Queridas Irmãs, Queridos Irmãos

No final da primeira semana do Advento, aqui nos reunimos hoje para celebrar a Imaculada Conceição, a Senhora do Advento. Maria é a mulher da espera, aquela que acredita no cumprimento da Palavra do Senhor. Aquela que oferece o coração e o ventre ao encarnar da Palavra. Não há mais expressivo acontecimento de Advento do que uma mulher grávida, um ventre a gerar vida, a esperar o acontecer/o nascer de um filho no mundo. Podemos dizer, com todo o rigor, que o mês de Maria é, por excelência, o tempo do Advento. Ela nos ensina a esperar de um modo ativo, expectante.

Todos precisamos, em nossas existências quotidianas, de uma palavra de estímulo, de alegria e de encorajamento; de uma palavra que nos devolva a confiança em nós mesmos. Todos precisamos de sermos devolvidos à raiz da nossa alegria, às fontes interiores da jubilação que o desgaste tenso do quotidiano da vida nos faz perder de vista. O evangelho de Lucas, neste dia da Imaculada Conceição, começa, precisamente, por uma saudação, por uma palavra feliz e de alegria que é dirigida a Maria: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».

A primeira coisa que Deus nos dirige não é de exigência, mas de saudação. A sua primeira palavra é de alegria e de reconhecimento por existirmos: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Nas nossas relações quotidianas, organizacionais, na nossa pedagogia, frequentemente sublinhamos a carência, o que falta, a falha, o erro, o defeito… Lucas, no evangelho de hoje, coloca-nos noutro prisma: o de engrandecimento, o do estímulo, o do apreço e do reconhecimento.

Bem sabemos o valor incalculável de uma pequena saudação quotidiana: é sinal de humanidade e de identidade reconhecidas. É sinal que vencemos o nosso isolamento e nos atrevemos à surpresa do encontro. Bem o sabemos: nenhuma saudação nos deixa indiferentes. O que o Anjo diz a Maria é profecia da nossa existência, caminho para nos cumprirmos no quotidiano dos nossos encontros e relações. Estímulo para vencer medos, suspeitas, hesitações, prudências tão calculadas que nos paralisam na audácia do encontro e da hospitalidade do outro.

Deus vem ao nosso encontro no quotidiano do nosso viver, aí onde estamos no concreto das nossas circunstâncias. Qualquer situação da vida é promessa de um advento de esperança, de uma possibilidade de vivência crente. Não precisamos de ter momentos excecionais. Lucas, e em concreto o evangelho da Anunciação, oferece-nos a possibilidade da experiência crente no quotidiano, no doméstico, no familiar das nossas vidas. Recordamos o texto: «Tendo entrado onde ela estava».

No lugar onde ela estava: Lucas não oferece pormenores descritivos. Os pintores da renascença e do barroco imaginaram o lugar: uma sala de leitura, um quarto, Maria repartida entre o tricot e a leitura da Escritura, acompanhada de um gato… Maria é representada no quotidiano da sua vida doméstica. Sim, celebramos hoje também a visita de um Deus que vem ao nosso encontro nas nossas situações concretas, discretas, no nosso viver ferial, feito de gestos, tarefas e compromissos repetidos.

«Avé, cheia de graça, o Senhor está contigo». Cheia de graça, plena de graça, a transbordar. A presença de Deus em nós preenche-nos, completa-nos, acrescenta-nos, realiza-nos. Maria responde sim a Deus no sim primeiro que Deus lhe faz. O dogma da Imaculada Conceição é uma profecia de positividade na tradição católica, um olhar a vida marcada pela primazia da graça sobre o pecado: graça que potencia, eleva e plenifica. Maria é a brecha numa compreensão de que toda a humanidade estaria marcada pela negatividade do pecado e de que a graça de Deus viria a nós somente como cura, reparação, sanação e remédio.

A graça que é Cristo não é apenas remédio e cura dos males; é, principalmente, preservação do mal, potenciação do bem, apelo e força de plenitude e de cumprimento: é dom positivo de prevenção, de capacitação, de possibilidade para nos orientar e cumprir no bem. Maria é aquela que experimenta a ação de Deus como total potenciação para o bem.

Cristo não é apenas Aquele que cura e perdoa do pecado, mas também Aquele que eleva, consuma, plenifica, potencia o cumprimento da vida. O dogma da Imaculada Conceição foi possível, na história da fé católica, como expressão de uma antropologia positiva da graça, da ação de Cristo em nós, como prevenção e preservação do mal e potenciação do bem, como força de amor gratuito que estimula, plenifica e eleva.

Há em nós uma potencialidade que Deus quer estimular e fazer cumprir. Há em nós uma promessa de vida que Deus quer realizar e levar a cumprimento. O negativo da vida não diz a nossa vida inteira. A vida é também uma promessa de bondade, de alegria, de beleza, de encontros felizes. Há na nossa vida uma fecundidade a cumprir e a estimular. A graça de Deus é força de positividade, capacitação para nos cumprirmos no bem.

É isso que Deus, por Cristo, hoje nos quer dizer ao dizer a Maria, e através dela a cada um de nós: «Alegra-te, agraciado(a), o Senhor está contigo».

Pe. António Martins, Solenidade da Imaculada Conceição

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