Queridos Irmãos
A festa de hoje da apresentação do Senhor une o Natal à Páscoa. O texto do evangelho de Lucas pertence ao ciclo da infância de Jesus. Cristo ressuscitado é luz que vence as trevas da morte. É isso que celebramos na Vigília pascal, de velas acesas A profecia dramática de Simeão dirigida a Maria, «uma espada trespassará a tua alma», foi interpretada, na piedade medieval, como pré-anúncio das dores de Maria, junto à cruz, pela perda do Filho. Neste acontecimento da infância de Jesus, que bem poderemos chamar natalício, já está prefigurado o drama da cruz («sinal de contradição») e a luz radiosa da madrugada da páscoa. Vigilantes na noite da dor, da dúvida, do desânimo, da inquietação, levamos a luz frágil da fé acesa, a força interior do Espírito que, continuamente, pedimos quais pobres necessitados. Para que os nossos dias possam ser vividos com esperança resistente, e expectante serenidade.
Se quisermos dar um cenário cinematográfico ao evangelho de hoje, podemos imaginar um jovem casal com um bebé nos braços a subir a imponente escadaria do templo de Jerusalém, ricamente adornado em todo o seu esplendor. Recordamos que Lucas privilegia as periferias, as marginalidades, as pessoas de condição pobre. Jesus nasce numa periférica cidade, Belém, por acaso, numa circunstância de passagem. Nasce num estábulo de animais e tem como primeiras visitas uns marginais pastores. Mas no texto do evangelho de hoje, Lucas apresenta o Menino a ser levado ao templo de Jerusalém por José e Maria. Estamos no coração da vida religiosa judaica. Este jovem casal leva um par rolas, ou pombinhos, para oferecer em sacrifício, cumprindo, assim, os ritos de purificação exigidos à mãe após o parto. Não tinham dinheiro para comprar um cabrito ou um cordeiro para o sacrifício. Maria e José são um casal jovem e pobre que apresenta o Menino para consagrá-lo a Deus.
Exigia a lei judaica que cada filho varão fosse consagrado (oferecido) a Deus. Para resgatar o filho, os pais pagavam um tributo de dois dias de trabalho; era um preço simbólico, a assinalar que o filho não lhes pertencia. Lucas intencionalmente não refere o gesto do resgate. Essa ausência indica um profundo sentido teológico: não são os pais que resgatam o Menino, é o Menino que a todos vai resgatar e salvar. Vai resgatar-nos em sua Páscoa, dando a vida (e este é o preço) para nos adquirir para o Pai, libertos de alienações e de perigos. Ele é a salvação ao alcance de todos os povos, de cada pessoa, em qualquer lugar; é o dom da vida que vivifica sem restrições, dom universal, sem fronteiras.
Com certeza que estavam lá os sacerdotes com as suas vestes solenes e o equipamento litúrgico para os rituais da circuncisão e da purificação. Mas Lucas não está interessado em narrar isso que é pressuposto. Lucas narra, sim, um acontecimento inesperado, um encontro improvável: por acaso estão ali no templo dois anciãos, Simeão e Ana, que se maravilham com o Menino e profetizam palavras de esperança e de futuro. São os dois leigos, nada têm a ver com o culto. As sua vidas estão ancoradas na força profética da Palavra, através de uma espera paciente e resistente. Era normal pessoas idosas viverem na proximidade do templo, fisicamente o mais perto possível do lugar da presença de Deus: esse era o desejo mais profundo da piedade judaica, «uma só coisa peço ao Senhor, ardentemente a desejo: poder sentar-me na casa do Senhor todos os dias da minha vida» (Salmo 27,4). Simeão vai ao templo, não para cumprir uma obrigação ou um ritual, mas pela ação livre e interior do Espírito, pelo seu sentir profundo, livre e consciente.
Eis-nos perante o quadro lindíssimo que inspirou tão intensamente a história da pintura: O velho Simeão (e aqui «velho» é uma palavra honrosa) acolhe em suas mãos o Menino. Que belo gesto de ternura: a carne rugada e calosa de um idoso acolhe, ternamente, a carne lisa e suave de uma criança. Que intensa ternura naquele acolhimento. Simeão é ali o colo de Jesus. Duas gerações ali se encontram e se abraçam: o idoso, que serenamente se despede da vida, e a criança que é promessa de futuro.
Simeão é a expressão de um idoso feliz, de uma vida vivida na esperança, de um chegar ao fim inteiro e sem ressentimento, sem lamento nem acusação dos outros. Não diz que no seu tempo é que era bom, e agora tudo é desgraça. Simeão encantam-se e rejubila diante do Menino que é o futuro, a esperança cumprida. Pode partir em paz: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação». Simeão recorda-os que as crianças precisam do dom das pessoas idosas, que lhes acrescentam sentido, alegria e esperança. Que belo quando um idoso se encanta com uma criança e nela acredita no futuro.
Sem sabermos entra em cena Ana que também se maravilha com o Menino e profetiza. Ana tem algo de enigmático e misterioso com ela: não sabemos como aparece no templo; apenas que ali estava, em sua viuvez, servindo a Deus, desde a juventude, «noite e dia, com jejuns e orações». Pobre, frágil, indefesa, mas resistente. Na idade que avança e a debilita, continua a viver agradecida, cumprindo-se no dom de si mesma e no serviço. A vida vida continua a ser fecunda, mesma não tendo filhos. Ana é uma mulher do norte de Israel, da tribo de Asser, uma tribo do norte, da zona fértil, que se perdeu na história, dissolvida nos outros povos vizinhos. A tribo de Asser foi considera uma tribo contaminada, que se perdeu na história sem deixar saudade e grande memória. Mas Ana, mulher viúva da tribo contaminada perdida e de Asser, representa o Israel fiel, os pobres de Iaveh que poem unicamente em Deus a sua esperança e confiança. Também ela «começou a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém». Ana assinala também o imprevisível de Deus, que o evangelho não conhece fronteiras e pode fazer do contexto concreto de cada vida profecia, bênção, caminho de futuro.
Na passada semana decorreu em Roma o I Congresso Internacional de Pastoral dos anciãos. Em seu discurso aos participantes, disse o Papa Francisco: «A riqueza dos anos é a riqueza das pessoas, de cada pessoa que tem nas suas costas tantos anos de vida, de esperança e de história»; «a vida é um dom, e quando é longa, é um privilégio, para si e para os outros»; «a indiferença e a recusa que a nossa sociedade manifesta em relação aos idosos, apelam não só a Igreja, mas a todos a uma séria reflexão para aprender a acolher e a apreciar o valor da velhice».
Os anciãos não são só passado, são também o presente e o futuro da Igreja. Através dos idosos, o Senhor continua a escrever «novas páginas, páginas de santidade, de serviço, de oração». São o presente e o futuro de uma Igreja, que juntamente com os jovens, «profetiza e sonha», num mútuo reconhecimento, partilhando dons e experiências reciprocas. O Papa recorda mesmo o episódio do evangelho de Jesus. As palavras e os gestos de Simeão e Ana indicam, para todos nós, para a Igreja de cada tempo e de cada lugar, a «revolução da ternura»: «A profecia dos anciãos realiza-se quando a luz do evangelho entra plenamente nas suas vidas: quando, como Simeão e Ana, tomam nos braços Jesus e anunciam a revolução da ternura, a boa notícia d’Aquele que veio ao mundo trazer a luz do Pai».
Saibam as comunidades cristãs de hoje acolher e integrar a profecia e o dom dos idosos. Eles são um carisma e um serviço para os mais jovens. Resgatar da solidão as pessoas idosas é a grande urgência da vida cristã nas grandes cidades. Uma urgência que passa por cada um de nós.
Pe. António Martins, Apresentação do Senhor
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