Em fevereiro de 2018, o Pe Tolentino, no início da Quaresma, pregou os Exercícios Espirituais do Papa Francisco, centrando-se no tema da sede. Partia do episódio da Samaritana a quem Jesus, sentado à beira do poço, fazia um pedido inesperado “dá-me de beber”. A 1ª meditação intitulada Aprendizes do Espanto, começava com as seguintes palavras: “Espanta-te ainda”, “espanta-te mais uma vez” … Nós que, a dada altura da vida, parece que já vimos tudo, já vivemos e sabemos tudo, e olhamos para a realidade protegidos por aquilo que julgamos ser uma distância ou um acumulado saber, somos, no episódio da samaritana, literalmente desarmados (e desarrumados) pelo espanto. Jesus dirige-se a uma anónima mulher samaritana, no quotidiano da sua vida, e faz-lhe um pedido extravagante – “Dá-me de beber”, ou seja “Dá-me do que trazes, Abre o teu coração. Dá-me do que és”.  Ela é, pois, surpreendida por aquele pedido e aquele interlocutor.

Esta palavra Espanto tem vindo, principalmente nos últimos 5 anos, a ganhar uma força e uma intensidade dentro de mim. Tem sido uma constante na minha vida.

Há vários anos que digo à Família e aos Amigos que, se tiver vida e saúde, aos 70 anos gostava de mudar de vida. As pessoas, normalmente, diziam-me “para fazer o quê?” e eu respondia “Não sei, logo se verá”.

Há cinco anos, no meio de uma conversa sobre temas de Gestão, o Pe Tolentino, sem que nada o pudesse prever, desafiou-me para este caminho do diaconado – o meu espanto não poderia ser maior e, nessa altura, apenas lhe consegui dizer, sem muita convicção, que ia pensar no tema. Cheguei a casa e falei com a Rita que, para meu espanto, não desaprovou a ideia e me disse “se achas que esse é o teu caminho, eu estou ao teu lado”. Depois contei aos meus filhos, João e Francisco, que, também espantados, não aprovaram mas também não desaprovaram a ideia. Quinze dias depois, disse ao Pe Tolentino, sem muita convicção, que “não fechava os olhos à luz”, que podia iniciar o caminho da formação e que, ao longo dos cinco anos, iria ter muitas oportunidades para perceber melhor se este seria ou não o meu caminho. Os cinco anos passaram, a ideia foi, a pouco e pouco, ganhando corpo e, ontem fui Ordenado para servir o Povo de Deus, na Diocese de Lisboa.

O meu Espanto, foi também grande, ao ir percebendo, de muitos modos, a maneira como a Comunidade aceitou, apoiou e incentivou este desafio que o Pe Tolentino me colocou.

Espanto, por estar hoje aqui, paramentado com uma estola, colocada em diagonal, numa Capela que me viu crescer, onde conheci a Rita, onde nos casamos há 41 anos, onde os meus netos mais velhos foram Batizados e onde fiz muitos Amigos, alguns dos quais já partiram para junto do Pai e que, hoje, recordo com muita saudade.

Há umas semanas, atrás, o Pe António disse-me que contava comigo para a Proclamação de Evangelho e da Homilia no dia 30 de Junho, domingo logo a seguir ao dia da Ordenação. Aqui não fiquei espantado, mas aflito. Que leituras me iriam calhar? Quais eram as leituras do XIII Domingo do Tempo Comum? Ao lê-las, no Lecionário, mais uma vez, fiquei espantado: que coincidência!!! Nos textos de hoje vi-me, algumas vezes, ao espelho, sentindo a responsabilidade e o peso da opção feita.

A primeira Leitura conta-nos a história do profeta Elias e do profeta Eliseu. Eliseu estava com os seus bois e o seu arado a trabalhar na terra, as espectativas dele seriam continuar ali, e passa o profeta Elias e lança-lhe a capa. Isto é, desafia-o a começar um destino novo com o qual ele não contou. O profetismo acontece, muitas vezes, de surpresa ou seja Deus manifesta-se na vida de forma surpreendente e, por isso, é importante estarmos abertos para as surpresas de Deus. O modo como Deus vai entrar na vida de cada um de nós é um modo único, é um modo diferente. Por isso, é importante estarmos abertos para essa surpresa que, muitas vezes, nos espanta.

Eliseu começa esse tempo novo de vida, de uma forma muita bonita, com um momento de dádiva – mata as juntas de bois e com a madeira do próprio arado faz um banquete para os seus e despede-se. Transforma aquilo que tem numa dádiva, numa oferta aos outros. Isto é para nós um desafio muito grande – O que é nós fazemos com aquilo que possuímos? Como é que sentimos que estamos a ser chamados?

O Evangelho também nos apresenta uma sucessão de imagens significativa do modo de atuar de Jesus. Jesus tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém e mandou mensageiros à sua frente para lhe prepararem um lugar na Samaria, mas, como os samaritanos odiavam os judeus, quando sabem que Jesus vai para Jerusalém fecham-lhes a porta. Os discípulos dizem “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?” E Jesus repreendeu-os e tomou outra opção para ultrapassar o conflito: “Não, vamos para outro lugar”. Às vezes nós ficamos presos a lutas que não vão a lado nenhum, às vezes ficamos a combater por causas que só aumentam a violência, impossibilitando o encontro. Este ir embora é, no fundo, também uma possibilidade de começar uma coisa nova, noutro sítio.

No caminho, alguém disse a Jesus “Seguir-Te-ei, para onde quer que fores”. E Jesus diz-lhe “As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Isto é, nós seguimos Jesus não para chegar a um determinado lugar mas para arriscar viver uma vida na confiança, acreditando na Palavra, muitas vezes, sentindo o silêncio de Deus.

Mais à frente Jesus diz a outros: “Segue-me”. É uma palavra muito forte que desassossega. Um responde a Jesus: “Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai”, o outro responde: “ Seguir-Te-ei, Senhor, mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família”. São pedidos sensatos, são pedidos que fazem sentido. Mas a ambos Jesus diz: “Não, deixa lá isso. Quem tiver lançado as mãos ao arado não pode olhar para trás senão deixa de ser digno de Mim”. Com este tipo de resposta Jesus diz-nos que nós temos de ser capazes de experimentar, na nossa vida, a prioridade de Deus, a prioridade do Reino de Deus.

Na 2ª leitura, S. Paulo na Carta aos Gálatas, diz ao “discípulo” que o caminho do amor, do dom da vida, é um caminho de libertação. Responder ao chamamento de Jesus, identificar- -se com Ele e aceitar dar-se por amor, é nascer para a vida nova da liberdade a que fomos chamados. Não podemos desistir de dar, na nossa vida, prioridade ao Espírito, colocando-nos ao serviço uns dos outros, porque toda a Lei se resume na frase “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Ao ouvir estes textos, no dia a seguir à minha Ordenação Diaconal, a minha primeira atitude foi, mais uma vez, de espanto, pelas maravilhas que o Senhor tem vindo, de forma quase sempre inesperada, a realizar na minha vida, muitas das quais eu ainda não reconheço ou não me apercebi.

Fui ontem ordenado Diácono para “servir” o Povo de Deus, ser sinal de Cristo-Servo – Recebe o Evangelho de Cristo, que tens missão proclamar. Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas. Que o Espírito Santo me fortaleça com os seus sete dons e me ilumine neste caminho, que seja o meu guia, e me dê forças para ser fiel à missão recebida. A todos, peço também que me ajudem a cumprir esta missão que me foi confiada. A todos peço o favor de me incluírem nas vossa Orações.

Diácono José Alberto Lopes Costa, Domingo XIII do Tempo Comum

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