Advento 2020

Como pessoas de esperança, a nossa existência crente experimenta-se como Advento, caminho de futuro, espera do Deus que vem: «Eu sou Aquele que vem» (Ap 1,8). Deus vem cruzar e habitar os nossos caminhos, complexos, dramáticos e sinuosos; e nós vamos ao seu encontro, de lâmpadas acesas, vigilantes na noite. Nas belas e precisas palavras de Simone Weil, é a «espera de Deus», de um Deus que nos espera, de nós que esperamos, de atenção concentrada, os sinais discretos, quase impercetíveis, da sua vinda.

No rico tecido, a várias cores e texturas, da liturgia da Palavra dos domingos do Advento (do ano B), propomos um fio condutor como possível itinerário comunitário e pessoal. No primeiro domingo, partimos da leitura do profeta Isaías que dá voz e esperança ao desencanto do Povo de Deus. Há momentos e situações em que o céu nos aparece sem luz, densamente nublado e ameaçador. Fazemos nosso esse grito de desejo em prece, que pede sem exigir: «Oh se rasgásseis o céu e descêsseis». Ó Deus do silêncio. Vem, Senhor, moldar com a ternura de tuas mãos paternas as nossas vidas resistentes e tão vulneráveis.

Na incerteza do presente preparamos já os caminhos do futuro, sem o sabermos, sem o pressentirmos ainda. No tempo do exílio de Babilónia, um profeta anuncia que a dureza dos trabalhos vai acabar e um caminho novo se vai abrir no deserto: «abri na estepe uma estrada para o nosso Deus» (Is 40,3). Perante os obstáculos e angústias do nosso presente «exílio», também nós somos provocados por uma palavra que nos projeta para além dos nossos medos, dos nossos confinamentos e isolamentos: «aplanam-se as veredas escarpadas». O Senhor «vai-nos, de novo, reunir».

No tempo do Advento celebramos a Solenidade da Imaculada Conceição. Maria é a Senhora em Advento, a Mãe da Esperança. Também nós a queremos saudar: «Avé, cheia de graça, o Senhor está contigo» (Lc 1,28). Mas esta saudação é também dirigida a cada um de nós. Sintamo-nos visitados e saudados pelo Anjo. Aceitemo-nos engrandecidos por um Deus de ternura que nos visita nos lugares concretos onde a nossa vida se cumpre, entre dores e alegrias, impasses e recomeços. Maria ensina-nos a paciente sabedoria da espera.

No evangelho do terceiro domingo do Advento temos diante de nós a figura austera e indomável de João Batista, a voz que grita no deserto: «Endireitai o caminho do Senhor» (Jo 1,23). Com João Batista, possamos compreender a nossa vida como tensa e impercetível intercessão entre um tempo que chega ao fim e um outro que já começa. Possamos acolher a incerteza do tempo presente como viragem pessoal, civilizacional, eclesial. Tudo está a mudar, todos nos estamos a alterar. Somos uma humanidade em dores de parto. Mas uma dor marcada pela alegria da vida acontecer: «Vivei sempre alegres, orai sem cessar».

No quarto domingo, a liturgia coloca-nos de novo perante o mistério da Anunciação, já na densidade próxima do Natal. A Anunciação é, em Maria, o começo de um físico e corpóreo advento, a gestação do Menino: «Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus» (Lc 1,31). O Menino é o Filho eterno gerado nas entranhas de Maria, carne da sua carne. Como Maria, também nós queremos ser morada/casa para o Menino. Como expressão estética da vinda do Menino às nossas casas, somos convidados a fazer, com criatividade, o nosso presépio. Por isso, neste IV domingo do Advento serão benzidas as imagens do Menino Jesus que colocaremos nos nossos presépios.

No verso dos postais, inspirada no versículo bíblico selecionado, propõe-se uma oração para ser rezada na Comunidade, no final de cada eucaristia, e apropriada pessoalmente ou em família, em casa. As imagens, suaves e sugestivas, criadas pela artista Catarina Castel Branco, foram realizadas a acrílico sobre papel. Constituem colagens em papel japonês com serigrafia. Serviu de inspiração à autora os versículos bíblicos propostos como itinerário. Assim queremos dar cumprimento a um diálogo fecundo entre Palavra e Arte, num esforço iconográfico de imaginar e dar a ver uma palavra de esperança neste nosso Advento de 2020.

P. António Martins