Queridas Irmãs
Queridos Irmãos

«Vem, Espírito Santo Criador!
«Vem, luz de Deus, vem-nos visitar!»

Do profundo da nossa carência, em a nossa condição de pedintes, eleva-se, hoje, a nossa súplica ao Espírito Santo. Bem o sabemos, a Deus só podemos ir através do Espírito, esse gemido silencioso de Deus em nós, que se confunde com o nosso próprio desejo: «Vem, Espírito Santo! Vem, luz de Deus, vem-nos visitar!» Porque não sabemos nunca como pedir. E para que o nosso desejo coincida com o de Deus precisamos sempre de invocar e pedir o Espírito: «não sabemos pedir como convém, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rm 8,26).

Alento, respiração, sopro vital, vento forte, fogo que se reparte em línguas, pessoas de fogo… Espanto, entusiasmo, embriaguez, incêndio de inspiração, novas línguas/linguagens, vida nova, ressurreição do medo… Assim mergulhamos na profundidade dos textos bíblicos de hoje. Com a narrativa dos Atos dos Apóstolos voltamos ao dia inaugural da aventura cristã. Precisamos de nos deixarmos, de novo, envolver e entusiasmar por essa «forte rajada de vento» inaugural. É pela novidade da embriaguez do Espírito, pelo incêndio da sua inspiração e santificação que somos libertos da tentação do acomodamento, das seguranças adquiridas, da mecânica das linguagens e dos gestos repetidos e sem sentido.

O Espírito inaugura novas linguagens; é permanente fonte de inspiração, de criatividade, de novidade. Renova a terra pelo respirar da vida, e dilata a nossa respiração alargando os horizontes do coração. Dói em nossa vida eclesial que não se saiba escutar o que o Espírito diz, no presente, à Igreja, recolhendo e acolhendo, com fidelidade, a diversidade de experiências e de linguagens dos crentes e das comunidades cristãs. É-nos pedido que escutemos a linguagem em que o outro se diz: «como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?». Neste tempo de processo sinodal vivemos um tempo oportuno de escuta. Mas, depois, parece que nada aconteceu no resultado final. O entusiasmo das comunidades parece não chegar às instâncias superiores de decisão. A tentação do mesmo continua dominante; a linguagem adquirida resiste à aventura existencial de novas linguagens. E isso nos fere e nos desmotiva.

Vento impetuoso que enche toda a casa, fogo repartido em línguas pessoais que se dividem e poisam sobre cada um dos apóstolos, reunidos em oração: «Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas». Eis o mistério de ser Igreja que sempre se renova e atualiza, pela invocação do Espírito: unidade na diversidade, comunidade e singularidades. Reparamos na coincidência da linguagem de Lucas, nos Atos, com a de Paulo na Carta aos Gálatas: «Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum». O Espírito consagra a nossa singularidade, faz de cada história pessoal uma história sagrada, carisma único ao serviço da unidade da Igreja e do mundo.

O Salmo de hoje (103) canta a respiração cósmica de todos os viventes que de Deus recebem o sopro da vida: «Se lhes tirais o alento, morrem e voltam ao pó donde vieram. Se mandais o vosso espírito, retomam a vida e renovais a face da terra». O próprio homem torna-se um ser vivente recebendo em sua condição de barro o sopro vital de Deus. A respiração é a contínua renovação da vida pela oxigenação. Naquele dia, o dia em que a vida retoma folgo, aqueles discípulos estão trancados em casa, com as portas fechadas, sem circulação de ar, encerrados no medo. Jesus vem e coloca-se no meio deles. Ele é a vitalidade da nossa respiração, o oxigénio que precisamos, a porta aberta que liberta de todas as clausuras. O Senhor devolve-nos a alegria de sermos nós próprios, a alegria de viver, de nos doarmos, de esperarmos, de construirmos a paz: «os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor».

«Soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo». Cristo sopra sobre nós para nos acordar, encorajar, alegrar, pacificar. O seu sopro vital atiça em nós a criatividade, a coragem, a paz, a reconciliação, a escuta recíproca, a fidelidade às próprias promessas, a alegria de nos darmos por inteiro, o compromisso pela paz, a não violência. Mais do que nunca precisamos de pedir o dom da paz que parece cada vez mais distante, na corrida ao armamento em nossos dias, na brutalidade da guerra, no aumento da fome e da pobreza. «Aquele que diz sim à vida num sim de verdade, diz não à guerra. O que ama a fundo a vida, odeia a pobreza. Os que afirmam e amam realmente a vida confrontam-se, inevitavelmente, com a violência e a injustiça. Não se acostumam a elas, não se acomodam, resistem», escreveu o teólogo alemão, provado na II Guerra, Jürgen Moltmann.

Pedimos, mendicantes, com as palavras de Fr. Augusto Mourão: «Vem acender na noite os traços dos Teus pés,/ Vem abrir a casa ao risco de partir»; «Vem vestir nosso corpo de coragem/ Que não cesse nunca de dizer-Te. Inspira aos nossos lábios a sabedoria,/ Não exiles os nossos olhos da promessa».

Pe. António Martins, Homilia na Solenidade de Pentecostes