Queridos irmãs e irmãos,
É muito interessante, do ponto de vista existencial e espiritual, este interrogatório feito a João Batista, que nos surge neste terceiro domingo de Advento. As autoridades de Jerusalém vão ter com ele ao Jordão a saber quem é ele, o que é que pretende, o que é que se pode pensar acerca dele. E é extraordinária a clareza da resposta de João Batista, que desfaz toda a ambiguidade.
Perguntam-lhe: “Tu és o Messias?”
Ele responde: “Não, não sou o Messias.”
“Tu és Elias?”
“Não, não sou.”
“Então quem és tu?”
“Eu sou a sentinela, eu sou alguém que prepara no deserto um caminho para o Senhor. Eu sou alguém que diz: no meio de vós está Aquele que não conheceis e é em Seu nome que eu preparo o caminho para o nosso Deus. Porque, depois de mim, vai chegar quem é mais forte.”
O papel, a figura, de João Batista ilumina plenamente o que há de ser a nossa função, a nossa missão no Natal. Porque, acontece que muitas vezes nos colocamos na vida uns dos outros, e nesta geometria natalícia colocamo-nos no lugar de Jesus. Como se o messianismo fosse a nossa amizade, a nossa relação, no fundo girasse em torno a nós, porque somos nós que oferecemos, somos nós que damos, somos nós que preparamos. E a grande pergunta do Natal é: Onde é que ele acaba? Acaba apenas no nosso gesto, no nosso dom, nas coisas que nós preparamos, na mesa que nós abrimos? Onde é que acaba o Natal?
A clareza de João Batista é enfocar em Jesus e há de ser uma inspiração para nós. Nós cumprimos a nossa missão em relação ao mistério da encarnação, se encaminharmos os outros para Jesus. Se não criarmos ambiguidade no sentido de a coisa mais importante ser as relações intra-amigos ou intrafamiliares ou intrainstitucionais e não existir mais nada. Não, temos de romper e temos de viver este tempo com uma humildade muito grande, com um apagamento muito grande. Porque, só assim, como nos lembra S. Paulo na Carta aos Tessalonicenses, é que nós não apagamos o Espírito.
Temos de ter esta preocupação, queridos irmãs e irmãos, de não apagar o Espírito. Não apagar esta experiência de esperança, este rasgar de coração necessário para entender o Natal. Não enchamos de tralha esse vazio necessário para que Deus nasça em cada vida, mas tenhamos uma delicadeza muito grande nas relações com os outros, nas mensagens que partilhamos, nos gestos, nas coisas que condividimos. Tenhamos muita sensibilidade para não ocupar o lugar de Deus, o lugar de Jesus, com outras coisas. Nós somos figuras liminares, nós somos figuras de fronteira, o nosso papel é preparar um caminho para o nosso Deus, preparar no deserto um caminho para o nosso Deus.
Eu não sei se já nos sentimos conscientes desta nossa missão em relação ao Natal. Porque, eu não sou o Natal para o outro. É um equívoco, cada um de nós não é um Natal para o outro. Podemo-nos vestir de pais-natal e mães-natal, mas nós não somos o Natal para o outro. Nós preparamos o caminho, e é preciso esta clareza: não, não, não. Dizer um “não” que liberta verdadeiramente para que nós compreendamos qual é o nosso lugar e ajamos a partir daquilo que é o nosso lugar – gente que prepara, gente que anuncia, gente que diz “No meio de vós está Alguém que não conheceis”, que é capaz de dar esta boa nova. Só assim nós somos responsáveis pela vivificação deste Espírito no coração dos outros, na celebração deste tempo.
É tão bela a profecia de Isaías com que hoje nós começamos a liturgia da palavra, e é de facto olhar para a obra de Deus em cada pessoa: “Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus que me vestiu com as vestes da Salvação e me envolveu com o manto de justiça.” O Senhor prepara a vida de cada um de nós. Nós preparamos o Natal, agora entramos numa contagem decrescente, numa agitação, numa efervescência. Mas não ofusquemos a verdade principal. A verdade principal é podermos dizer a cada uma, a cada um: olha, o Senhor prepara com que amor, com que deleite, com que encantamento, com que delicado cuidado a tua vida, Deus prepara a tua vida, Deus toca, Deus molda o teu coração, sente isso, sente as mãos de Deus na tua vida, sente-te visitado por Deus, sente-te amado por Deus.
É esta a boa nova que nós temos de anunciar, de anunciar uns aos outros. Este é o Natal decisivo, porque é o Natal que vai poder continuar, que não vai acabar no dia 25, que não se desembrulha completamente de uma vez como um presente, mas vai-se descobrindo aos poucos, desdobrando cada vez mais na nossa vida. E só isto é que provoca a alegria. É misterioso, é enigmático mas a alegria do Natal, a verdadeira alegria do Natal, nasce de muitos “nãos” que nós temos de dizer a nós próprios, à nossa tentação de vaidade, de centrismo, de acharmos que nós podemos satisfazer a necessidade de consolação, a necessidade de sentido, de consolo que os outros têm no seu coração. Nós não podemos satisfazer, nós somos portadores de uma boa nova. E tudo o que encontremos tem de ser nesse sentido, levar aos outros a certeza do amor de Deus, que eles se sintam amados e que a nossa presença, o nosso cuidado seja apenas uma pequenina expressão consciente da sua humildade para dizer a coisa bem maior que é podermos dizer uns aos outros: Deus ama-te com amor infinito, Deus cuida da tua vida, Deus consola-te, Deus está disponível para esse amor ilimitado. Se nós formos capazes de dizer isto uns aos outros acontecerá Natal.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo III do Advento
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