Queridas Irmãs e Queridos Irmãos

E se a Páscoa começasse com uma grande maratona? Uma daquelas maratonas com todos, crianças, jovens, adultos, até de canadianas e de cadeira de rodas?… A começar logo pelo raiar da aurora, com a noite ainda persistente. Talvez não imaginássemos que fizesse parte da linguagem da páscoa uma maratona de madrugadores.

É, de facto, essa a nota que o evangelho de João hoje nos narrada: uma maratona de três, uma mulher, a primeira a correr, e dois homens, um mais jovem que corre mais veloz e chega primeiro, outro mais idoso, mais pesado, mais cansado, que se atrasa, e chega depois. Por que correm estes madrugadores? Quem os faz correr? Porque correm logo tão de manhã? Coisa estranha, mesmo insólita: a páscoa é coisa de atletas, de gente apresada, de pessoas com urgência.

Gosto, particularmente, desta linguagem tão laica, tão pouco religiosa, tão humana e natural, coisa de pessoas reais; não há aqui ritos religiosos estereotipados, templos vistosos, sacerdotes, procissões, liturgias solenes; apenas coisas da vida, concretas, uma corrida de gente louca, de madrugada. Levamos tanto tempo a perceber e a viver que a experiência cristã, em sua autenticidade, é coisa do quotidiano, da vida de cada dia; tem uma entranhada vulgaridade, aquela densidade humana própria do viver, do amar, da amizade, do morrer, do sofrer, da alegria do encontro e da tristeza da perda. Tudo tão natural, tão nosso, e, por isso e por tanto, tão evangélico.

A primeira a correr é Maria Madalena. Corre para o sepulcro de Jesus, corre para o Amado, corre porque não se conforma com a perda daquele que a curou. Corre movida pela perda, com a coração apertado e sufocante de dor, corre porque acabou o sábado e já pode fazer alguma coisa. Corre porque não pode ficar mais paralisada, tem de agir. Corre porque correr é a única coisa que pode fazer, o que o coração lhe pede; e pede-lhe que corra para junto da sepultura do Amado. Corre levada pela chama de um amor que não morre. Maria de Madalena é essa urgência de madrugada, essa não resignação à derrota do amor pela morte do Amado.

Mas o Amado (morto) não está lá: há choque, surpresa e escândalo. Daqui brota uma nova urgência: encontrar o corpo morto de Jesus leva Maria Madalena a uma nova corrida, agora para junto dos discípulos; há que devolver o corpo morto de Jesus ao reino dos mortos (a sepultura); a sua ausência de entre os mortos é perturbadora, impensável, impossível. Jesus morto só pode estar sepultado, ali sobre a pedra tumular, a decompor-se na corrosão do tempo. Queremos que os mortos descansem em paz, e quando isto não acontece ficamos chocados e perturbados. O primeiro pensamento de Maria Madalena é que «levaram Jesus do sepulcro e não sabemos onde o puseram».

Madalena não faz apenas uma suposição, conta a autenticidade do seu sentir: alguém levou o Senhor (não está ali), e há um não saber onde esteja. Terminaremos a leitura do evangelho percebendo que o Senhor foi elevado (não roubado ou levado); e está para além de algum lugar, pois está para além da estreiteza do espaço e do tempo. De futuro, será Ele a vir ao nosso encontro, a vir aos nossos lugares. Mas Maria Madalena ainda não chegou a essa etapa de compreensão (ao ver da fé). Grande corredora é esta mulher, corre para a sepulcro, corre para os discípulos para lhes contar o escândalo do desaparecimento do corpo morto do Amado. Maria continua a correr por amor. Só o amor faz correr (aquele amor que combate e vence a morte).

Depois aparecem mais dois a correr, Pedro e o discípulo que Jesus amou (não se diz que é João). Começam por correr ao mesmo tempo, e podemos imaginá-los numa primeira etapa lado a lado. Mas depressa o discípulo amado se apressa e se adianta, ultrapassando Pedro e chegando primeiro. Também este discípulo corre por amor, porque só o amor nos faz correr para o que vale a pena, o que tem sentido, o que nos compromete por inteiros. Também para este discípulo há a impossibilidade de aceitar o desaparecimento do corpo morto de Jesus. Dois a correr, inicialmente ao mesmo ritmo, depois com ritmos diferentes, mas os dois juntos do sepulcro. Com a delicadeza e respeito o discípulo amado espera por Pedro para que este entre primeiro.

Encontro aqui uma bela imagem da nossa vida concreta eclesial de hoje e de sempre. Não temos todos de ter o mesmo ritmo. Uns caminham mais acelerados, e criam vanguardas, vão à frente, rasgam caminhos, são pioneiros. Estes atrevidos, por vezes incompreendidos, até mesmo marginalizados, são necessários: são eles que abrem caminhos novos, são eles que antecipam o futuro, criando pensamento, beleza, apontando dimensões não exploradas do evangelho. É um suicídio comunitário, uma mutilação quando uma comunidade não sabe integrar o atrevimento daqueles que correm mais rápido.

Depois há aqueles que correm lento, por cansado, por fadiga, por acomodação, por preguiça de esforço, por desadaptação às novas exigências… tantas razões. O que o evangelho não comporta é aqueles que ficam presos ao passado, imobilizados no tempo, querendo preservar tradições mortas e fossilizadas, prisioneiros de uma mentalidade integrista. Mas quem vai à frente, no momento da decisão, espera pelos irmãos retardados, num exercício de uma paciência caridosa e respeitosa. Porque a comunidade cristã é um todo, e só como todo, em sua diversidade de ritmos, pode ser católica, ou seja, atravessar o sepulcro vazio, interpretando os sinais e sendo capaz de reconhecer neles traços do Ressuscitado.

Mesmo atravessando a evidência do vazio do sepulcro, esse lugar de ausência, vendo os mesmos sinais (as ligaduras no chão e o sudário à parte), há ritmos de compreensão diferentes. Pedro vê/contempla (theoreô) que quer dizer conhecer em profundidade, ligar os fatos, relacionar as coisas, criar explicações; daí as palavras teoria e teorizar. Pedro teoriza (procura relacionar os sinais). Mas não tira conclusões. A narrativa do evangelho de João sugere-nos que ele ainda está em processo: é lento no correr, é lento na compreensão; não é um defeito, é a sua circunstância, a sua realidade concreta e pessoal. Cada pessoa tem o seu ritmo, o seu caminho, o seu momento de evidência e de revelação. Ainda não chegou o de Pedro, como pode muito bem ainda não ter chegado o nosso. Mas, como Pedro, procuremos ligar os sinais da vida presentes nos acontecimentos de morte; relacionar as coisas, «teorizar», ver em profundidade (contemplar) para além da estreiteza do imediato.

O discípulo mais jovem, aquele que Jesus amara, vê o mesmo que Pedro, mas vê mais longe, vê mais fundo; tem uma «visão», ou seja, vê nos sinais das ligaduras e do sudário a indicação de uma ação de Deus. O evangelho de João assinala a qualidade visionária desse ver que leva à fé, a uma adesão sincera e incondicional: «viu e acreditou». Porque só este discípulo chega à fé, neste contexto?… Ele continua a ser o corredor mais veloz, o que a todos se antecipa, aquele que vê mais longe, porque há nele o fogo da memória do amor do Senhor por ele. Não é ele o discípulo amado, o amigo do Senhor? Porque quem ama acredita, quem ama ressuscita. Quando somos incondicionalmente amados, já estamos em ressurreição.

O Amado do Senhor é agora o primeiro crente na ressurreição: porque a fé e a ressurreição são uma questão de amor. Na fonte do amor ressuscitador do Pai, atraídos pelo amor incondicional «até ao fim» do Filho, também nós amando, como Jesus, ressuscitamos. Somos erguidos, acordados, despertados, elevados, introduzidos na fonte eterna da Vida que nos torna fecundos: Porque se o amor é tão forte como a morte, como afirma o Cântico dos Cânticos, a ressurreição de Cristo (e a nossa) assinala que o amor é mais forte do que a morte.

Só o amor vence a morte.

Pe. António Martins, Domingo de Páscoa