Queridos Irmãos
Na sequência da Palavra que lemos e acolhemos em cada domingo, somos chamados a discernir as realidades que vivemos, pessoais, nacionais e mundiais. A Palavra de Deus é um critério orientador na nossa esperança, do modo como preparamos o nosso futuro pessoal, familiar e coletivo, no hoje da nossa vida, na complexidade da sociedade que é a nossa e da qual somos protagonistas. Porque o futuro pessoal de cada um de nós está ligado ao futuro de toda a humanidade; depende, no presente, das escolhas de cada um de nós que configuram o nosso viver em sociedade.
Neste e no próximo domingo, o evangelho de Lucas propõe-nos um discernimento sobre o modo como administramos a riqueza e nos relacionamos com o dinheiro. Sejamos honestos: a nossa relação com o dinheiro, será sempre tensa e ambígua. O dinheiro é uma necessidade, um instrumento necessário ao nosso viver, cumpre a sua finalidade social; dele depende a qualidade da nossa vida e das nossas relações. Mas se esquecermos que a riqueza e o dinheiro são meios e não fins em si mesmos, corremos o risco de fazer deles ídolos perante os quais nos prostramos. As parábolas de Lucas têm essa finalidade de nos alertar, de nos provocar, de nos convocar a um discernimento lúcido, arguto, consequente em nossa relação com a riqueza.
Assim começa a parábola de hoje: «Um homem rico tinha um administrador, que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens». O texto reenvia-nos para a situação económica e social da Palestina, no tempo de Jesus, marcada por grandes latifundiários (senhores/patrões), que viviam nas grandes metrópoles. As suas terras eram administradas por administradores locais, que fixavam com os donos um preço, ficando responsáveis por cumprir o acordado. Tinham margem de manobra para fazer os próprios negócios a partir dos bens dos grandes patrões. A história reenvia-nos para um administrador que é despedido por «andar a desperdiçar os bens» do seu patrão.
Mas a parábola tem sempre um valor teológico, evangélico: através da mesma é a nossa relação com Deus (o senhor), enquanto administradores da criação, posta em processo de avaliação. Na sequência do texto, não podemos deixar de perguntar a nós mesmos se não temos «andado a desperdiçar os bens» que nos são confiados, a vida, o ar, a água, o ambiente, a criação inteira. Não somos donos (patrões) mas administradores. Tudo o que existe tem um destino coletivo, é para o bem comum, e não apenas para meu uso excluso, para minha posse e consumo. Quer a vida cristã, quer a cidadania são um contínuo prestar contas do que nos é confiado. Porque temos uma herança a deixar às gerações futuras; precisamos de assegurar o futuro da vida, do ambiente aos outros, com a mesma qualidade, ou ainda melhor, do que recebemos.
Perante o despedimento do seu cargo, aquele administrador interroga-se, num diálogo interior que vemos em direto, com as suas dúvidas e respostas, sobre o seu futuro: o que deve fazer, já hoje, para assegurar um futuro tranquilo, uma vida com qualidade? «Que hei-de fazer?», é a pergunta dirigida a de cada um de nós. Porque o futuro da vida decide-se no concreto dos desafios imediatos da realidade, alguns imprevisíveis e inesperados, mediante processos de discernimento, entre possibilidades e urgências. Com audácia, sentido de oportunidade, inteligência e modo prático de realização. O discernimento não teoriza: vê realidades e possibilidades, procura soluções viáveis numa fidelidade à própria consciência, conciliando realização pessoal com o bem comum.
A solução (a iluminação da decisão oportuna) está, da parte do administrador, em sacrificar a comissão dos bens devidos ao patrão. Renuncia àquilo que ele devia retirar para si, em sua qualidade de administrador: «‘Quanto deves ao meu senhor?’. Ele respondeu: ‘Cem talhas de azeite’. O administrador disse-lhe: ‘Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta’». Não se trata de enganar o patrão nem de falsificar a contabilidade, mas de renunciar à parte da riqueza que lhe era devida para fazer amigos. Pois todos aqueles a quem ele renunciou à sua comissão lhe ficaram gratos.
A dimensão evangélica da exemplaridade deste administrador não está no modo como desperdiçou, mas no modo como renunciou à riqueza pessoal para criar uma rede de amigos que lhe assegurassem o futuro: «Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas». A riqueza e o dinheiro têm destino provisório; mas as relações e as amizades, feitas através da riqueza distribuída, da posse a que se renuncia em favor de outros, têm um destino eterno. A riqueza e o dinheiro destinam-se a criar relações mais fortes, pessoas mais felizes; a aumentar o bem comum, a intensificar uma justiça social. No fundo, a servir a dignidade da pessoa humana e a sua qualidade de vida.
O risco está, precisamente, nessa dimensão idolátrica, de endeusamento do dinheiro e da riqueza. «Nenhum servo pode servir a dois senhores (…). Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Podemos viver obcecados a pensar na riqueza e no modo de a multiplicar. Sabemos bem quando a riqueza é causa de tantas divisões familiares, de tantas disputas, manipulações, falsificações, mentiras, comportamentos corruptos. Recordamos aqui a severa admonição do profeta Amós, esse grito profético que denuncia a falsidade dos negócios realizados pelos próprios crentes: «Faremos a medida mais pequena, aumentaremos o preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias». Precisamos todos, mais ricos ou mais modestos, de uma vigilância contínua na nossa relação com o dinheiro.
Preparamos o futuro do País escolhendo as políticas e as pessoas que nos próximos quatro anos irão administrar a «coisa pública». As próximas eleições legislativas são a oportunidade para um profundo discernimento no vasto leque de propostas partidárias. Que partidos e propostas políticas melhor servem a dignidade da vida humana (da conceção ao morrer), sobretudo dos mais frágeis e dos mais débeis, aqueles que devem ser os primeiros destinatários das opções políticas. Todos sabemos e reconhecemos: a democracia é um bem ao nosso cuidado; uma conquista a preservar dos assaltos populistas e demagógicos. O bem comum está acima dos interesses individuais, de grupo, sectoriais. Este é o princípio estruturante da doutrina social da Igreja.
A ajudar o discernimento dos católicos nos atos eleitorais do presente ano (a eleições para o Parlamento Europeu, decorridas em junho, e as eleições no nosso País para o próximo governo e legislatura), os bispos portugueses publicaram, em 2 de maio, uma carta pastoral com o título: «Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da doutrina social da Igreja». Perante os desafios e as urgências da realidade e das decisões políticas, os nossos pastores oferecem-nos uma leitura atualizada da doutrina social da Igreja, a orientar o discernimento dos católicos. Não para substituir a sua decisão e a sua consciência, mas a iluminá-la. Esta carta será publicada no site da Capela do Rato, na janela «Vemos, ouvimos e lemos».
Em resposta ao apelo de Paulo, rezemos por todos os homens e mulheres, por aqueles que exercem funções políticas de administração do bem comum, no mundo, na Europa, em Portugal. Com o seu zelo, empenho, lucidez, inteligência e ousadia, «possamos levar uma vida tranquila e pacífica».
Pe. António Martins, Domingo XXV do Tempo Comum
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