Queridos irmãs e irmãos,

Já tínhamos saudades de estar juntos, saudades de estar aqui na nossa comunidade, na nossa capela. Porque, na história da fé de cada um de nós, os lugares são importantes.

Tantas vezes no nosso coração, como no coração de qualquer mulher e de qualquer homem, surge a pergunta: Onde? Onde? Eu acredito ou eu espero ou eu desejo, mas onde é que eu vou encontrar? Onde é que eu vou sentir-me tocado pela experiência da misericórdia? Onde é que eu vou tocar a orla do sentido, do significado mais perene da própria vida? Onde? Onde?

Nós sabemos que esta pergunta é vivida hoje na nossa cultura de uma forma tão dramática, tão dilemática. Porque reina uma incerteza muito grande. E essa incerteza, tantas vezes, é a noite escura da nossa própria alma. Queremos mas não sabemos, desejamos mas não percebemos onde está a verdadeira fonte. Por isso, este é um lugar que tem tanto significado para nós. Na sua humildade, na sua escassez, não tem nada de especial mas é o lugar onde celebramos juntos a fé, é o lugar onde no centro está a Eucaristia, está a presença de Jesus vivo. Por isso, é um lugar significativo para nós.

Hoje, nesta leitura do profeta Isaías, há uma palavra que nos faz estremecer, que é o profeta dizer, e aparece-nos três vezes com deítico, pronome demonstrativo: “Sobre este monte.” E depois, mais à frente, ele diz: “Sobre este monte o Senhor há de preparar um banquete. Sobre este monte há de tirar o véu e destruirá a morte para sempre. E a mão do Senhor pousará sobre este monte.” É uma coisa que faz estremecer porque uma coisa é acreditarmos na intervenção de Deus, na manifestação de Deus, outra coisa é compreender, mas compreender a partir das suas entranhas e da sua vida, a partir daquilo que nós próprios experimentamos, que é aqui, é neste monte que acontece a transformação, que acontece a revelação de Deus.

Queridos irmãs e irmãos, nós estamos aqui porque, de alguma maneira, nós acreditamos que aqui Deus Se manifesta. E Deus Se manifesta do modo que Ele sabe, na Sua liberdade, na criatividade do Seu amor, na surpresa permanente com que Ele encontra a vida de cada um de nós e nos carrega aos Seus ombros. Nós sabemos que por aqui passa essa fantástica manifestação de Deus na nossa vida. Para nós, Deus não é apenas um enigma, não é apenas um grande ponto de interrogação nos confins do universo, mas é Alguém com quem estabelecemos uma relação, no aqui e no agora das nossas vidas. Com toda a despretensão, com toda a sensibilidade, com toda a humildade mas é isso que dá sentido àquilo que somos.

S. Paulo, na Carta aos Filipenses, faz um elogio da comunidade cristã. É muito belo porque S. Paulo escreve quando está preso, numa prisão em Éfeso, e escreve para Filipos, para a pequena comunidade de filipenses a elogiá-la, a agradecer, a manifestar o seu reconhecimento por todo o apoio que tem recebido na comunidade de Filipos, e louvando aquela amizade que se entretece entre os cristãos.

Queridos irmãos, nós não viemos aqui apenas para encontrar Deus, para encontrar Deus e ir embora. Estamos aqui também para criar laços uns com os outros, para sermos iniciados nesta escola de fraternidade e de amor que é, no fundo, uma comunidade cristã. E partilharmos e sentirmo-nos reconhecidos e estimados, amados e ganharmos esta competência de amor que é, no fundo, onde quer que estejamos, sermos mulheres e homens que constroem pontes, que constroem laços, que estabelecem a alegria da comunidade, que não acreditam em solidões mas acreditam numa companhia que se constrói, que é possível acontecer em todas as situações.

Por isso, é tão importante ouvir a voz de Paulo que conforta a comunidade de Filipos dizendo: “O meu Deus proverá com abundância a todas as vossas necessidades.” Isto é, a comunidade sabe que Deus Se manifesta e que um pão numa comunidade dá para alimentar muitos corações, porque um coração não se alimenta apenas do pão, alimenta-se no repartir, alimenta-se da dádiva, alimenta-se do dom, alimenta-se da esperança que lê nos olhos uns dos outros.

Nós sentamo-nos à volta de uma mesa, como estamos aqui sentados, não apenas para comermos o pão e o vinho. Nós alimentamo-nos também uns dos outros, nós comungamo-nos uns aos outros, comungamos Jesus que é o Seu corpo místico, comungamos a própria Igreja, comungamos os nossos irmãos. Isto é, alimentamo-nos da vida, das relações, da presença, do estar. Por isso, no início de um ano pastoral é tão importante celebrarmos a beleza de estarmos aqui. E a beleza de sermos uma pequena comunidade cristã no coração da cidade, que acredita que os laços de vida, que os laços de amizade, de afeto, que nos percorrem são a própria expressão do amor de Deus.

Hoje lemos este salmo tão belo, o Salmo 23: “O Senhor é meu pastor nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes. Ainda que eu ande por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal porque Ele está comigo, a Sua vara e o Seu bastão me protegem.”

Numa prisão dos Estados Unidos um teólogo viu escrito uma paráfrase deste salmo que foi escrito por um dos prisioneiros. E, onde está a palavra “Senhor”, ele escreveu a palavra “heroína”. “A heroína é o meu pastor, nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, ainda que tenha de andar por vales tenebrosos não temerei nenhum mal porque a heroína está comigo.” Essa paráfrase é impressionante porque diz muito da situação do mundo, da história, de tantos corações – tantas vezes até dos nossos próprios que experimentam o vazio, o vazio. Quem se sente apascentado pelo Senhor tem de se recordar que há tantos e tantas que sentem que ninguém os apascenta, que ninguém cuida das suas vidas, que ninguém olha para aquilo que eles são, que ninguém valoriza a sua existência. E que eles existirem ou não existirem é mais ou menos a mesma coisa. Nós estamos aqui metidos numa cápsula, nós estamos aqui unidos ao sofrimento humano, unidos às grandes questões que atravessam o coração da história, unidos à dramática ausência de sentido de tantas vidas. Nós não estamos aqui apenas para sentir o conforto daqueles que creem, nós estamos aqui também para abraçar o desconforto de uma fé que não chega a todos, que ainda não chegou a todos, que ainda não chegou a todos os corações.

E por isso, onde houver um sofrimento humano, nós sentimos a missão de estar junto, a missão de estar perto. A Igreja não é um clube para as pessoas que têm as mesmas convicções, a Igreja não é um clube fechado. A Igreja é, como diz o Papa Francisco nessa maravilhosa sucessão de imagens novas sobre o que é a Igreja e o que ela deve ser, um hospital de campanha. A Igreja tem de estar no mundo, tem de estar a cuidar das feridas, das feridas do mundo. A Igreja não é para construirmos murros altos que protejam o nosso modo de pensar. A Igreja é mais vital quando ela é a Igreja em saída, quando ela sente o desafio de ir ao encontro, de estabelecer caminhos comuns, de cuidar da humanidade e da humanidade vulnerável dos nossos irmãs e irmãos.

E por isso, a parábola que Jesus contou, porque muitas vezes nós podemos julgar que foi matéria para nós mas nós não estamos a acolher. E o Evangelho é precisamente este convite que Jesus nos coloca na parábola. É dirigido a uns, e eles não foram e calaram o denunciador, é dirigido aos mesmos com insistência e eles mantêm a porta fechada. Até que o Senhor diz: “Não, ide às encruzilhadas. Chamai todos os que estiverem por lá, maus e bons.” E a sala encheu-se de convidados. A Igreja não é um lugar muito escolhido, não é um lugar para aquelas pessoas, para aquela classe social, ou para as pessoas que pensam daquela maneira, ou para aqueles que tem aquele código moral. A Igreja é para maus e bons. A Igreja tem de ter as suas portas abertas, a Igreja tem de ser um espelho das encruzilhadas do mundo. E quando nós estamos numa comunidade onde a tensão da encruzilhada não se vive nós temos de pensar se, de facto, estamos a ser Igreja ou se estamos a domesticar essa experiência, se estamos a domesticar o Evangelho de Jesus. Que é um anúncio que nos desassossega, que nos inquieta, porque nos projeta para lá de nós mesmos e nos põe a caminho ao encontro dos outros, ao encontro dos últimos.

O nosso projeto de presença cristã no meio da cidade não pode ser apenas para aqueles que já são católicos apostólicos romanos, aqueles que já têm a sua vida organizada, aqueles que já vivem, aqueles que já descobriram e que, no fundo, vivem um catolicismo de manutenção. Uma comunidade vive da manutenção, isto é, vivermos bem aquilo que já descobrimos com alegria, mas tem de ser também o lugar da descoberta, um lugar disruptivo, um lugar de portas abertas para aqueles que se sentem fora, para aqueles que sentem que estão a fazer outros caminhos. E nós temos de estabelecer esse encontro, temos de poder ser uma presença de hospitalidade no meio do mundo.

Queridos irmãs e irmãos, termino como comecei: que saudades de estarmos juntos, de estarmos a celebrar a nossa fé, sentindo no início deste ano que temos de fazer um grande caminho. Temos de fazer da nossa fé uma experiência total, que ilumine o nosso coração e a nossa inteligência, que ilumine o nosso corpo e o nosso espírito, que nos conforte mas nos desassossegue, nos dê a paz e nos dê também a intranquilidade de não ficar apenas com a paz guardada em nós mas sermos capazes de contagiar outros, de ir ao encontro, ser a Igreja em saída de que fala o Papa Francisco profeticamente.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXVIII do Tempo Comum

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