Queridas Irmãs, queridos Irmãos

Louvemos o Senhor, como nos convida e convoca o Salmo da liturgia da Palavra deste domingo (Sl 146). Louvemos o Senhor com toda a nossa vida, pelas nossas qualidades, talentos, competências. Mas louvemos também o Senhor com as nossas fragilidades, fracassos, desencantos, doenças, operações, curas e recaídas. Em certos momentos ou fases da nossa vida, reconhecemo-nos nas palavras de Job: “Como o escravo que suspira pela sombra e o trabalhador espera pelo seu salário, assim eu recebi em herança meses de desilusão e couberam-me noites de amargura”. Nestas circunstâncias até a nossa oração vacila e, todavia, torna-se mais vital do que nunca. Nenhuma gota da nossa alegria e da nossa dor ficam fora do nosso louvor a Deus, expressão orante que sabemos tão pouco praticar…

O Senhor sara os corações atribulados. Liga as nossas feridas. A Deus corremos, pobres suplicantes, mendigos de cuidado, de consolação, de compaixão e de perdão. Louvemos o Senhor por cada estrela cintilante na noite. Mas também por cada gesto de cuidado, de cura, de tratamento, de ligadura de feridas. No meio das ferozes e cruéis guerras que estão a ser travadas, louvemos o Senhor pelos gestos corajosos de socorristas, médicos e enfermeiros que, no meio dos escombros e sem recursos, procuram trazer socorro e tratar das feridas de tanta gente. Deles é o Reino dos Céus.

O Deus da compaixão e do cuidado, o Deus compassivo de quem padece, é o Pai de Jesus Cristo. O Reino que anuncia, por palavras e em gestos, é o tempo novo da compaixão e da doçura. O tempo de graça que faz erguer quem está caído; devolve esperança e recomeço a que se sente perdido e sem força. O evangelho de Marcos narra a visita e a presença terapêutica de Jesus no reino desumanizante da dor humana. O seu toque cura, conforta; a sua mão faz erguer.

No domingo passado e hoje, pelo relato de Marcos, acompanhamos Jesus ao longo de um intenso dia de atividade, e era um sábado! No descanso sabático nem dos doentes se poderia cuidar. Para Jesus, a vida de qualquer pessoa está acima das mais sagradas instituições. Porque o sábado está ao serviço do Homem, e não o contrário. Os preceitos e os rituais religiosos devem estar ao serviço da vida, não sufocando-a com proibições e impedimentos. Vemos, no evangelho, bem expressa a novidade subversiva do Reino de Deus, a constituir permanente critério para o nosso julgar e agir.

Após a cura do homem com espírito impuro na sinagoga de Cafarnaum, Jesus e os discípulos dirigem-se para a casa de Pedro, ali ao lado. Na casa de Pedro a normalidade da vida está perturbada pois a sua sogra está de cama com febre. Esta situação banal é o contexto para Jesus visitar o reino da dor e do sofrimento, em que o corpo está debilitado e a vida corre riscos. Jesus devolve vida e saúde à casa de Pedro, reerguendo da cama a sogra: “Jesus aproximou-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los”.

Pegou na mão e “levantou-a”. Levantar-se ou ser levantado evoca o movimento da ressurreição: estar caído e ser erguido; estar a dormir e ser desperto. “E começou a servi-los”. A casa de Pedro torna-se casa de convívio, de acolhimento. O corpo da sogra de Pedro liberto da febre e da imobilização, torna-se corpo que serve, que cuida dos outros. Vida recuperada é vida que multiplica e amplia vida.

Mas também a casa de Pedro torna-se como que “hospital de campanha”. “Ao cair da tarde, já depois do sol posto, trouxeram-lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta”. Casa-hospital, Igreja-hospital de campanha, como nos convoca o Papa Francisco. Casa aberta à dor do mundo, casa de portas abertas. Encontramos aqui um símbolo que nos pode ajudar a fazermos de nossas casas um lugar de acolhimento e de consolo para quem sofre. Vencendo indiferenças, medos, alheamento. Vivendo atentos ao clamor da realidade, ao grito, por vezes, silencioso das pessoas nossas vizinhas.

Aqui na Capela do Rato, na celebração da eucaristia, praticamos um gesto que pode parecer estranho a quem participa pela primeira vez e desconhece a sua história: a bênção para quem o desejar. Pode parecer também um gesto litúrgico ambíguo, realizado pelo presidente durante o tempo da distribuição da comunhão. Este gesto tem a sua história. Começou por ser uma forma de acolhimento na eucaristia a pessoas que não podiam comungar, desenhando uma cruz na palma da mão. Realizado há mais de dez anos atrás, este gesto era uma ousada novidade pastoral que poucas comunidades se atreviam a fazer.

Essa foi a herança que recebi. Aprofundando o sentido pastoral das bênçãos, que não compromete a identidade eclesial e litúrgica dos sacramentos (um sacramental, não é um sacramento), acrescentei ao gesto a forma de bênção sobre a cabeça, com imposição das mãos e uma intenção silenciosa: “Senhor te abençõe e te conceda a paz”. Convido a receber este gesto não apenas quem não comunga, mas crianças, pessoas marcadas pela doença, pela tribulação… A bênção pretende ser um sinal de consolo. Expressa também uma dimensão de cura, à semelhança do gesto de Jesus para com a sogra de Pedro. Afirma a recente Declaração “Com Confiança Suplicante” (Fiducia supplicans), do Dicastério para a Doutrina da Fé, sobre a possibilidade de abençoar casais irregulares ou do mesmo sexo: “Concedida por Deus ao ser humano e outorgada por estes ao próximo, a bênção transforma-se em inclusão, solidariedade e pacificação. É uma mensagem positiva de consolo, de atenção e de alento. A bênção expressa o abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja” (FS 19).

Nos rostos das pessoas que recebem a bênção, tenho visto lágrimas de consolação, olhos transformados em fontes, rostos que saiem luminosos e a sorrir, a dizer um simples obrigado… Colocar as mãos sobre a cabeça de cada pessoa e abençoar, é dos momentos mais emocionantes da
celebração, porque é contato, encontro pessoa a pessoa. Reconheço e assumo todas as ambiguidades que este gesto possa ter: o ministro não distribui a comunhão e deveria fazê-lo; quem recebeu a comunhão não recebeu já a grande bênção que é o pão eucarístico?; é durante a comunhão o momento mais oportuno para a bênção? Aceitando todas as possíveis ambiguidades, mantenho este gesto de bênção sem hesitação. E também sem querer definir fronteiras objetivas para a sua receção. A bênção é para quem o desejar. É para todos e todas. É sempre um gesto pessoalizado na história da vida concreta de cada pessoa, ou de cada casal. É uma bênção que este gesto de bênção possa existir. E é uma bênção também para mim.

Recordo aqui o que o Papa Francisco escreveu na exortação apostólica Alegria do Evangelho, no início do seu pontificado: “A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do evangelho” (EG 114). E podemos ir à raiz da fundamentação teológica da bênção: a graça de Deus não depende dos nossos méritos nem da condição moral das nossas vidas; é puro dom gratuito. Por isso, citando de novo “Com Confiança Suplicante”, “quando as pessoas invocam uma bênção não se deveria submeter a uma análise moral exaustiva como condição prévia para poder conferi-la. Não se lhes deve pedir uma perfeição moral prévia” (FS 25). “Buscar a bênção na Igreja é admitir que a vida eclesial brota das entranhas da misericórdia de Deus e nos ajuda a seguir adiante, a viver melhor, a respeitar a vontade de Deus” (FS 20).

Uma bênção não se recusa a ninguém, seja qual for a sua situação. É sinal que na origem da experiência crente está a graça, o incondicional amor do Pai dado a nós no dom da vida de Cristo. O Senhor quer tocar as nossas feridas, sarar os nossos corações dilacerados, encorajar a nossa frágil existência. Por isso imploramos, com confiança suplicante, a sua bênção de Pai, que nos consola, perdoa e encoraja.

Pe. António Martins, Homilia no V Domingo do Tempo Comum