Cardeal José Tolentino Mendonça, 24 de outubro de 2022

Senhor Patriarca, querido Capelão, Sacerdote e Diácono, querida Rita, queridos filhos, netos, irmãos, família, queridos irmãos e irmãs:

Nós ainda estamos na surpresa deste acontecimento que nos deixa de mãos vazias e sem palavras. Mas, necessariamente, em relação com aquilo que está a acontecer, porque no mistério da vida e da morte algo de decisivo se joga, e algo de decisivo é inscrito como verdade no nosso coração. E é essa verdade que não abala, que não se esfuma, essa verdade que permanece e é a essa verdade que hoje nos agarramos para celebrar a vida, para agradecer a vida, para reconhecer a vida, para fazer o elogio da vida.

E o Zé Alberto liga-nos a essa verdade que em Cristo ficou escancarada, ficou dita no alto da cruz, no sepulcro vazio, essa verdade de uma vida que não morre, de uma vida que não é sequestrada pelos sepulcros, mas é uma vida nova, uma vida aberta, uma vida que Deus Pai assume como uma vida para sempre. E o Zé Alberto foi, é como intercessor junto de Deus será, para todos nós uma ponte. E será, não como uma coisa nova, será porque ele sempre foi assim no meio de nós. Nestes 50 anos na Capela do Rato, mas nestes 70 anos da sua vida, nos vários contextos, antes de tudo, na sua querida família, mas depois nesta família alargada que é a Igreja, que é a comunidade, que é a cidade dos Homens, são os vários lugares por onde o Zé Alberto passou, cresceu, maturou, descobriu a sua vocação, testemunhou; e deixa no nosso coração, de facto, esta impressão profunda de que conhecemos um cristão.

No Zé Alberto nós vimos espelhado algo de fundamental que nos recorda o Evangelho, que nos liga de uma forma muito viva ao Evangelho e isso é uma coisa extraordinária que nós queremos agradecer. E, o modo como ele o fazia, a partir do seu jeito, tranquilo, sereno, sempre a querer ajudar com um sentido de disponibilidade e de paternidade para com todos. Ali o testemunho do Francisco, que está escrito nos livrinhos, mas todos podemos sentir que o Alberto foi pai. Foi pai de todos nós, foi pai nesta comunidade, exerceu aqui a paternidade espiritual e tocou-nos a todos, tocou a muitas e a muitos. Isso, para nós, é uma lição é alguma coisa da qual queremos fazer tesouro, queremos acender como alguma coisa de que nos orgulhamos ter vivido, ter compartilhado com o Zé Alberto, isso é a coisa mais importante. E é isso que nos ajuda a olhar para este caixão, não como alguma coisa que interrompe uma viagem, mas como um fragmento de um mistério maior, que ele já experimentou, já viveu enquanto estava aqui, no meio de nós.

A primeira leitura da Carta aos Efésios, é uma leitura muito interessante. Porque mostra-nos como S. Paulo, que é sem dúvida aquele que nos deixou o primeiro tratado de eclesiologia, do mistério da Igreja, disto que é a Igreja, mas ao mesmo tempo, S. Paulo não tem uma visão ideológica da Igreja ou abstrata da Igreja. Para S. Paulo a Igreja faz-se, a Igreja constrói-se, a Igreja é feita de mulheres e de homens, a Igreja são os Cristãos que a vivem, que a experimentam na sua vida, nas vicissitudes da história até ao fundo, que a traduzem como fraternidade, que a exemplificam como mistério de comunhão.

E neste capítulo quarto da Carta aos Efésios que nós lemos, S. Paulo diz, de uma forma muito concreta, o mapa que nós devemos seguir, no fazer a Igreja, no construir a Igreja. E ouvir estas palavras: sede bondosos, sede misericordiosos, procurai compreender, viver, mas harmonizar os conflitos, procurai viver no acolhimento, imitai na relação uns com os outros a Deus. Nós ouvimos estas palavras e estas palavras não são uma abstração no nosso coração, estas palavras têm quem as traduza, têm quem as exemplifique. E, sem dúvida, o Zé Alberto foi um construtor de comunidade, é um tratado de eclesiologia prática. Porque ele mostrou, em cada dia, em cada domingo, em cada encontro, em cada serviço, em cada pessoa que ele acolheu aqui na comunidade, mostrou isso, mostrou a beleza concreta da Igreja.

E isso para nós é uma grande responsabilidade, termos visto isso acontecer responsabiliza-nos a todos em relação ao futuro. Porque a vida do Zé Alberto não é o passado da comunidade, ele habita o futuro, ele abriu e sinalizou profeticamente o essencial daquilo que nós somos chamados a viver sempre e a transportar para o futuro.

E isso é sem dúvida uma certa qualidade de relação, que às vezes é sempre o mais difícil. Seja na pequena comunidade, nas comunidades maiores, às vezes o mais difícil é a relação. É em torno às ideias nós estamos de acordo, mas depois as relações enfraquecem, perdem qualidade, perdem afeto, distanciam-se, esboroam-se; e alguém que é uma sentinela da qualidade das relações é de facto alguém que tem um dom muito especial, porque é um tecedor de unidade, é alguém que nos dá o gosto de estar juntos, é alguém que exemplifica a alegria do pai que vai ao encontro do filho pródigo.

Nesta comunidade o Zé Alberto descobriu e viveu o seu ministério como diácono. E foi muito belo ver como ele exemplifica o que é uma igreja ministerial, uma igreja viva, uma igreja onde o laicado tem de facto um papel protagonista, onde os batizados são protagonistas. E depois a diversidade dos carismas. Quando ele se tornou diácono nós sentimos que, de alguma maneira, ele já o era, que de alguma maneira a sua vocação foi uma gestação da própria comunidade. E quando ele assumiu e lia para nós o Evangelho, não era uma coisa que caía de paraquedas. Não, ele lia o Evangelho porque, de tantas maneiras, nos encontros, nos gestos, nos olhares, na forma de gerir a comunidade ele leu-nos o evangelho. E isso nós queremos também lembrar nesta eucaristia, receber como legado, como herança que ele nos deixa e sentirmo-nos muito responsabilizados, iluminados pelo exemplo da vida do Zé Alberto.

Mas ainda há um aspeto que o Evangelho sublinha e que tem a ver com o amor do Zé Alberto a esta comunidade em concreto, e ao carisma desta comunidade em concreto. Porque no evangelho Jesus está na Sinagoga, – e é interessante a forma como S. Lucas conta, – aparece uma mulher. Aparece uma mulher doente, uma mulher recurva que possivelmente nem viu Jesus, nem sabia que estava ali Jesus, mas ela apareceu naquele lugar. E é muito interessante porque tantas vezes nos evangelhos quem tem o problema grita: “Eu preciso de ti, Jesus cura-me. Jesus tem compaixão de mim.” Esta mulher não diz nada, não diz nada. Às vezes a dor é tão grande que a gente não consegue dizer nada, às vezes a vida coloca-nos num estado tal de abandono que não conseguimos dizer nada. Esta mulher, ela não pede nada, não pede nada. Por estas portas, ao longo dos anos, o Zé Alberto viu entrar e acolheu tantas mulheres e tantos homens que nem tinham a audácia de pedir nada, não tinham a ousadia de pedir nada. E porque esta é uma comunidade de portas abertas, essas pessoas vieram aqui e ouviram-se, sentiram-se chamadas por Jesus, sentiram-se transformadas pela escuta da palavra e pela qualidade da experiência que é o Cristianismo e deram glória a Deus. Como esta mulher deu. E isso é alguma coisa de fantástico.

É claro, há quem diga: essa mulher não pode ser curada em dia de sábado. O que é que tu estás a fazer? Há a regra tal, há a ordem tal. Mas Jesus diz: não, ela é filha, ela é filha, ela é amada. E por isso, o Homem está acima da Lei. A Lei está ao serviço da salvação dos homens e isso é uma experiência concreta que, de uma forma muito simples, o acolhimento, a inclusão, o abraço a todos permite e que o Zé Alberto tinha como carisma natural. As pessoas chegavam e ele não as julgava, abraçava-as, acolhia-as, ouvia-as, as pessoas chegavam recurvas, não pediam nada a Jesus, mas tinham lugar na escuta. Porque, quando a gente não consegue pedir nada, é Jesus que vem ao nosso encontro e chama por nós. E esse é o grande milagre, esse é o grande testemunho. E, por isso, é tão importante um ministério como aquele como o Zé Alberto viveu, como dom pessoal que o Senhor lhe deu, mas também como missão da igreja nesta comunidade que era praticar o acolhimento. Acolher, ser companheiro e dando-se inteiramente, dando-se todo nesta missão.

Eu lembro-me que a Rita me contava que a gente aqui conhecia o Zé Alberto com uma vivacidade, andava de um lado para o outro, resolvia tudo, organizava tudo, abria, fechava, transportava. E ela conta que ele depois chegava a casa, sentava-se no sofá e adormecia. Porque tinha dado tudo, tinha dado tudo. E isto é alguma coisa extraordinária para nós. Quer dizer: nós vivemos com um homem que em cada dia se dava inteiramente. E não sei de testemunho maior de Jesus, não sei, não sei de missão maior que a igreja nos peça que esta de fazermos dom de nós mesmos.

Vamos rezar nesta eucaristia. A presença do senhor Patriarca para nós é sempre uma confirmação, ele que ordenou o Zé Alberto, e é para nós a certeza desta Igreja grande, onde o Zé Alberto atuou. Está também um sacerdote que colaborou com ele no Estabelecimento Prisional, que era a última das missões e das paixões do Zé Alberto. E Deus sabe quantas sementes de bem, de esperança ele colocou no coração daqueles homens numa situação difícil. E tudo isso é testemunho, tudo isso é testemunho.

É importante contar a biografia das comunidades, e agora que se vão passar 50 anos do 25 de Abril, e vai ser lembrado também o papel da Capela do Rato e da vigília. Mais importante até do que os acontecimentos em si, são as trajetórias cristãs de mulheres e de homens, que viveram nesta comunidade, e foram na igreja um rosto vivo do Evangelho, qualificando-o como palavra que traz sentido à cidade, que alarga e ilumina os caminhos que todos juntos percorremos. Por isso: obrigado, José Alberto.


Pe. António Martins, 25 de outubro de 2022