A eucaristia: A santificação do espaço

Começamos hoje, etapa por etapa, a valorizar aspetos da celebração da eucaristia. A liturgia é uma consagração do espaço e do tempo; transfigura o espaço que habitamos em conjunto e o tempo que passamos juntos. Valorizamos, neste domingo, a dimensão do espaço litúrgico, este espaço pequeno e apertado da Capela do Rato, denso de história, de significado para gerações de crentes e para cada um(a) de nós. A capela de uma casa aristocrática torna-se o lugar onde uma comunidade cristã afirma a sua diferença na Cidade.

Diz-nos o Livro dos Atos dos Apóstolos que os discípulos estavam todos reunidos «no mesmo lugar» (At 2,1). É nessas circunstâncias que acontece a explosão de vento e de fogo (o Pentecostes) que enche a casa e os leva, como que inebriados, para fora. Também reunidos em oração no mesmo lugar invocamos do Espírito para que nos encha e nos envie para fora das nossas estreitas fronteiras.

Saímos do espaço pessoal/privado das nossas casas; atravessámos o espaço público das ruas, e aqui nos encontramos, juntos, num espaço comum. Esta espaço muda a nossas atitudes, convoca-nos a entrar numa outra dimensão. Em seu acolhimento, este espaço ordena-nos, coloca-nos em relação uns com os outros, reconfigura a nossa existência. Há uma cadeira que nos recebe, um altar central que nos envolve à sua volta, uma luz de cima que nos inunda e ilumina o rosto.

Este espaço comum é nosso, sem pertencer a ninguém; não somos donos deste espaço. Nele entramos e somos acolhidos. O espaço da Capela oferece-nos a sua hospitalidade, que acolhemos com gratidão, reverência e respeito. Contendo o nosso falar alto, pacificando o nosso ritmo acelerado. Deixemo-nos acolher por este espaço, reconheçamo-lo na sua unidade arquitetónica, na diversidade dos seus elementos decorativos. Fixemos ou passemos o nosso olhar pelas imagens, pelos quadros, pelos ângulos deste espaço. Tudo aqui nos convoca à celebração da eucaristia.

 

A eucaristia, celebração da redenção do tempo

Vivemos no tempo, continuamente em devir. Tudo passa e nós passamos também, porque o nosso tempo é finito e chegará ao seu termo. A páscoa de Cristo é redenção do tempo (e da morte). Ressuscitado, eterno Vivente, pelo dom do seu Espírito vivificante, o Senhor introduz no tempo que passa o definitivo da vida (a vida eterna). Ele é o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, Aquele que é, que era e que há de vir (cf. 1,8). Ele é o mesmo, ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13,8). O Senhor é a plenitude do tempo.

A celebração da eucaristia introduz no provisório do tempo das nossas vidas a densidade da eternidade. Em cada domingo celebramos a memória da Páscoa do Senhor na esperança «do domingo que não tem ocaso», quando toda a humanidade entrar no descanso eterno (cf. Prefácio X para Domingos do Tempo Comum). Em cada domingo antecipamos o definitivo da Vida que nos atrai. Por isso gritamos de desejo e de esperança: «Vinde Senhor Jesus».

Trazemos, como oferenda eucarística, o tempo das nossas vidas, com toda a sua densidade, contradição e intensidade. As horas perdidas, o tempo gasto que pareceu inútil, os momentos impacientes. Oferecemos a nossa vida acelerada, sem tempo; o tempo que tarda em passar, os instantes de felicidade, os traços sentidos de inteireza, tão intensos e tão breves. Nenhum momento do nosso tempo, nenhum acontecimento fica fora da Páscoa de Cristo.

Vamos passar um tempo em conjunto (uma hora). Cada um(a) de nós vai viver o seu próprio tempo, com concentração ou distração. O ritmo da celebração vai ser apropriado de modo muito pessoal por cada um(a) de nós, conforme nos sentimos hoje. O nosso sentir presente condiciona a vivência da própria eucaristia. Procuremos sintonizar o nosso tempo subjetivo com o tempo que está a acontecer. A isso se chama atenção.

Concentremo-nos. Façamos silêncio. Sintamos o ritmo da nossa respiração. Vamos entrar noutro tempo, o tempo sagrado da eucaristia.

 

A Assembleia como sujeito da eucaristia

Hoje valorizamos a Assembleia como primeira realidade visível na liturgia. Assembleia celebrante corporiza, dá corpo a Cristo: “Ele está no meio de nós”.

Em cada domingo os cristãos reúnem-se em Igreja, Assembleia de batizados, para a celebrar a Eucaristia. «Cristo torna-se presente na comunidade reunida, na palavra proclamada e no pão e no vinho, que a palavra de Cristo e a ação do Espírito convertem no seu Corpo e Sangue»[1].

«Incorporados em Cristo pelo Batismo, os cristãos foram constituídos em Povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo»[2].

«Na celebração da Missa, os fiéis constituem a nação santa, o povo resgatado, o sacerdócio real, para dar graças a Deus e oferecer a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote, mas também juntamente com ele, e para aprenderem a oferecer-se a si mesmos[3]»

A participação da assembleia na liturgia é pedida de forma clara e muito insistente no documento Sacrosantum Concilium[4]: «plena e animada participação» (SC 14), «interna e externa» (SC 19), «plena, animada e comunitária» (SC 21), «consciente, animada e fácil participação dos fiéis» (SC 79).

A natureza comunitária da missa expressa-se “a uma só voz”, no diálogo com o celebrante, nas orações, nas aclamações e no canto. E também os gestos e as atitudes corporais conduzem a uma comunhão “num só coração e numa só alma.”

A eucaristia participada assim levará à vivência existencial do mistério de Deus na vida dos fiéis[5].

 

[1] Dicionário Elementar de Liturgia –Aldazábal, J.

[2] Código do Direito Canónico -CDC 204, 1983.

[3] Introdução Geral ao Missal Romano – IGMR 95

[4] Sacrosanctum Concilium, Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia (1963).

[5] Cf Dicionário Elementar de Liturgia –Aldazábal, J.