
Queridos Irmãos
Lemos a nossa vida à luz da Palavra de Deus.
S. Paulo, no texto lido na segunda leitura, partilha com os seus irmãos da comunidade de Filipos (na Macedónia), a sua aprendizagem existencial nas contradições da vida: «Sei viver na pobreza e sei viver na abundância». O exemplo da sua sabedoria prática pretende motivar nos leitores estilos de vida adaptados às circunstâncias reais.
Também nós, na atualidade, vivemos tempos de empobrecimento social. Em tantas famílias, hoje, há uma brutal diminuição de rendimentos, com o desemprego e a pobreza a aumentar. As atuais circunstâncias exigem de nós um estilo de vida mais sóbrio e uma maior generosidade na partilha. É um desafio tremendo, vivermos com menos e partilharmos mais. Possamos dizer com a mesma convicção de Paulo: «Tudo posso naquele que me conforta».
Paradoxalmente, a primeira leitura e o evangelho anunciam a abundância de um banquete. Também precisamos do excesso da festa, da alegria partilhada à volta da mesma mesa. Comungando dos mesmos sabores, celebram-se encontros, refazem-se alianças, decidem-se negócios, reforçam-se laços de pertença. Todos precisamos de uma boa mesa e da companhia de amigos para sermos felizes. Precisamos todos de festa, e de sermos festa uns para os outros.
É profundamente espantoso e significativo que Isaías nos anuncie um tempo futuro de fraternidade e de alegria entre os povos, com a sugestiva imagem de um banquete «de manjares suculentos» e de «vinhos deliciosos» oferecido por Deus. O profeta vê uma mesa posta para todos os povos na Cidade Santa de Jerusalém. O véu de separação entre as nações será tirado para dar lugar à celebração do encontro e da fraternidade. O futuro querido por Deus, que Isaías profeticamente anuncia, não pode deixar de ser, também para nós, um critério de ação. O perigo do individualismo e dos nacionalismos contemporâneos só pode ser superado com a coragem de um reforço da fraternidade e da amizade social. Com um atento cuidado de uns pelos outros. É a urgência dos tempos atuais. Esse é o apelo do Papa Francisco na sua recente encíclica Fratelli tutti.
A parábola do evangelho de hoje pode ser lida como o retrato da negação que podemos fazer ao convite do rei para as bodas do filho. Qual bom pedagogo que sabe contar histórias de vida, Jesus, através das parábolas, quer colocar as consciências de quem o ouve em julgamento, em crise. Tal como as parábolas anteriores da vinha, também a parábola do rei que convida para as bodas do filho evoca a paixão do amor de Deus oferecido e recusa: «O reino dos céus pode comparar-se a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho». Chama os convidados, «mas eles não quiseram vir». É a recusa deliberada ao convite, ao dom da alegria e da festa partilhadas.
Mas o rei não desiste de convidar. Apesar da recusa humana, Deus não desiste de oferecer o seu amor. O amor de Deus por nós é um permanente convite em aberto, nunca suspenso, nunca negado. O seu banquete está sempre preparado. Mas a resposta é agora a indiferença: «sem fazerem caso, foram um para o seu campo e outro para o seu negócio». O chamamento não é acolhido com urgência; a resposta pode ser adiada para um momento mais oportuno.
Esta pode ser a nossa mais comum situação: podemos correr o risco de sermos respostas adiadas ao excesso do dom (o banquete das bodas do filho). Não nos apercebemos da urgência do apelo e continuamos na nossa indiferença, dispersos nas ocupações quotidianas. É o que sentimos tão frequentemente: a nossa vida dispersa, adiada, sem chama, sem surpresa… Quantas oportunidades de viver a fraternidade, de experimentar a alegria da graça, de amarmos e de nos deixarmos amar não perdemos nós quando pomos o lucro e a eficácia em primeiro lugar, «o campo» e «o negócio»? Pela nossa indiferença não entramos na festa da vida que Deus nos oferece na surpresa da sua graça.
Mas o rei não desiste de convidar. As bodas do filho são acontecimento de festa partilhada. Apesar da recusa, apesar da indiferença, volta a convidar. Mas agora a resposta é uma mortal violência: «apoderam-se dos servos, trataram-nos mal e mataram-nos». Esta resposta de destruição das mediações do amor e da graça com que Deus nos visita, nos ama e vem a nós, sempre através de rostos concretos, configura uma possibilidade trágica da condição humana. Podemos destruir aqueles que nos dão vida, que nos amam, que nos engrandecem; são mediações do amor incondicional do nosso Deus. E a expressão maior dessa trágica violência assassina da vida e do amor é a morte de Cristo na cruz.
Apesar de tantas recusas, o rei não desiste. Não se cansa de convidar. Num novo e derradeiro convite, muda de estratégia e alarga os destinatários: «Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes. A lista dos convidados rasga-se. Deixa de haver prévios escolhidos. Agora os convidados são todos aqueles que se encontram nas encruzilhadas. O dom dispersa-se pelos caminhos do mundo, pelas esquinas da vida, pelos cruzamentos existenciais. Não conhece limites, não tem fronteiras. As recusas ao convite para as bodas do filho permitem ao rei universalizar o convite.
As bodas do filho são agora festa aberta a toda a gente. Não há excluídos: «Então os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons». O dom/o convite não depende da qualidade moral de quem o recebe; é gratuito, prévio, incondicional. Está acima da nossa bondade ou maldade. A graça não supõe uma moral prévia; inspira-a. Só um amor incondicional pode mudar as nossas vidas para melhor, tornando-as mais belas e fecundas, mais justas e fraternas, mais agradecidas.
Reconheçamo-nos todos convidados para o banquete das bodas do Filho (de Cristo), para o qual a parábola aponta. Em nossa pobreza moral, em nossa bondade, nas mais diferentes condições existenciais, feridos no coração ou humilhados por alguma razão, com as nossas capacidades e os nossos limites, sintamo-nos todos convidados para as bodas do Filho.
Porque nos sabemos acolhidos e incondicionalmente amados como filhos e filhas no Filho, a nossa vida, apesar do cansaço, da inquietação do tempo presente, tem futuro; está marcada a cada instante por uma promessa de esperança que nos leva a avançar, a não desistir, a não nos rendermos: «A bondade e a graça hão-de acompanhar-me todos os dias da minha vida».
Não terei medo.
Pe. António Martins, XXVIII Domingo do Tempo Comum