Queridos irmãs e irmãos,
Um dos traços que caracteriza a relação de Jesus com aqueles que O procuram é, precisamente, Ele eliminar a distância, muitas vezes a distância vigiada pelas autoridades (distância sanitária, distância moral, distância religiosa), e tocar. Jesus não apenas curou os leprosos, Jesus incorreu no risco da pureza legal, e também da própria saúde, por tocar. Jesus não apenas sarava as feridas, mas reintroduzia na relação. E, por isso, o toque é tão importante no Evangelho e representa, de facto, o estilo de Jesus, que é trazer o outro plenamente à vida. Não é apenas resolver um problema ou uma doença ou uma patologia, mas é reintroduzir a pessoa numa relação, num diálogo de vida – a pessoa sentir-se tocada pelo amor, pela ternura, pela esperança que vem de Jesus.
Depois, nas aparições pascais, reaparece a questão do toque e é uma pergunta que nos é colocada. Tomé que duvida, mas perante a ressurreição quem não sente a dúvida? Quem não sente que tem de fazer um caminho? Quem não sente que não é uma coisa imediata mas é uma surpresa, mas é um espanto, mas é uma pedagogia que tem de acontecer na vida de cada um de nós?Tomé duvidou e disse: “Se eu não O tocar, se eu não meter o meu dedo no Seu lado, nas Suas feridas, não acreditarei.” E Jesus permite-lhe isso e diz : “Tomé, coloca o teu dedo.” Mas o Evangelho não nos diz se Tomé chegou a tocar ou não, porque ele como que interrompe esse movimento da sua mão dizendo: “Meu Senhor e meu Deus.”
E na relação com Maria Madalena nós temos um problema semelhante , porque quando Maria Madalena estende, no jardim do sepulcro, a sua mão para tocar em Jesus, Jesus diz-lhe: “Não Me toques.” “Noli me tangere”. E nós ficamos com esta palavra. Será que o Ressuscitado é aquele que se toca ou aquele que já não se toca? Será que o Cristo pascal, o Cristo da Ressurreição é o Cristo que já não se pode tocar? Quando Jesus diz a Madalena “Não Me toques” , ou quando Tomé, aparentemente sem tocar, sem necessitar de tocar já diz “Meu Senhor e meu Deus”, ou quando Jesus diz “Bem-aventurados os que acreditarem sem terem visto”, será que é uma fé que já não supõe a necessidade de tocar, a necessidade de tatear, a necessidade de ter uma prova concreta, uma prova empírica, aquelas que os nossos sentidos podem construir?
O filósofo Jean-Luc Nancy escreveu um belo livro, pequenino, um comentário fantástico sobre essa palavra de Jesus e sobre as aparições pascais, precisamente sobre isto, sobre o que é que significa não tocar Jesus, não tocar o Ressuscitado. Ele diz uma coisa interessante, que o não tocar é verdadeiramente compreender que o que nós somos chamados a tocar em Jesus é aquilo que passa. Por isso, o “Não Me toques” que Jesus diz a Maria Madalena, e que está aqui como questão de fundo no diálogo com Tomé, quer dizer “Não Me retenhas, não Me detenhas porque Eu sou passagem, porque Eu sou Páscoa. Eu sou Este que está aqui mas continua, Este que não Se deixa prender por nenhuma palavra, por nenhum gesto, Este que é vida em absoluto.” No fundo, a Páscoa, a fé pascal, pede de nós uma capacidade de acreditar Naquele que é vida, não naquele que se faz vida de uma forma representada concreta que eu posso deter, que eu posso tocar, que eu posso reter. O Ressuscitado introduz-nos no mistério da vida que é passagem, que é abertura permanente, que é Páscoa, que é Êxodo, que não é apenas daqui e dali mas que está, mas que é em toda a parte. E no fundo, o Ressuscitado inicia-nos naquilo que é o mistério do Amor, do verdadeiro Amor.
E no amor as pessoas tocam-se, na intimidade as pessoas tocam-se, mas o que é que tocam verdadeiramente? O verdadeiro toque do amor é aquele toque que não é para reter, não é para prender mas é tocar aquilo que cada um tem de intocado, o mistério de cada um. E no fundo, a fé Pascal o que é que nos abre? Abre-nos ao mistério de Jesus. Nós devemos ver Jesus na Sua realidade total, naquilo que Ele é.
Muitas vezes os homens e as mulheres viram o Jesus histórico, não O conseguiam compreender. Ele era apenas mais um profeta, era apenas mais um que pretendia ser o Messias, era mais um contador de parábolas, era mais um. Na Páscoa nós somos chamados a perceber Jesus como o único, somos chamados a compreender a Sua realidade total e isso pede de nós um salto, pede de nós uma capacidade de acreditar para poder ver. Normalmente nós vemos para acreditar, é essa a nossa metodologia no trabalho com a realidade. O Ressuscitado inaugura uma nova metodologia, nós temos de acreditar para poder ver, nós temos de não tocar para poder tocar, nós temos de não reter para poder verdadeiramente possuir, nós temos de aceitar o silêncio, a distância para poder verdadeiramente viver a intimidade e a relação, e isto é a nova relação, a nova relação pascal.
Mas, queridos irmãos, desta relação nós nascemos, nós nascemos. E por isso é tão maravilhoso o gesto que Jesus faz. Ele chega-Se ao interior do grupo e diz: “A paz esteja convosco.” E sopra sobre eles. Claramente este soprar é uma alusão à criação do Adão e da Eva quando Deus faz o Homem, amassa-o do barro e sopra nas Suas narinas para lhe dar vida. Jesus sopra o Espírito sobre nós também para nos vivificar, também para nos dar uma vida nova, para nos dar uma perspetiva nova, para nos dar uma compreensão nova da própria vida. E por isso nós nascemos da Páscoa. A Páscoa é o nosso berço, a Páscoa é o lugar onde cada um de nós reencontra o significado da própria vida mas também o método, mas também a maneira, a maneira de viver.
É muito belo aquilo que os Atos dos Apóstolos nos contam: “Das mãos dos discípulos saiam milagres e prodígios.” Iam todos juntos em consonância, em harmonia, numa capacidade de comunhão que causava espanto a todos.
Queridos irmãos, a Páscoa enche-nos de confiança. Das nossas mãos também saem milagres, das mãos de todos nós. As nossas mãos são instrumentos do milagre, instrumentos do prodígio. Nós precisamos confiar naquilo que o Ressuscitado faz das mãos de cada um de nós e saber que a melhor expressão da nova criação que a Páscoa começa é verdadeiramente a capacidade de viver a comunhão, a capacidade de vivermos uns com os outros, de criarmos história, de criarmos relação insuflados pelo Espírito novo. A Páscoa dá-nos o Espírito, a nós que tantas vezes vivemos desalmados como se nos faltasse a alma, o ânimo, o Espírito. A Páscoa é a grande relativização, o grande levantamento e por isso este é um tempo de confiança, queridos irmãs e irmãos. Tempo para viver na confiança, tempo para acreditar na vida, tempo para acreditar na potência de Deus em cada um de nós. Deus pode, Deus pode. Que na comunhão, na amizade, na solidariedade, no serviço, na reconstrução da vida, no cuidado uns pelos outros, na atenção aos mais frágeis, na celebração da esperança nós possamos reencontrar este Cristo que agora está, que agora é, plenamente, perto de nós.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo II da Páscoa