somos a Igreja peregrina, a Igreja que caminha.
E o que é a Igreja peregrina? É a Igreja constituída por mulheres e homens que, na vida de todos os dias, não desanimam, não desistem. É a Igreja corpo de pecadores, que não desistem de acreditar, não desistem de aprofundar. Caindo não desistem de levantar-se, rompendo não desistem de religar, afastando-se, estando afastados de Deus, não desistem de voltar a Ele, um dia. Isso é a Igreja a caminho, a Igreja peregrina.
Que o espírito das bem-aventuranças seja como esta chuva benigna que cai sobre nós e alaga de esperança e de amor as nossas vidas.
Pe. José Tolentino Mendonça, Solenidade de Todos os Santos
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Outubro
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«Peço ao Espírito Santo para me ajudar a escolher as palavras»
«Peço ao Espírito Santo para me ajudar a escolher as palavras necessárias para chegar ao coração das pessoas», revelou esta terça-feira a Ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas.
A seguir ao encenador Jorge Silva Melo, a jurista foi a segunda convidada do ciclo de conversas sobre Deus, com a jornalista Maria João Avillez, organizado pela Capela do Rato, em Lisboa.
Depois de recordar os primeiros passos na fé, transmitida «na ternura dos afetos familiares», Assunção Cristas evocou a infância, especialmente no período natalício, com mais Menino Jesus e menos Pai Natal, e no colégio.
«Meninas, onde está a caridade?» era uma pergunta recorrente da Mãe, que também a sensibilizou, assim como às três irmãs e um irmão, para a necessidade de fazer render os talentos.
Detendo-se no Deus Trindade, Assunção Cristas contou como a sua visão de Deus Pai, Filho e Espírito Santo evoluiu com a idade, sublinhando a proximidade com Jesus, «companheiro de vida», e o Espírito Santo.
Qualifica a relação com Deus como natural e marcada pelo desejo, embora não faltem momentos de dúvida, e talvez por isso afirma: «O que peço mais para a minha família é fé».
Do envolvimento na argumentação contra o aborto até ao Governo percorreu um caminho inspirado por Jesus, que a ajudou a pesar os prós e contras de entrar na política, que classifica como uma das formas mais nobres de serviço público.
Após destacar o primado da consciência na ação governativa, Assunção Cristas referiu-se ao modo como fala aos filhos de Deus e da política, terminando a conversa, de que apresentamos excertos em vídeo, a falar sobre o seu «bom combate».
O ciclo prossegue na próxima quarta-feira, às 21h30, com Marcelo Rebelo de Sousa.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
“Inspirei-me em Jesus, que nunca teve medo de se meter com gente pouco recomendável”
“Faz parte de ser católica aceitar outros caminhos” e, por isso, quando se colocou a Assunção Cristas a proposta de seguir o caminho da política, a agora ministra fez o que costuma fazer na vida: procurar em Jesus Cristo o exemplo e a fonte de discernimento. E não teve medo das más companhias. “Inspirei-me em Jesus que nunca teve medo de se meter com gente pouco recomendável”, afirmou a ministra da Agricultura na segunda sessão das Conversa sobre Deus, na Capela do Rato, em Lisboa.
A conversa, moderada por Maria João Avillez, começou pela infância da dirigente do CDS, quando “a fé foi transmitida na ternura dos afectos familiares”. Um tempo em que a avó assumiu um papel de transmissora de fé e de tradição, em que o que valia era o Menino Jesus e o Pai Natal só foi aceite como “ajudante”, e a mãe teve sempre como que um papel de alerta de consciência, com o “hábito de chamar a atenção para a responsabilidade na aplicação dos talentos” e para a prática da caridade.
Depois, no Colégio do Bom Sucesso, Assunção Cristas foi evoluindo para a imagem de “um Deus amigo, acolhedor, que perdoa todos os nossos pecados”.
“Ao longo do tempo e da vida, fui tendo uma relação diferente com as três pessoas da Santíssima Trindade”, afirmou a ministra, assumindo que “foi o Espírito Santo o que chegou mais tarde”, já na adolescência e muito por influência de um professora de Físico-química.
Para Assunção Cristas, Jesus é “um companheiro de vida, um exemplo e um filtro de acção” e o Espírito Santo é “um companheiro mais íntimo” a quem pede “muita sabedoria, iluminação e discernimento”, a quem recorre sempre que fala em público para que lhe dê as palavras que cheguem ao coração de quem a ouve. “Deus é o Pai, aquele que desejo, aquele que está à nossa espera e um dia vou poder aninhar-me no colo d’Ele. Deus alimenta-nos num desejo de chegar a Ele”, continuou a ministra, que não se imagina sem fé.
Fé como “caminho de felicidade e alegria”
Claro que tem dúvidas, assumiu Assunção Cristas perante o auditório, que claro se questiona se tudo isto não passa de uma ilusão. Não importa, responde: “Se nada disto for verdade, eu sou muito feliz assim.”
Por isso, e porque acredita e experimenta que “a fé é, de facto, um caminho de felicidade e de alegria”, o que mais pede para a sua família é a fé.
Nos Evangelhos temos a presença da cegueira que Jesus cura como sinal daquela transformação que Ele faz acontecer nas nossas vidas. É muito interessante o lugar e o cuidado com que os evangelistas colocam estas cenas de cura da cegueira no próprio Evangelho.
Por exemplo, no Evangelho de Marcos, que hoje nós lemos, há a cura de um cego no início e no fim de uma secção muito importante, central, que é a secção chamada do caminho. É aquele intervalo entre a missão de Jesus em Galileia e a Paixão de Jesus em Jerusalém, em que Jesus no caminho está apenas com os discípulos. É um período muito importante, muito favorável de formação, de iniciação dos próprios discípulos.
No início e no fim desta secção do Evangelho de Marcos está a cura de um cego, quer dizer: todos nós precisamos de ser curados por Jesus, precisamos que Ele nos dê uma visão nova sobre a realidade, precisamos que Ele nos ajude a vencer a trave, a parcialidade, a dificuldade que nós temos em ver claro. Jesus é o mestre de uma visão nova, de uma visão renovada.
Nós hoje temos o encontro de Jesus com o cego de Jericó chamado Bartimeu, Timeu. É um nome simbólico que é dado a este cego, porque Timeu quer dizer precioso. Este cego colocado à beira do caminho não deixa de ser um filho precioso. É interessante que o cego aparece-nos numa situação de exclusão. Ele está colocado à margem, à margem do caminho, pedindo esmola, e há aqui uma dupla exclusão: por um lado ele é cego, e por outro lado ele é um pobre. Enquanto a multidão passa, escorre-se pelo caminho que vai de Jericó a Jerusalém, este homem permanece, fixo à beira do caminho, como se estivesse ali pregado por um destino cruel.
E quando Jesus passa este homem sente que é a sua oportunidade, sente que é a sua hora, sente que a sua vida se pode jogar por inteiro naquele encontro com Jesus e nada o cala. Ele começa gritando: “Jesus, Filho de David! Tem piedade de mim!” Este homem cego é um exemplo para nós crentes porque, ao contrário dele, muitas vezes a questão de Jesus na nossa vida não é que não seja uma questão importante, mas não é a questão decisiva. Nós não apostamos tudo o que temos, tudo o que somos, no encontro com Jesus. Nós não sentimos ainda que a nossa vida está nas Suas mãos, e depende completamente de uma palavra, de um olhar que Ele lançar sobre a nossa vida.
O cego é um exemplo para nós crentes no sentido de que temos de vencer esta fé negociada, esta fé do mais ou menos, esta fé que não é quente nem é fria, esta fé morna, que é o contrário da verdadeira fé que faz o encontro com Jesus, que faz o milagre acontecer na nossa vida, na nossa história. Aquele homem grita com Jesus e nada nem ninguém o pode calar. É um exemplo da fé.
Os grandes exemplos de fé que o Evangelho nos dá são paradoxais porque são os doentes, são os pobres, são os pecadores, são aqueles marginalizados os grandes mestres da nossa fé. Porque eles dizem-nos a atitude fundamental que deve ser a de um crente, que é de sentir que a relação com Jesus é uma relação absolutamente decisiva, é uma relação onde tudo se joga e tudo se perde. É uma relação onde nos lançamos com tudo aquilo que somos, com a integralidade do nosso destino. E nada pode travar o movimento deste homem até que Jesus para e diz: “Chamai-o, chamai-o.”
É uma forma muito interessante e que nos aparece diversas vezes em ações que Jesus desenvolve, ações simbólicas no interior da narrativa evangélica. Por exemplo, no episódio da multiplicação dos pães, Jesus multiplica os pães e depois dá aos discípulos para os discípulos entregarem à multidão. Isto é, Jesus torna-nos a nós, Seus discípulos, participantes da Sua missão. Jesus podia ter chamado o homem: “Olha, vem cá.” Fez-se um silêncio para ouvir a Sua voz, mas Jesus encarrega-nos a nós de chamar o cego e diz: “Chamai-o.” Como nos diz a nós hoje, neste tempo do século XXI: “Chamai-os. Chamai-as.”
E então acontece uma transformação no coração daqueles que estão junto daquele cego, que primeiro diziam: “Calem-se! Cala-te! Cala-te! Não incomodes o Mestre.” Mas agora dizem-lhe uma outra palavra, dizem-lhe: “Coragem, confiança. Ele está a chamar por ti.”
É esta mudança de atitude que também deve acontecer no nosso coração, porque muitas vezes a nossa primeira atitude é de mandar calar os outros: “Cala-te, isso não tem dignidade, ou não tem legitimidade, ou não tem oportunidade, ou não tem isto ou não tem aquilo.” A nossa atitude é a de suster, de calar, de não querer escutar até ao fim. Transformar essa atitude de quem sacode a água do seu capote para a atitude diferente de quem exorta, de quem ensina a confiança, de quem ajuda, de quem se torna adjuvante, auxiliar: “Coragem, Ele está a chamar por ti, vai ao Seu encontro.” Esta transformação é uma transformação decisiva em cada tempo da vida da Igreja.
Ontem concluiu-se o Sínodo da Família e na grande homilia que o Papa Francisco fez no final do Sínodo são palavras semelhantes a esta que ele traça como recordação, como memória e desafio para a Igreja do nosso tempo, dizendo: “Aqueles que cumprem a Lei, não são aqueles que cumprem a letra da Lei, mas são aqueles que são fiéis ao espírito da Lei.”
No fundo, é esta questão que se coloca a nós: como ser fiéis ao espírito do Evangelho? Isso passa sem dúvida por ouvirmos, por escutarmos, por fazermos pontes, por dizermos uns aos outros, dizermos àqueles que estão na margem, dizermos: “Coragem, o Senhor está a chamar por ti.”
Porque o encontro é com Jesus, o encontro não é connosco, aquilo que nós temos de ajudar uns aos outros é a nos colocarmos perante Deus, a fazermos esse encontro com Jesus que é único para cada pessoa. Temos de colocar cada um com confiança diante do Deus que fala. Não somos nós que falamos em vez de Deus, não nos coloquemos no lugar de Deus, mas ajudemos cada mulher, cada homem, a colocar-se com confiança perante este Deus que é amor e que é misericórdia.
Quando o cego ouviu esta palavra (é muito sugestiva a forma como o narrador do Evangelho de Marcos relata esta atitude), atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Isto é, ainda não lhe tinha acontecido nada mas ele já tinha transformado a sua vida. Abandonou a capa de mendigo, deu um salto como se já visse e foi ao encontro de Jesus. Isto é, a fé transforma-nos, a fé transforma-nos, a fé transforma-nos.
Os Padres do Deserto, que comentaram muito esta passagem do Evangelho de Marcos, viam aqui a liturgia batismal. Porque no batismo no início eram batismos de adultos, os cristãos tiravam as suas roupas, entravam nus para a piscina probática, a piscina batismal, e depois eram revestidos com uma túnica branca. Deixavam as vestes do homem velho e assumiam a configuração do homem novo. É isso que também é chamado a acontecer na nossa vida, mas não apenas como um rito, não apenas como uma liturgia mas como um salto. Há um salto a dar na direção de Cristo. Há coisas a deixar para trás porque sentimos que uma vida nova começa quando nos lançamos ao encontro do Senhor.
E quando ele chega diante de Jesus, Jesus pergunta-lhe: “Que queres que eu te faça?” Maravilhosa pergunta que devolve ao homem a palavra, a liberdade, a interpretação da sua história. Porventura podemos dizer: “Mas ele está a dizer o óbvio. O que é que este homem quer que Jesus faça? Que cure a sua cegueira, toda a gente sabe isso.” Não, nós não sabemos, nós não sabemos se não escutarmos. Nós não sabemos se não devolvermos ao outro a sua liberdade fundamental de expressar-se, de contar a sua esperança, a sua dor, o seu desejo, a sua expectativa. “Que queres que eu te faça?”
Às vezes os pobres, os marginalizados, são tratados como uma menoridade. Nós sabemos do que eles precisam, nós administramos a sua vida, nós é que dizemos o que é o bem e o que é o mal, e como deve ser e como não deve ser. Se nós estivéssemos colocados numa situação de fragilidade, de vulnerabilidade fundamental em que tantos estão colocados… porque na nossa sociedade não há igualdade de oportunidades, basta visitarmos uma prisão para percebermos que o princípio daquelas vidas era de tal modo vulnerável, de tal modo frágil que é quase uma fatalidade a continuação dos ciclos de sofrimento, de violência, de pobreza endémica.
Nós sabemos tão pouco, tão pouco, e precisamos de uma humildade, de uma humildade muito grande. “O que queres que eu te faça?” E o homem diz: “Mestre, que eu veja.” Ele diz a Jesus aquilo que é a palavra que trás para lhe dizer. E Jesus trata-o como um sujeito, não lhe dá uma esmola às escondidas, não, é um homem que fala com outro homem olhos nos olhos, dá-lhe a dignidade de ser, de aparecer. “Mestre, que eu veja.” E Jesus diz-lhe uma coisa maior, diz-lhe: “Vai, a tua fé te salvou.”
O caminho que o homem fez é um caminho já de desejo, é um caminho já de fé, é um caminho em que o próprio cego está implicado na sua prece, na sua súplica. Por isso, Jesus diz: “Tudo aquilo que tu fizeste para vir ao meu encontro, tudo isso já é salvação em ti. Vai, a tua fé te salvou.”
Depois, pelo final do Evangelho que é muito significativo, nós percebemos que o homem ficou curado de uma dupla cegueira. Ele ficou curado da cegueira física, o homem recuperou a vista, mas depois a última frase é “E seguiu Jesus no caminho.”, no caminho para Jerusalém, no caminho da vida cristã. Quer dizer, este homem não ficou apenas curado de uma carência física, este homem recebeu a luz da fé e por isso ele tornou-se discípulo de Jesus no próprio caminho.
Queridos irmãs e irmãos, durante esta semana pensemos muitas vezes no cego de Jericó. Identifiquemo-nos com ele na súplica, no desejo pelo Senhor. Identifiquemo-nos com aqueles a quem Jesus deixa a missão “Chamai-o.” e lhe dizem: “Coragem, ele está a chamar por ti.” Identifiquemo-nos com essas palavras, com essas personagens.
E depois, sintamos que o Senhor cura a nossa dupla cegueira. O Senhor vem ao encontro da nossa carência, da nossa dificuldade, mas o Senhor reforça a nossa fé, o Senhor dá-nos a capacidade de O seguir no caminho. Que este texto batismal seja para nós um guia de vida e nos ajude a viver no quotidiano, no dia a dia, na nossa circunstância concreta, o nosso caminho crente, o nosso caminho de fé.
Os padres sinodais escreveram um documento final que foi entregue ao Santo Padre, e o Santo Padre agora há de decidir o que fazer com ele e se vai ou não escrever uma carta, uma exortação pós sinodal sobre a família. Mas nas questões difíceis que se colocam hoje a família e às novas realidades familiares, e numa questão que tem sido muito dolorosa no interior da comunidade cristã e que a tem fraturado interiormente, que é a questão da comunhão dos recasados, a perspetiva que venceu, que ganhou consenso no interior do Sínodo, foi a de valorizar o chamado forum internum.
O forum internum é este caminho que cada um faz perante Deus na sua consciência, ajudado pelo seu diretor espiritual, pelo seu confessor, um caminho a partir da verdade da sua existência mas abrindo-se à misericórdia de Deus. Nós não podemos julgar por fora. Só olhando para o coração, só olhando para a circunstância, só olhando para a biografia, para a história concreta de cada um, nós podemos ajudar cada um no seu processo de integração no interior da Igreja.
Mas a grande palavra foi de facto uma palavra de integração, uma palavra de misericórdia que sai deste sínodo. Nós esperamos agora a palavra do Santo Padre, mas de facto foi uma experiência maravilhosa este ano de caminho, ou estes dois anos de caminho na Igreja para sentirmos isto precisamente: que o que nós temos de valorizar é o caminho que cada um faz ao encontro de Jesus, esse grito que está no coração de cada um e que é preciso acompanhar, que é preciso orientar, que é preciso esclarecer, que é preciso integrar. Mas a misericórdia de Deus prevalece sobre o nosso pecado e sobre o nosso limite.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXX do Tempo Comum
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/10/21 – Deus – conversas de Maria João Avillez com Jorge Silva Melo” open=”false”]
Jorge Silva Melo e a questão de Deus: «A ideia do amor é o que me ganha»
O encenador Jorge Silva Melo foi o primeiro convidado do ciclo “Deus – Conversas de Maria João Avillez”, nove encontros que a Capela do Rato, em Lisboa, apresenta até dezembro.
Filho de pai republicano, com a mãe a manter um catolicismo social, Jorge Silva Melo (Lisboa, 1948) encontrou na desobediência da irmã a inspiração para a sua procura do religioso.
Foi no colégio católico onde estudou até aos 14 anos que o cofundador da companhia de teatro Cornucópia ouviu a narrativa bíblica que lhe marcou a existência, a transfiguração de Jesus, em que humanidade e divindade se cruzam. Seduziu-o a suspensão do tempo, em que o esplendor da flor é perene.
O amor, o perdão e o recomeço são a fonte do seu «sim» à Igreja, onde encontrou João Bénard da Costa e a sua geração de católicos que atravessou os anos 60.
Em Londres, onde estudou cinema, Jorge Silva Melo viveu um catolicismo minoritário que tinha como programa a recusa da moda e do sucesso.
Antes da capital britânica, foi uma redação sobre os «novos mártires» que lhe abriu horizontes: suspenso da escola durante três dias, devido à subversão do texto, ganhou do pai a possibilidade de descobrir a Sétima Arte, e nela revelou-se-lhe o cristianismo pobre das origens, de que nunca tinha ouvido falar em casa ou no colégio, mais tarde acompanhado por S. Francisco de Assis e Simone Weil.
Falando de teatro, saber ouvir é o segredo maior, sublinha Jorge Silva Melo, que pede «tempo» para que à luz se desvele o oculto. E Deus está lá sempre, nos textos e atores que escolhe.
Na conversa com a jornalista Maria João Avillez, de que apresentamos excertos no vídeo abaixo publicado, houve ainda oportunidade para falar do esplendor do divino, que se acha no despojamento e no silêncio – longe vai a infância – e da ideia que Jorge Silva Melo tem de Deus.
O programa do ciclo “Deus – Conversas de Maria João Avillez” inclui entre os intervenientes dois candidatos à presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa (4 de novembro) e Maria de Belém (11 de novembro).
O selecionador de futebol Fernando Santos (18 de novembro), o escritor Pedro Mexia (25 de novembro), a fadista Carminho (2 de dezembro), o jornalista Henrique Monteiro (9 de dezembro) e João Taborda da Gama, professor de Direito (16 de dezembro) participam também na iniciativa.
Na próxima sessão, a 27 de outubro, a convidada é Assunção Cristas, ministra da Agricultura e do Mar. Os encontros, com entrada livre, realizam-se sempre às 21h30.
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
“Gosto do Deus do amor e do perdão, não da culpa”
A infância de Jorge Silva Melo marcou boa parte da primeira “Conversa sobre Deus” que encheu a Capela do Rato, em Lisboa. O cineasta contou como foi despertando para a fé católica. Numa família onde o pai “era o tradicional republicano, jacobino e mata-frades”, e a mãe mantinha “um catolicismo social, de baptizados, casamentos e festa”, acabou por ser influenciado pela rebeldia da irmã, 12 anos mais velha, e que era profundamente católica.
A passagem pelo colégio dos maristas, para onde foi com seis anos, não lhe deixou boas recordações, mas foi aí que ouviu pela primeira vez a história da transfiguração, que o marcou até hoje. “Deus fez-se homem, e há uma altura em que o homem vai revelar o seu esplendor divino”.
“É uma história que me encanta”, diz, e que também o fez amar o teatro: “Isto foi uma cena de teatro fantástica, lá no alto da montanha, Jesus chamou dois profetas, Moisés e Elias, ou seja, não só fez o teatro de si próprio, como fez o teatro histórico, trouxe as personagens históricas, aqueles que vieram antes dele, que O anunciaram.”
“Também é por causa desta história que a minha profissão nunca foi muito bem vista na Igreja, porque nós ousamos fazer aquilo que só Jesus pode, que é tranfigurarmo-nos”. E acrescentou: “Criador é só Deus e os artistas. Nós roubámos essa palavra, por isso nunca somos muitos bem vistos. Nós, os do teatro, somos sempre olhados um bocadinho de soslaio”.
O cineasta e encenador contou como também o marcou ter visto, ainda miúdo, o filme “Quo Vadis”: “Fiquei fascinado com aquele catolicismo primitivo, era uma religião que se opunha à religião dos poderosos que me era ensinada no colégio, castigadora, da culpa. Eu fiquei encantado com os pobrezinhos que estavam nas catacumbas”.
Houve também livros que considera fundamentais na sua vida, como as “Florinhas de São Francisco” e os de Simone Weil, que já lia em francês. “Percebi que era tudo muito diferente da religião que me era ditada, martirizada e crucificada no colégio”.
Nós na natureza, entre os outros animais, encontramos a lei do mais forte como nas nossas sociedades, mas há uma coisa que é típica do ser humano que é a vingança. Os animais não se vingam uns dos outros. Nós temos esse impulso dentro de nós. Temos o impulso não só individualmente mas como sociedade de descarregar a nossa fúria, o nosso medo, o nosso temor, a nossa fragilidade. Descarregarmos em cima de uma vítima que nós mandamos para fora dos nossos olhos.
É aquilo que um filósofo de inspiração fortemente cristã, René Girard, trabalhou muito no esquema do bode expiatório. Ele diz que é muito fácil embarcarmos nesta lógica e dá o exemplo de S. Pedro. S. Pedro, que conhecia Jesus muito bem e que devia defendê-lo, quando no momento da Paixão estão ali à volta da fogueira e Jesus é preso já se percebe que aquilo tudo vai acabar muito mal. Há uma criada do Sumo Sacerdote que diz: “Olha lá, tu não és um deles?”, ele diz: “Não, não sou, não conheço esse homem.” E nega Jesus por três vezes.
René Girard diz que este é o desejo mimético, nós ficamos com o desejo de imitar a multidão, a massa e não temos a força de cortar e dizer: “Não, é preciso fazer outra coisa. Não, ele não tem a culpa toda.” Nós não podemos descarregar a nossa responsabilidade num bode expiatório que escolhemos para ser ele a carregar com as nossas culpas e com aquilo que todos tínhamos a responsabilidade de fazer e não fazemos.
Nesse sentido, a tradição bíblica e cristã vai noutra linha, que é dizer assim: em vez de transferir a responsabilidade, nós assumimos a culpa, nós assumimos a transgressão, nós assumimos o pecado. Nós vemos isso quer no profeta Isaías, nesta figura misteriosa do servo do Senhor, quer no autor da carta aos Hebreus, que faz uma belíssima teologia, mas que ao mesmo tempo é quase impenetrável, difícil para os nossos conceitos, que é a teologia de Jesus Sumo Sacerdote, Jesus como aquele que faz o sacrifício da sua própria vida, e que, no fundo, é isto que nós repetimos em cada Eucaristia.
O que é que está por detrás disto? Está aquilo que para nós é mais fácil: é transferir, é culpar o outro, é dizer “Se não fosse isto, se tu não tivesses dito aquilo.” É sempre o outro que tem a nossa culpa. E este, o Servo, Jesus é aquele que assume sobre Si o peso de muitos, aquele que assume voluntariamente sobre Si as culpas, os pecados, as fragilidades.
Por isso Jesus inverte esta lógica, a lógica que nos coloca como adversários uns dos outros, a lógica da competição, a lógica que nos faz querer salvar a nossa pele – queremos lá saber de como o outro fica ou não fica. Jesus ensina-nos a quebrar com esta lógica e a dizer: “Não, sou eu que carrego a culpa, e sou eu que dou a minha vida pelos outros.” Esta figura do servo sofredor que se oferece a si mesmo para ser espancado, para carregar sobre si os castigos todos, é a figura do justo, a figura da vítima da história – mas a figura da vítima que nós, na nossa cultura dominante, não queremos ver, não queremos saber, pois as vítimas não têm lugar, as vítimas que não nos incomodem.
A experiência bíblica e cristã coloca a vítima como um modelo para nós. Por isso é que Jesus é a vítima de expiação pelos nossos pecados, como vai dizer a carta aos Hebreus : “Mas é Ele, Jesus enquanto vítima, Jesus enquanto assume Ele próprio, enquanto aceita dar-Se, que Se torna para nós o grande modelo, que Se torna para nós o grande sinal, o grande ensinamento, a grande lição.
Como é que nós somos chamados a ter fé? Como é que nós somos chamados a viver? Somos chamados a viver à maneira de Cristo, cortando com este impulso que é tão forte em nós, o impulso de culpar os outros, o impulso de nos vingarmos, o impulso de nos sobrepormos e aceitarmos fazer o inverso. Fazer o inverso que é aceitar a lógica da dádiva, a lógica do dom, a lógica do sofrer pelos outros, a lógica do serviço aos outros.
Quando estes apóstolos vieram ter com Jesus a dizer “Senhor, senta-nos um à Tua direita e outro à Tua esquerda” quem não gostava? Quem de nós não gostaria de estar sentado à direita ou à esquerda do Senhor na sua glória? Mas Jesus diz: “Não é isso que é importante, o importante é tu tornares-te o servo de todos e o último de todos, porque o Filho do Homem veio para servir.” Nós identificamo-nos com Jesus na medida em que nos despojamos de nós próprios, na medida em que desconstruímos esta lógica que há em nós de agressividade, de autodefesa, de sobrevivência, de afirmação pessoa, na medida em que desconstruímos e nos colocamos a servir, a aceitar ser o último. Quem é que aceita ser o último?
Nós pensamos: “É o último quem não tem hipóteses de ser o primeiro”, porque no fundo o importante é ser o primeiro. Mas Jesus diz: “Não, o importante é ser o último.” É alguma coisa que nos faz tombar, é alguma coisa a que nós dizemos “É absurdo.” A nossa carne grita outra coisa, a nossa vontade quer outra coisa. Nós queremos o sucesso, queremos triunfar, queremos afirmar-nos, e Jesus diz: “Queres isso? Então o caminho é este: é o caminho do serviço, é o caminho do apagamento, é o caminho da humildade, é o caminho da aceitação vitimária. Aceita tu ser a vítima, coloca-te tu no lugar da vítima, no lugar do mais fraco, no lugar do mais pobre, no lugar do excluído, coloca-te aí, coloca-te aí. E então, receberás o batismo que Eu vou receber, e tomarás o cálice que Eu vou beber.”
É muito belo este trecho da carta aos Hebreus porque diz-nos o seguinte: “Por causa disto (por causa do gesto de Jesus, que é um gesto em rutura com aquilo que a carne e o sangue nos ensinam, e com aquilo com que a nossa cultura nos vacina), por causa de Jesus, cheios de confiança, nós podemos ir ao trono da graça a fim de alcançarmos a misericórdia.”
A partir do dia 8 de dezembro deste ano de 2015, nós cristãos vamos começar o Ano Santo da Misericórdia. Na bula de convocação da Igreja para o Ano Santo, o Santo Padre diz três coisas fundamentais, no meu ponto de vista.
Primeiro: Jesus é o mestre da misericórdia, Jesus é o rosto da misericórdia de Deus. Precisamos de colocar os olhos em Jesus. Isto é um desafio para cada um de nós porque, se calhar, nós já vimos Jesus, mas ainda não O vimos. Isto é, ainda não vimos um Jesus capaz de falar à mulher e ao homem que eu sou em concreto. Não é Jesus que todos nós amamos e adoramos, mas um Jesus que me ensina a viver nas pequeninas coisas. Não é nas grandes coisas, na vida eterna, na salvação da alma, não é nas grandes coisas, é nas pequeninas coisas que Ele é o Mestre, que Ele me ensina a viver. Então é descobrir Jesus como mestre, como mestre da misericórdia.
Depois, descobrir como a misericórdia torna credível a fé. Isto é, eu não posso dizer que sou cristão sem a misericórdia. Por isso, o Santo Padre diz: “A Igreja fala de Jesus e fala de Deus com credibilidade quando ela usa da misericórdia.” Então, a misericórdia torna credível a nossa fé. Se há um cristão no qual eu posso confiar é um cristão misericordioso, que usa de misericórdia, que sabe o que é a misericórdia.
E a terceira parte é um grande desafio para a Igreja, mas para cada um de nós, que é o que Jesus manda os discípulos fazer: “Ide aprender o que é «eu quero misericórdia e não sacrifício». Ide aprender o que é que isto significa.” Eu acho que é uma tarefa para cada um de nós nas nossas vidas, na nossa forma de viver, nos nossos passos, nas nossas relações: “Ide aprender o que é que isto significa.”
Na preparação para este Ano Santo da Misericórdia é tão importante centrarmo-nos em Jesus, é tão importante perceber que a misericórdia não é a cereja em cima do bolo, é o próprio bolo. Não é apenas um ornamento, uma coisa: “Ah, é tão bonito! Se tu fores misericordioso então é um plus.” Não, não é um plus, se tu não és misericordioso, és uma fraude. Tu só serás cristão na medida em que a prova da misericórdia for uma prova ganha na tua vida concreta.
Por fim, essa coisa em aberto, porque a misericórdia não é uma coisa com cinco pontos, fazer isto, fazer aquilo, fazer aquilo, fazer aquilo. A misericórdia é uma criatividade, há uma fantasia. A misericórdia é vivida por cada um de nós, há-de ter expressões muito diversas, muito singulares. E é a isso que nós também somos convocados pelo Papa Francisco neste Ano Santo, para aprendermos o que é a misericórdia.
Que cada um de nós sinta isto como um desafio às portas do Ano Santo. O que é que significa? O que é que vai ser para mim este Ano Santo da Misericórdia? O que é que vai ser? Porque é que é que ele se vai tornar decisivo nas nossas vidas? Temos de nos ajudar muito uns aos outros, temos de rezar muito. Temos de rezar muito uns pelos outros, para que a misericórdia seja de facto uma arte que todos nós praticamos em beleza, em liberdade, em esperança.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXIX do Tempo Comum
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/10/16 – Caixas ofertório” open=”false”]Objecto de cerimónia encomendado por José Tolentino Mendonça para servir nas eucaristias da Capela do Rato. Caixa sólida, sem pegas, sem lados, sem direcções desenhada para passar de mão em mão. A sua pequena abertura para colocação das esmolas reivindica a concentração no momento da oferta. A superfície lateral única e contínua procura o sentido de comunidade.
Autor:
www.joaocarmosimoes.com
Ouvimos muitas vezes dizer que na nossa época faltam os mestres. Nós temos tantos especialistas, mais do que nunca a técnica e a ciência evoluíram, ganhando um espaço, um protagonismo, nas nossas sociedades. Mas faltam-nos os mestres capazes de fazer uma síntese, capazes de nos ajudar de uma forma verdadeira, sapiencial, a encontrar o sentido para aquilo que vivemos, o sentido para os nossos caminhos, para as nossas procuras e para as nossas histórias.
Eu não sei se nos faltam mestres ou não. O que eu sei é que cada um de nós é colocado perante a questão da sabedoria. Cada um de nós é chamada e é chamado a encontrar uma sabedoria para a sua vida. Isto é, a vida não pode ser apenas a soma das possibilidades que eu já tenho e estar a descontar dias num calendário. A vida tem de ser mais do que isso. Aquilo que ilumina, argamassa, dá conteúdo e alicerça a vida tem de ser uma sabedoria.
Sabedoria significa uma visão global da própria vida, não uma visão parcial. Significa uma visão de conjunto que abarque não apenas o agora mas a globalidade da nossa vida, não apenas o que nós fomos, o que nós seremos. Uma narrativa que seja capaz de conter o nosso nascer e o nosso morrer, a nossa vida e a nossa morte. E forneça uma luz que seja credível para nos iluminar. Nós precisamos de uma sabedoria, senão vivemos às cegas. Senão vivemos ora dando uma importância excessiva a isto, ora agarrando-nos àquela paixão, ao último entusiasmo, e acabamos por ficar reféns ora das nossas ilusões, ora das nossas frustrações. Mas falta-nos um alicerce, falta-nos um caminho, um caminho seguro, um caminho claro que vamos encontrando, construindo, aprofundando em cada dia. As leituras de hoje falam-nos disso.
A carta aos Hebreus diz: “A sabedoria é a palavra de Deus que nós somos chamados a acolher nas nossas vísceras, na dobradiça dos nossos ossos.” Isto é, nos pontos mais verdadeiros da nossa condição humana, nós somos chamados a receber a Palavra. A Palavra não é apenas um dispositivo teórico e ideológico que nós vamos construindo, uma série de convenções rituais que nos ajudam confortavelmente a viver, mas a palavra argamassa a mulher e o homem que nós somos.
A primeira leitura do livro da Sabedoria usa um sinónimo, em vez de Palavra de Deus usa o termo “sabedoria” e apresenta-nos o Rei Salomão. É um texto muito belo este que nós lemos, porque Salomão foi o rei mais poderoso de Israel, aquele que construiu o Templo, que viveu numa condição de prosperidade e paz política como nenhum outro rei. Salomão diz: “Eu preferi às riquezas e aos cetros a sabedoria. Ela para mim foi sempre a estrela, a coisa mais importante.” E é, no fundo, essa questão que nos é colocada: Qual é o nosso fio condutor? Qual é o nosso fio condutor? O que é que nós seguimos? Qual é a finalidade que nós sentimos para a nossa vida? Porque é importante isso estar explicitado para cada um de nós.
Não pode ser apenas chegar lá por intuição ou às apalpadelas. Não, cada um de nós tem de dizer: “O sentido da minha vida é este, aquilo que eu procuro é isto. Mais ou menos, na incerteza das minhas possibilidades, mas é isto, é isto que eu procuro. E, se eu procuro isto, então eu vou viver numa coerência, eu vou dar consistência aos meus próprios passos. Não posso acreditar numa coisa e viver de uma forma completamente contraditória com aquilo que eu persigo, com aquela sabedoria que eu identifiquei. Mas as nossas vidas são chamadas a fazer uma coisa só com aquele núcleo de verdade fundamental que para nós é a nossa âncora, é a nossa chama, é a nossa estrela.
O Evangelho dá-nos um caminho e conta-nos este encontro de Jesus com este homem bom. Este homem que procurava cumprir, procurava realizar, procurava acertar desde a sua juventude, vivia energicamente a dizer um sim. Isso era verdade nele. Quando Jesus lhe diz:
“ – Tu sabes os mandamentos, cumpre-os. Isso é um caminho.”
Ele diz:
” – Eu já tenho cumprido tudo isso desde a juventude.”
Jesus olha para ele e olha com simpatia, vê que é verdade – há ali uma situação de empatia. Jesus estava perante alguém que fazia da sua vida uma obra sábia, uma obra sapiente, uma obra de respeito. E tem simpatia por ele. Mas diz-lhe esta palavra: “Falta-te uma coisa, falta-te uma coisa.” Porque mesmo nas vidas que parecem acabadas e completas falta uma coisa.
É interessante que muitas vezes no Evangelho, e aqui se vê o jeito sapiencial de Jesus, Jesus é um verdadeiro mestre das nossas vidas, muitas vezes Ele deixa-nos com uma frase assim. No episódio de Marta e Maria, por exemplo, Jesus vira-se para Marta atarefada, só a pensar no fazer, no fazer, e Jesus diz: “Marta, Marta só uma coisa é necessária.” E isto é uma chamada ao contrário das nossas dispersões. Fazemos isto e aquilo, e aquele outro, e só uma coisa é necessária. A pergunta é se nós estamos a fazer em cada momento a coisa necessária, e se nós estamos a optar pela coisa necessária, a dar-lhe a prioridade devida. Hoje, Jesus diz uma outra coisa, diz: “Falta-te alguma coisa.”
A verdade é que a cada um de nós falta alguma coisa. Falta fazer, falta sobretudo ser alguma coisa. Não podemos pensar na nossa vida como um parque de estacionamento onde já chegámos e vamos vivendo mais ou menos, com maior esperança, com maior inocência ou com maior cinismo. Vamos vivendo a nossa vida porque já sabemos tudo o que vai ser. Não, “falta-te uma coisa”, e se queremos levar esta aventura humana até ao fim falta-nos uma coisa. Jesus para aquele homem diz-lhe: “Falta-te uma coisa: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, vem e segue-Me com maior radicalidade.”
Porque não há liberdade sem desprendimento, não se pode pensar que a liberdade nos é dada. Não, a liberdade não nos é dada, a liberdade é conquistada, é conquistada. Ninguém nos dá a liberdade. Podem-nos dar uma liberdade de fora, um quadro da liberdade, mas nós podemos estar completamente presos e manietados num quadro de liberdade, ou num quadro libertário até. A liberdade é conquistada e a liberdade, antes de tudo, é uma atitude interior. Porque nós vemos na primeira geração dos cristãos, eles estavam presos, acorrentados e estavam livres. E S. Paulo escreve a Timóteo: “Ninguém põe grilhões na palavra de Deus. “ Isto é, nós podemos estar numa prisão e estar livres, porque a liberdade não é um condicionalismo exterior, a liberdade é uma conquista do nosso coração.
E como é que a liberdade se conquista? Eu não conheço outro caminho senão pelo desprendimento. Pelo amor, pelo abandono, pela entrega, pela convicção, pela fé, mas também pelo desprendimento. Para eu escolher uma coisa tenho de deixar outras, não posso levar tudo. A vida espiritual não é um grande carro de mudanças, é uma bicicleta. O homem e a mulher espiritual andam de bicicleta, não andam de camião a querer levar tudo atrás de si. Nós temos de carregar connosco aquilo que cabe numa bicicleta, a vida mínima, o essencial. Mas isso é uma escolha, é uma escolha difícil de fazer porque nos prendemos verdadeiramente, há prisões.
Nós vemos, por exemplo, com os ricos. Podíamos pensar que quem tem muito dinheiro a dada altura deixa de preocupar-se com dinheiro. É o contrário, quem tem muito dinheiro só pensa em dinheiro, e torna-se obcessivamente preso àquele dinheiro. Quem tem muito quer ter ainda mais, não quer partilhar, não quer fazer alguma coisa com aquilo – salvo raras, honrosas, generosas exceções. Mas isto que Jesus critica, estes ricos que podemos ser nós, que pode ser a riqueza material e as outras riquezas existenciais que transportamos, estes ricos são aqueles que ficam presos, fazem do que têm a sua prisão. Esta arte do desprendimento, como arte espiritual que nós temos de praticar, é fundamental.
Depois, o outro passo que Jesus nos ajuda a dar é o passo da dádiva, do dom: “Vende tudo o que tens.” Isto é, “desprende-te.” Cada vez mais radicalmente, e nós sabemos que é assim, temos que nos desprender mais para ser mais livres, senão não experimentamos uma verdadeira liberdade e uma verdadeira sabedoria.
Mas depois, nós desprendemo-nos para viver a experiência da dádiva, a experiência do dom, do dom. A nossa vida fica como o pão duro no saco, que acaba por ser deitado fora, se nós não colocamos esse pão sobre a mesa. Isto é, se nós não nos colocamos como o pão sobre a mesa para que os outros comam. Aquilo que nós não damos, perde-se. Nós só possuímos, nós só encontramos, nós só somos a vida dada, a vida partilhada, e é essa a grande lição de Jesus. Ele está todo neste pão que nos oferece como alimento. A vida de cada um de nós é chamada a ser dom, dom. Uma vida onde não há dádiva é uma vida que está a perder-se, é uma vida que é vivida sem a sabedoria de Jesus. Nós temos de redescobrir o dom na nossa vida – o dom, o serviço, a oferta, o comprometimento, o empenho. Aquele ícone do lavar os pés uns aos outros, que S. João nos dá na última ceia, deve ser a imagem que cada um de nós persegue.
Depois Jesus diz: “Dá aos pobres, aos pobres.” Há um encontro com os pobres que todos nós somos chamados a ter. A pobreza entendida de diversas formas, é verdade. Mas cada um de nós tem de ter um encontro com os pobres.
Eu lembro-me (penso já ter contado esta história) de uma pessoa que conheci que teve uma carreira política, internacional, académica absolutamente notável, distintíssima. Ele, quando se reformou, disse-me: ”Padre Tolentino, a minha vida tem sido uma vida realizada, cheia, só tenho a agradecer. Mas falta-me uma coisa, e que toda a vida, em todos estes cargos que eu tive, nunca tive a oportunidade de fazer: encontrar-me com os pobres.” Ele passou de um cargo internacional muito importante para a Conferência Vicentina da sua paróquia, para ir ao encontro dos pobres. E, neste homem, nós reconhecemos um cristão, reconhecemos um cristão. Porque é preciso uma liberdade enorme e um ouvir continuamente no seu coração esta Palavra de Jesus: “Falta-te uma coisa, falta-te uma coisa.” Ele sabia que lhe faltava ir ao encontro dos pobres.
Esse encontro não é um encontro que nós podemos não realizar. Há uma página do Evangelho que os pobres guardam, escrita nas suas vidas. E se nós a quisermos ler, temos de os servir, temos de os encontrar, temos de os acolher, temos de os ouvir para entender essa página do Evangelho.
Depois, Jesus diz: “Feito isto, vem e segue-Me.” O seguimento de Jesus é assim um seguimento que transforma a nossa vida. Nós não podemos pensar que estamos a seguir Jesus e a nossa vida contínua incólume, continua a mesma, continua a vida que a gente quis, a vida que a gente escolheu, a vida que a gente sonhou. Bem-aventurados aqueles a quem a vida deu o que eles não sonharam, que tiveram de viver o que eles não pediram, que tiveram de gerir aquilo que eles não estavam à espera. Mas a abertura, a hospitalidade, a esse inesperado da vida, a isso com o qual não contávamos mas temos de amar, temos de abraçar, temos de servir é que nos torna seguidores de Jesus.
Queridas irmãs, queridos irmãos, há uma sabedoria que é o próprio Jesus. Jesus é a sabedoria do Pai. Nós precisamos de olhar para Jesus não apenas como o nosso salvador que deu a vida por nós, que dá a vida por nós, mas temos de olhar para Jesus também como a nossa sabedoria. Isto é, o nosso mapa, o nosso mapa. Todos os dias nós somos viajantes, somos peregrinos, Jesus é o nosso mapa nas atitudes de viver, nas escolhas mais simples ou mais decisivas da nossa vida, Jesus dá-nos o critério, Jesus dá-nos a chave. Nesse sentido, passo a passo, todos juntos, caminhamos.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXVIII do Tempo Comum
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[/vc_toggle][vc_toggle title=”2015/10/04 – A família é um laboratório do nosso futuro” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
Esta manhã, em Roma, o Papa Francisco celebra a missa de abertura do Sínodo sobre a Família, que vai reunir 270 bispos do mundo inteiro, representando as igrejas do mundo, e vários peritos, especialistas, que vão assessorar os bispos, entre os quais dezoito casais.
Nós sabemos como este Sínodo é uma segunda etapa deste acontecimento que o Papa Francisco quis promover para aprofundar a teologia da família, o significado da família no mundo contemporâneo, e para pensar no interior da Igreja o que é a beleza da missão da própria família, ao mesmo tempo meditando sobre o modo como a Igreja há de exercer o seu ministério da misericórdia sobre as feridas, as vulnerabilidades, as fragilidades da própria família.
Ainda ontem o Santo Padre, na vigília na Praça de S. Pedro, dizia precisamente isso: “Este Sínodo é, por um lado, para todos termos mais claro a beleza da família. O que significa a família, a sua importância na história de cada um de nós, no futuro da Humanidade. A família é um laboratório do nosso futuro. Por isso a família tem de ser redescoberta, a família tem de ser celebrada na sua vocação e na sua missão. E ao mesmo tempo, termos uma atenção misericordiosa para com as fragilidades da família, as vulnerabilidades da família.”
E não há família que não seja atravessada pelo mistério da fragilidade humana. O Santo Padre dava como exemplo precisamente a família de Nazaré. José e Maria e Jesus, eles são o modelo da família. E é um modelo de uma família difícil, uma família com muitos problemas. Mas eles encontraram, na capacidade de estar uns com os outros, de se amarem, de se reconhecerem, de se descobrirem mesmo naquilo que não compreendiam uns dos outros, um caminho. Os Evangelhos dizem-nos, por exemplo, continuamente, que Maria e José não compreendiam o que Jesus estava a fazer. Mas aquilo que não se consegue compreender também é património da própria família, e é preciso amar e saber integrar isso.
De maneira que é uma etapa muito importante este mês de outubro, e nós somos todos chamados a rezar pelo Sínodo dos Bispos, a pedir o dom do Espírito Santo. Porque sabemos ao mesmo tempo como há as divisões e as dificuldades em encontrar um caminho comum que seja um caminho verdadeiro de comunhão.
E aí, de facto, a Palavra de Deus é uma palavra inspiradora para nós, porque Jesus tem uma palavra que coloca as coisas na sua verdade essencial. Reparem, segundo a Lei de Moisés, o homem, e só o homem, podia passar um certificado de divórcio para separar-se da mulher. Só o homem podia fazer isso. E não havia, no interior da relação conjugal, nenhuma paridade. Era uma sociedade patriarcal, quem mandava verdadeiramente era o homem. E quando fazem a pergunta a Jesus, Jesus estabelece uma paridade. Diz que o homem a mulher estão ao mesmo nível, estão numa equivalência no interior da relação conjugal.
E faz mais, retira o matrimónio da Lei. Não é a Lei de Moisés que decide sobre o matrimónio, mas Jesus vai à criação: Pergunta ao teu coração o que o matrimónio deve ser. Isto é, Jesus faz remontar à ordem da criação, ao gesto inicial do criador, o encontro que na família se vive. Essa é, de facto, a citação que Jesus faz do livro do Génesis que hoje nós lemos: O homem está no meio da criação, ele dá nome a todas as coisas, mas o homem sente-se só. Sente uma solidão fundamental porque o coração humano precisa de uma conjugalidade. E quando Deus interroga o homem, o homem diz a Deus que precisa de uma “ezer”. As traduções são sempre muito rebuscadas, desde “eu preciso de uma auxiliar” ou “eu preciso de uma assistente”. Mas, verdadeiramente, a palavra “ezer” o que quer dizer é “eu preciso de alguém que olhe nos olhos”. Isto é, o homem olha para a criação de cima para baixo, sente que é diferente dos animais, sente que é diferente das aves, mesmo tendo a missão de ser pastor de todas as coisas e não dominador. Mas o homem sente-se só porque precisa de alguém que olhe nos olhos.
E, por isso, a conjugalidade não é fruto de uma lei, antes de tudo é fruto de uma reivindicação, de uma incompletude que o homem vive no seu coração. Há essa imagem poética extraordinária em que Deus adormece Adão, e quando Adão acorda Deus coloca-lhe Eva, essa “ezer”, diante dele. Então ele diz esse que é um dos primeiros poemas hebraicos, e que é um poema de uma extraordinária beleza: “Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne.” É um poema extraordinário porque mostra o ligame vital que a conjugalidade é chamada a exercer.
Mas nós sabemos, queridos irmãos, que no Cristianismo primeiro vem a dogmática e depois vem a moral. Primeiro vêm as verdades da nossa fé e depois nós temos de fazer uma hierarquia das verdades da nossa fé. A coisa mais importante é acreditarmos que há um só Deus que é misericórdia, que Jesus é o Seu Filho enviado, que Ele veio para dar a vida por nós e não Se envergonha da nossa fragilidade, da nossa imperfeição, do nosso inacabamento, e que nos enviou o Seu Espírito que vive no meio de nós, que vivemos em Igreja e caminhamos no tempo e na história. Esta é a verdade fundamental da nossa fé. A ética deve ser uma expressão, uma tensão, para vivermos na nossa vida concreta esta fé que professamos. Mas Deus leva-nos ao colo em todas as situações.
E por isso, o debate é apenas uma parte do sínodo porque o fundamental é descobrir, aprofundar, o sentido da família, o seu significado, celebrar a família no mundo contemporâneo – onde nós sabemos que é tão difícil porque toda a nossa cultura é uma cultura muito mais instantânea, muito mais precária, onde tudo parece durar o tempo de duração de um iogurte. A tendência é levar isso, também, para as relações mais fundamentais da vida. Nós sabemos como é preciso contrariar uma cultura que nos desumaniza, porque se o homem não é capaz de eterno, o homem não é capaz da sua humanidade.
Nesse sentido, há uma tensão que o cristianismo introduz na nossa humanidade que é importante que permaneça, mesmo que isso represente uma espécie de contra cultura, um ir contra a tendência dominante. Mas, ao mesmo tempo, nós sabemos como as relações humanas e a nossa própria humanidade são uma humanidade ferida. Ela própria é um enigma, ela própria é um mistério e, como sabemos, antes de tudo o que a Igreja tem de testemunhar é o rosto misericordioso de Deus.
Aqui nós temos de rezar, temos de rezar porque as feridas existem, nós não podemos enxotá-las para debaixo do tapete. Os problemas em relação à família são problemas concretos. Se calhar, o discurso de uma época não serve para outra época. E temos de viver com verdade, com autenticidade, este ministério de compaixão e de amor que Jesus nos manda, nos pede viver. Só assim somos fiéis a Jesus.
E nesse sentido, todo este esforço por reconhecer como uma parte significativa dos casamentos que se celebram catolicamente não são válidos. E não são válidos simplesmente porque as pessoas não estão preparadas para assumir, as pessoas não têm consciência do que estão a fazer. Casam cedo de mais, precipitam-se, não fazem um discernimento espiritual. É preciso também reconhecer que muitos casamentos falharam porque tinham tudo para falhar. E é preciso ir em socorro, é preciso perceber essa situação, e esclarece-la do ponto de vista do Evangelho.
Nesse sentido, esta agilização que o Papa Francisco faz da anulação do matrimónio, reconhecendo que o bispo local, o bispo de cada diocese, tem também um poder de juiz, e por isso os processos de verificação do casamento e da anulação passam a ser sobretudo diocesanos, na maior parte dos casos. Isso é um gesto muito importante da Igreja e de adequação à própria realidade. Quer dizer, a realidade é assim, é assim. E quando ouvimos as histórias de fracasso do matrimónio nós vemos aquele homem e aquela mulher que não tinham condições para viverem amplamente aquela missão que aceitam naquele dia, se calhar com a verdade que podiam naquele momento, mas não era a verdade capaz de sustentar as dificuldades e a complexidade de uma vida conjugal.
Por isso, é preciso ir ao encontro das vidas feridas, é preciso ir ao encontro com misericórdia. Nós sabemos que hoje a realidade, o fenómeno, a experiência, a condição da homossexualidade feminina e masculina ganhou nas nossas sociedades uma visibilidade que nós não podemos ignorar. As pessoas têm de viver e temos de escutar a voz das pessoas, temos de escutar o que elas vivem e temos de aprender, temos de acolher e temos de aprender, fazer um caminho com as pessoas. Porque, no fundo, nós muitas vezes pomos o dedo: “Este é este, aquela é aquela.” E nós ignoramos tanto da vida dos outros, do sofrimento dos outros… A verdade é que muitas vezes impomos cargas aos ombros dos outros que nós nem com um dedo as levamos.
Nesse sentido, temos de fazer silêncio e escutar. A Igreja também precisa de escutar, também precisa de ouvir a voz daqueles que muitas vezes não têm voz no meio de nós, e encontrar formas de diálogo, de acompanhamento. Isso é tão importante.
Aqui, na nossa comunidade, há uma experiência de cristãos homossexuais que se reúnem para rezar uma vez por mês na nossa capela. É tão importante dar esse espaço para que as pessoas rezem as suas vidas, para que as pessoas se confrontem com a palavra de Deus de uma forma que não seja para as julgar, para as condenar à partida. Mas, pelo contrário, para dizer que os homossexuais são nossos filhos, são nossos irmãos, são nossos amigos, são nossos companheiros de trabalho, são cristãos como nós, estão na nossa comunidade. Nós temos de encontrar um modelo pastoral, porque também é disso que se trata. Temos de encontrar um modelo pastoral onde a integração seja uma realidade mais vivida, e este ministério da compaixão que Jesus Cristo confia à Igreja seja um ministério praticado por todos nós.
Vamos por isso rezar ao Senhor, é uma hora muito importante da vida da Igreja este mês de outubro, não é um mês qualquer, é um mês importante, jogam-se coisas decisivas. O Santo Padre pediu aos bispos para falarem com liberdade. A palavra grega é uma palavra que vem muito no Cristianismo, que é “parrésia”. “Falem com parrésia”, isto é, falem com desassombro, falem com abertura, falem com verdade, digam o que pensam. Foi isso que o Santo Padre pediu aos bispos, aqueles 270 que estão ali, e pede à Igreja. Falemos com esta abertura, com esta simplicidade, com esta verdade para encontrarmos um caminho comum que tem de ser o caminho da comunhão.
A força da Igreja é a força da comunhão. Uma comunhão que se faz de diferentes ritmos, de diferentes experiências, mas uma comunhão que é um caminho comum à volta de Pedro, à volta daquele que é o que o Senhor colocou na linha da sucessão apostólica e que é o primeiro garante da unidade da nossa fé, da unidade daquilo que todos vivemos.
Queridos irmãs e irmãos, é assim um outubro muito belo este que temos pela frente, mesmo com a sua dificuldade, a sua cruz, mas onde é que há ressurreição sem se passar pela cruz?
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXVII do Tempo Comum
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Setembro
height=”10″][vc_toggle title=”2015/09/27 – Mas tu, o que é que vais fazer?” open=”false”]Queridos irmãs e irmãos,
Nós começamos a Palavra de Deus pela leitura do Livro dos Números, num texto muito curioso que tem a ver com uma teologia nem sempre dominante nas nossas perspetivas. Muitas vezes olhamos para a história como se o Espírito Santo fosse um monopólio de alguns, um dom especial que alguns têm. Muitas vezes, na forma de encararmos a história do mundo, a história da Igreja, o próprio presente, nós achamos: Ah, fulano é que tem o Espírito, aquele é que tem o Espírito, aquele outro é que tem o Espírito.
É interessante que esta teologia exodal dos Números faz eco. Diz-nos que o Espírito Santo é um dom muito democrático. Isto é, é repartido pelos setenta e dois anciãos de Israel. Isto é, o dom do Espírito Santo não é o dom apenas do sacerdote, ou não é apenas o dom do profeta, não é apenas Araão e Moisés que recebem o Espírito Santo. O Espírito é distribuído a todos os anciãos de Israel. E mais, aqueles que não estavam no momento da oferta, da grande oblação quando os setenta receberam ao mesmo tempo o Espírito e ficaram por alguma razão no acampamento, o Espírito Santo também desceu sobre eles para lá das fronteiras do Sagrado.
Isto dá-nos uma visão muito mais rica do que é a vida, do que é a história. Porque, de facto, o Espírito Santo está derramado em todos nós, sem exclusão. E, cada um de nós é chamado a viver a sua vida exercendo esse dom do Espírito Santo que está em nós.
A própria espiritualidade cristã fala continuamente, por exemplo, da paternidade espiritual, da maternidade espiritual. Não é apenas a figura do padre que tem o monopólio da paternidade espiritual. A paternidade espiritual é a forma como somos amigos uns dos outros, como estamos próximos, como somos capazes de dar um bom conselho, como somos capazes de escutar, de acolher, de abraçar, de corrigir, de avançar, de alertar. Tudo isso é a paternidade espiritual. É uma missão que todos nós somos chamados a ter na vida uns dos outros. Maternidade espiritual o que é? É a capacidade de acolher, a capacidade de ouvir, mas também é a capacidade de por a caminho, a capacidade de fazer ver as coisas de outra forma, de nascer, de perceber aquilo que é importante e aquilo que é acessório.
Esta tarefa, que é a tarefa de trazer o Espírito ao mundo, gerar no mundo o Espírito, é uma missão que nos é confiada a todos, sem exceção. E não é sequer apenas aqueles que estão aqui no momento em que o Espírito desce. Há pessoas que estão nos acampamentos dispersos que são o mundo e neste momento estão a receber o Espírito Santo como nós estamos a receber. E têm de fazer alguma coisa com Ele.
Ainda ontem o Papa (que está neste momento em Filadélfia para o encerramento do Congresso Mundial das Famílias) falou na catedral de S. Pedro e S. Paulo em Filadélfia, numa homília muito breve mas lembrando uma das santas daquela diocese, Santa Catarina Drexel. É uma santa contemporânea que viveu o grande momento da Revolução do Proletariado e o nascimento da Doutrina Social da Igreja. Ela foi a Roma quando jovem militante católica e teve um encontro com o Papa Leão XIII. Expôs ao Papa a situação dos E.U.A, como é que ela via as coisas. Depois o Papa Leão XIII, um homem exercendo a sua paternidade espiritual, faz-lhe a pergunta chave. E a pergunta chave é esta: “ E tu, o que é que estás a pensar fazer?” Esta foi a pergunta de que ela não estava à espera. E foi esta a pergunta o ponto de partida para uma vida toda ela transformada, toda ela habitada pelo Espírito.
É assim, nós somos ótimos no diagnóstico. Todos nós temos um diagnóstico sobre a nossa família, sobre nós próprios, os nossos amigos, a nossa sociedade, a política, este e aquele… Somos ótimos no diagnóstico. Mas tu, o que é que vais fazer? O que é que te propões fazer?
No fundo, é este apelo muito grande a cada um de nós ser profeta. E ser profeta não é apenas: Ah, mas eu não sei nada de exegese bíblica, como é que eu vou ser profeta? A profecia desenvolve-se nos campos mais diversos, e em todos eles é preciso profetas.
Por exemplo, S. Tiago: quando nós comparamos Tiago com Paulo parece que se está a comparar uma águia a uma galinha. Porque Paulo voa, Paulo sabe de teologia, Paulo vai para trás e para a frente no Antigo Testamento, Paulo inventa palavras. Paulo é um génio! Paulo é uma águia! S. Tiago parece que só anda ao rés da terra, parece que não consegue levantar voo. Lutero dizia que aquilo é a carta da palha, porque aquilo de teologia, quando nós vamos ali à procura de um grande pensamento, não encontramos. Mas a carta de Tiago é uma carta fortíssima do ponto de vista profético e é um grande manifesto de um cristianismo social. Na vida social o que é que nós podemos fazer?
Por exemplo, na forma como lidamos com o dinheiro. Como é preciso profetas na forma como se lida com o dinheiro! Porque nós sabemos como o dinheiro é por um lado importante, como ele é um instrumento necessário. Mas sabemos como o dinheiro se torna um deus, como o dinheiro ocupa o lugar do fundamental no coração. E sabemos como o dinheiro corrompe. Porque nós pensamos: aqueles que têm muito dinheiro chegam a um ponto e tornam-se generosos. Não, não se tornam. Porque o dinheiro dá vontade de ter mais dinheiro e depois é uma lógica infernal. É uma lógica infernal. E é preciso saber parar. É preciso saber sempre perceber como o dinheiro é um instrumento para uma vida protegida, para uma vida assegurada – “assegurada” entre aspas, “protegida” entre aspas, porque vivemos todos no desabrigo da vida, mas pronto, dá possibilidades de desenvolvermos tantas coisas importantes. Mas não é só aquilo, aquilo não basta. E, sobretudo, se for apenas para viver em função de nós próprios, para reforçar o nosso egoísmo, o nosso narcisismo, a nossa incapacidade de ir ao encontro dos outros, o dinheiro foi uma oportunidade perdida, foi uma oportunidade perdida.
E por isso, as palavras de Tiago são palavras muito fortes. Nós vemos na nossa sociedade, neste crash a tantos títulos que é vivido, nós descobrimos que o dinheiro serviu para quê, àquela pessoa? Não a tornou melhor pessoa, tornou-a um joguete nas mãos de paixões tão mesquinhas, tão vulgares. Para que é que lhe serviu aquilo? No fundo, essa pergunta, é uma pergunta para nós. Para que é que nos serve aquilo que temos? Para que é que nos serve? Que destino nós estamos a dar? Que finalidade?
Porque é preciso dar uma finalidade, e é preciso perceber aquilo que o Papa João Paulo II dizia muitas vezes: “Sobre os nossos bens recai uma hipoteca social.” Isto é, o que eu possuo não é só para mim. Eu tenho de perceber que uma parte é legítima, temos direito a isso, é bom, é um dom que Deus nos deu, que a vida nos deu. Mas não é para nos trancarmos nele, é para fazermos dele um caminho que tem de ser um caminho evangélico, tem de ser um caminho de amor. E tu, o que é que vais fazer? Nós precisamos de profetas neste campo. No campo da economia, no campo da vida social, no campo dos bens, no campo da gestão. Precisamos aí de profetas, de gente que seja capaz – precisamos de profetas na vida.
Hoje Jesus fala numa linguagem muito clara de como nós somos a nossa própria obra e como temos de ter uma transparência na nossa vida. Jesus quando diz: “Se a mão é para ti ocasião de pecado corta-a, se o olho é para ti ocasião de pecado arranca-o.” Não é para tomar do ponto de vista literal, não é para cortarmos a mão, cortarmos o pé e nos cegarmos. Mas é: corta aquilo que parece que é a tua mão, que tu consideras a tua mão, e no fundo te está a levar por um caminho de perda, de queda, de dispersão. Ser capaz de tomar decisões, é no fundo isso que Jesus está a dizer. Decisões humanas, decisões morais, decisões éticas que tornem a nossa vida alguma coisa onde nos reconhecemos, onde olhamos e percebemos que há uma coerência, que há um sentido.
É claro que isso é muitas vezes como cortar um pé. Por exemplo, em relação aos nossos vícios, apegamo-nos tanto a eles, seja um vício idiota qualquer que nós tenhamos, mas habituamo-nos tanto a ele como se fosse o nosso olho. É um terceiro olho, é um terceiro pé. E cortar aquele vício muitas vezes dói como se cortássemos a própria mão, mas é uma libertação. Podemos dar a volta ao mundo e voltar mas só há uma maneira de nos libertarmos: é aceitarmos morrer para nós próprios. Só há uma forma de liberdade, é alguma coisa política, mas antes de tudo é alguma coisa pessoal. Como é que eu vivo com liberdade a vida?
Não tenhamos dúvidas, não há liberdade sem desapego, não há liberdade sem morte para o próprio eu, não há liberdade sem relativização de si, não há liberdade sem deixar coisas para trás. Não há, não há. Se eu quero carregar tudo, eu fico amarrado àquilo.
No fundo isso que Jesus nos diz: “Sê profeta na tua própria vida, sacode a poeira, não fiques preso a coisas idiotas, coisas que não ajudam ninguém a crescer. Se calhar tu já percebeste isso mas é uma bengala que te dá jeito, mas se calhar a vida começa quando tu deixares isso.” É profetas assim, no concreto da vida, no concreto da história, que nós somos chamados a ser.
“Quem me dera que todos no meu povo fossem profetas.” Esse grito de Moisés é um grito para nós, para cada um de nós. Porque o Espírito é-nos dado abundantemente, abundantemente: e nós, o que vamos fazer?
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXVI do Tempo Comum
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