Queridos irmãs e irmãos,
A imagem da nossa humanidade como aparece documentada nos Evangelhos é uma humanidade ferida, é uma humanidade frágil.
Nos Evangelhos, nós temos o retrato das multidões e das mulheres e dos homens desenhados individualmente – na sua dor, na sua solidão, na sua vulnerabilidade, na sua procura, na sua imperfeição, na sua incompletude.
É a realidade que nós próprios vivemos, que aparece muito bem expressa nos Evangelhos.
Não é ao mundo ideal que Jesus veio, Jesus veio ao mundo real, ao mundo de mulheres e homens como nós, atormentados, perseguidos, sedentos, carentes, mendigos do amor de Deus, a precisar de solução, a precisar de encontro… é esse o retrato dos Evangelhos.
Nós sabemos que este estado, esta condição de carência em que nós vivemos não é aquilo para o que Deus não nos criou. Deus não nos criou para o sofrimento, Deus não nos criou para as lágrimas, Deus não nos criou para o desamparo e para o abandono. É essa meditação sobre a beleza da vida no sonho de Deus que hoje o Livro da Sabedoria nos conta, dizendo: “Não há morte, não há veneno que possa matar o homem, não há nada que o possa afetar, porque Deus criou-o para ser incorruptível”. Deus criou-nos para sermos incorruptíveis, para sermos íntegros, para vivermos e saborearmos o esplendor da vida.
Deus tornou-nos semelhantes a Ele… então a nossa humanidade aos olhos de Deus vale muito, vale muito! A nossa humanidade aos olhos de Deus é uma humanidade de filhos, filhos queridos, filhos amados, que é aquilo que cada um de nós tem de sentir, tem de redescobrir, muitas vezes debaixo dos escombros da sua vida. É essa beleza que nós temos de descobrir, porque Deus criou-nos para a incorruptibilidade.
Mas nós não saberíamos esta verdade fundante, arquitetural da nossa vida, se o próprio Deus, na pessoa de Jesus, não viesse ao nosso encontro para nos tocar, para deixar-se tocar e para nos tocar.
Pensemos nas duas personagens que emergem no Evangelho de hoje, nesta página de S. Marcos: aquele pai, chefe da sinagoga, a quem a filha morreu muito doente, ele ainda não sabia que a filha tinha morrido, e num desespero muito grande vem à procura de uma solução. É um grito, é uma ânsia, é um desejo, é a exposição dramática da nossa fragilidade.
Aquele pai representa todos os pais e todas as mães, todas as aflições que na vida nós vivemos, porque não conseguimos salvar os outros, não conseguimos tocá-los da forma que nós queríamos – e então este homem, sendo o chefe da sinagoga, vai ajoelhar-se aos pés de Jesus e suplicar-lhe: “Vem ver a minha filha, vem tocar a minha filha!” .
E Jesus acede e vai ao encontro. E quando está em viagem, cercado por uma multidão, há uma mulher que há doze anos vive numa procura, desenganada dos médicos, a encontrar um remédio para a sua doença. Ela estava sozinha, envergonhada, excluída, no meio daquela multidão. E ela vem tocar Jesus.
Jesus por um lado aceita ir tocar a filha do chefe da sinagoga, mas Ele também se deixa tocar por esta mulher que precisa de vida, que precisa de um remédio, que precisa de um olhar compassivo, que precisa talvez de tocar em alguém. Porque a sua doença tornava-a também uma intocável, tornava-a uma pária social e ela precisava tocar em alguém. Então com fé, ela toca nas vestes de Jesus.
É maravilhoso ver a solicitude de Jesus, porque Jesus imediatamente vai com aquele pai e ao mesmo tempo é sensível no meio de toda a multidão que o constringe e aperta. Jesus é sensível ao toque anónimo daquela mulher. E pergunta. “Quem me tocou?”
“Quem me tocou?”, isto é, dá valor àquele gesto, dá dignidade à procura, à carência daquela mulher, precisa de a olhar nos olhos. E depois no diálogo que tem com ela diz uma coisa muito bonita, diz: “Filha, filha, a tua fé te salvou”. Aquela mulher não estava apenas doente da hemorragia, estava também doente de uma orfandade ontológica, de uma solidão – e Jesus arranca-a da solidão e dá-lhe aquele amor filial: “Filha, a tua fé te salvou”.
Depois Jesus vai ao encontro daquela menina e toca-lhe outra vez na mão e diz-lhe: “Talitha Kum”, “Menina, levanta-te”! E ela levanta-se, viva, revitalizada!
Jesus vem ao encontro da nossa vida para nos tocar, tocar aquilo que nós somos, tocar a nossa solidão, tocar a nossa carência, a nossa escassez. Jesus vem para tocar. E para dar-nos aquela vida que só por nós, nós não conseguimos, e dar-nos aquele entusiamo que por nós sós não chegamos a ele, e dar-nos aquela confiança, aquela alegria que só Deus sabe transmitir, sabe ensinar.
Por isso, confiança, tenhamos confiança! Aquela palavra que Jesus diz ao chefe da sinagoga, “Não temas, confia apenas”, é a palavra que Deus dirige a cada um de nós em cada momento da nossa vida.
Hoje nós temos quatro catecúmenos que o Senhor Patriarca vai batizar e crismar (eles vão receber os três sacramentos da iniciação cristã: o Batismo, a Primeira Comunhão – a Eucaristia- e o Crisma, no dia 22). Eles hoje vão receber o primeiro rito, o rito com o óleo dos catecúmenos: é a Ana, é a Bárbara, é a Rita e é o Miguel.
Vamos rezar por eles, são pessoas jovens que a meio da sua vida têm este desejo de tocar e de ser tocados por Jesus. E que eles o desejem fazer aqui na nossa comunidade é alguma coisa que nos comove muito – porque eles sendo nossos irmãos também são nossos filhos, também é a nossa fé que produz estes frutos, que produz o desejo, a sede de Deus no coração daqueles que nos rodeiam, daqueles que estão connosco.
Nós dizemos à Ana, à Bárbara, à Rita e ao Miguel: “Muito bem-vindos a este caminho mistagógico de iniciação à vida cristã. Desejamos muito que este primeiro passo seja dado com a confiança, com a certeza de que Deus vem para vos iluminar, para sustentar a vossa vida, para dizer a cada um:“ Tu és a minha filha, tu és o meu filho que eu amo, vou colocar em ti o meu amor”. Sintam esta palavra no fundo dos vossos corações. E neste mês peço também que rezem por mim, que esta palavra de Jesus seja uma palavra que eu possa guardar no meu coração, sustentado também pelo amor e pela oração dos irmãos.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XIII do Tempo Comum
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