Após um verão perturbado pela seca, pelos incêndios, pelos efeitos da guerra, pela avalanche de notícias sobre abusos sexuais, vamos recomeçar, com a normalidade possível, a vida eclesial em nossa Comunidade da Capela do Rato. Todos, leigos e pastores, atravessamos um doloroso e exigente caminho de cura e de conversão. Só assim poderemos avançar, reconhecendo as nossas misérias e erros, encontrando força na fragilidade.

Como dizia D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, no começo do X Simpósio do Clero: «Dar atenção às vítimas e escutá-las é o primeiro passo de um processo de libertação, de justiça e de dignidade»; «Somos uma Igreja pecadora, mas que não se resigna nem acomoda às suas limitações; Igreja que reconhece erros e luta para renovar-se; Igreja que, na grande maioria do seu clero, reconhece e sofre com as suas limitações, mas procura continuar fiel ao seu Senhor, no serviço ao seu povo e no anúncio alegre do evangelho».

Vamos dar continuidade ao nosso processo sinodal. Foi com alegria que vimos inquietações e propostas nossas integradas no Relatório Final da Conferência Episcopal Portuguesa. Estamos a viver um tempo de profunda renovação na vida da Igreja que levanta temores e violentas resistências. O Espírito sopra e as águas agitam-se em fecundidade criativa. Procuraremos, no presente ano, concretizar as propostas de renovação para a nossa Comunidade, expressas na síntese final. Desde já vos convoco para uma primeira assembleia comunitária, a realizar a 28 de setembro à noite.

No final do presente ano civil comemora-se os 50 anos da vigília de oração e de jejum pela paz e contra a guerra colonial que um grupo de leigos interventivos protagonizou, concretizando assim o apelo do Papa Paulo VI na altura. A evocação desse acontecimento marcante na história da Capela do Rato, do laicado em Portugal, das relações entre a Igreja e o Estado, vai integrar-se, oficialmente, nas comemorações do 25 de abril. Muito proximamente, em cooperação com a Comissão organizadora das mesmas, anunciaremos o programa de celebrações.

A edição, este ano, do curso «Filosofia, Literatura e Espiritualidade» será dedicada a autores e obras que aprofundam a problemática da guerra e da paz, tanto no âmbito da literatura como da reflexão filosófica e do profetismo da experiência cristã. Daremos continuidade a dimensão da conversão ecológica, nestes exigentes tempos de crise climatérica e de consequências da guerra prolongada na Ucrânia. A recente carta apostólica, Desiderio desideravi, do Papa Francisco, a confirmar e atualizar a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, ajudar-nos-á a melhorar a qualidade da nossa participação nas celebrações eucarísticas.

Aproveitámos o verão para continuar a reparação e manutenção do telhado do edifício da Capela do Rato, renovando telhas, colocando impermeabilizações de zinco, preenchendo fissuras que se revelaram no inverno passado. Era uma intervenção necessária e urgente orçamentada em quase 29.000 euros.

É meu desejo, no final do presente ano pastoral, organizar uma peregrinação às abadias cistercienses da Borgonha (França), lugares onde aconteceu, no século XII, uma criativa reforma eclesial, com a sua expressão estética, arquitetónica, agrícola, teológica e espiritual, protagonizada, sobretudo, por S. Bernardo de Claraval. Confesso que é um sonho meu, antigo, que gostaria de concretizar convosco.

Respondendo ao apelo do nosso querido D. Manuel Clemente, peçamos, intensamente, a Deus, a nível pessoal, em família e em comunidade, pelos frutos da próxima Jornada Mundial da Juventude, a realizar em Lisboa, «que hão de ser de santidade, acima de tudo». Rezemos também pelo nosso bispo diocesano e seus bispos auxiliares, pelo seu presbitério, pelas comunidades cristãs, para que o Espírito nos console e encoraje no meio de tantas provas.

Recordo o conhecido poeta espanhol Manuel Machado: «Caminante, no hay camino, se hace camino al andar». Continuemos, pois, o nosso caminho (sinodal), atentos aos sinais dos tempos de hoje, procurando discernir o que o Espírito diz às Igrejas, numa tensão criativa, entre angústias e consolações.

A todos e a todas abraço com amizade
P. António Martins