Queridos irmãs e irmãos

Porque é que nós estamos aqui, nesta noite? O que é que nos junta uns aos outros? O que é que nos aproxima destas palavras, destes ritos? O que é que este mistério, hoje, traz à nossa vida? O que é que nos move? O que é que buscamos nesta relação? O que é que esperamos? Qual é a pergunta e a expectativa que o nosso coração acendeu, ao longo deste Advento?

Queridos irmãs e irmãos, de que Natal nós estamos à espera?

Hoje, o próprio céu se rompe, e há uma palavra que se escuta: “Nasceu-vos, em Belém da Judeia, um Salvador.”

A única razão, válida, para estarmos aqui, é esta: nós precisamos de um Salvador. A nossa vida, a experiência que fazemos da nossa vida em qualquer idade, é esta. Cada um de nós precisa ser salvo, a nossa vida precisa ser resgatada. Porque, senão, a nossa vida é um inacabamento, a nossa vida é um aberto, é uma pergunta sem resposta. A nossa vida é bater a uma porta que continua fechada, a nossa vida é gritar a um céu que não se abre, é uma travessia na noite, sem esperança de uma aurora.

Nós precisamos de um Salvador e estamos aqui não a fazer de conta que precisamos e nem a fazer de conta que nasceu. Nós estamos aqui porque Deus nos deu um Salvador. E deu, a cada um de nós, este Salvador que toma a nossa carne, que abraça a nossa condição, que vive a partir do nosso sangue e da nossa alma, do nosso alento, que pisa este mundo, que vibra com ele, que sofre, que é ferido, também pela própria existência.

Ele é o nosso Salvador, porque Ele mostra-nos, Ele vem mostrar-nos que é possível. Ele vem mostrar-nos como Deus não é um amor intangível, mas que Deus nos ama com um amor no qual podemos confiar, podemos acreditar. Ele vem para resgatar, para rematar, para dar sentido, para iluminar, para tirar a nossa vida da escuridão, Ele vem para nos salvar.

“Hoje, em Belém da Judeia, nasceu-vos um Salvador.” Nós estamos a dois mil anos desta palavra e estamos tão longe da Judeia, mas sabemos que hoje, nesta noite de 2014, neste lugar onde estamos, esta Palavra é uma verdade para cada um de nós: nasceu o nosso Salvador. E cada um, no seu coração, pode dizer: “ Hoje nasceu o meu Salvador.”

A nossa vida não só vale mais, como se transforma noutra coisa. A nossa vida, finalmente, ganha um sentido, ganha uma força, ganha aquele entusiasmo que só Deus é capaz de trazer, de colocar. Ganha a fé, ganha a esperança, ganha a caridade, que é o dom do próprio Deus, derramado nas nossas vidas.
Hoje nasceu, para cada um de nós, um Salvador. E, por isso, a nossa vida não é só indecisão, não é só este balanço entre o bem e o mal, entre o que queremos e o que não conseguimos, entre tanta coisa, dentro e fora de nós.

A nossa vida não é só isto. Hoje nasceu-nos um Salvador.

No Profeta Isaías e no Evangelho de Lucas, que hoje lemos, há como que uma desproporção na forma como esta verdade nos é apresentada. Lucas, por exemplo, diz: ”O mal será erradicado, todo o vestuário de guerra será ultrapassado, será deixado para trás, toda a violência se extinguirá como fogo na cinza da esperança, tudo isso passará.”

– Como?, perguntamos nós.

– “Porque um Menino nasceu para nós. Um filho nos foi dado.”

Se nos viessem dizer “arranja uma solução para acabar com a violência no mundo”, nós pensávamos numa superpotência, maior que as superpotências atuais, que pudesse pôr cobro, que pudesse pôr ordem nisto. Ora, Deus atua de uma forma absolutamente desconcertante, absolutamente paradoxal, porque não vence a força pela força, não vence a violência pela violência, não vence a guerra com mais guerra.

“Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado.” E a mesma coisa nos é relatada no Evangelho de Lucas: “Isto vos servirá de sinal. Encontrareis um menino, deitado numa manjedoura.” O que é que este sinal nos quer dizer? Quer dizer duas coisas, fundamentais, e essa é também a mensagem do Natal:

Nós pensamos que estamos em agonia. Que o nosso mundo está a morrer, que nós próprios estamos condenados à morte, que tudo, no fundo, vai passar, que tudo foi um lugar onde experimentamos alegria e dor, mas tudo isto é para morrer. E o Menino é o símbolo do nascer. Então, nós não somos as testemunhas de uma agonia, estamos aqui para ser testemunhas de um parto, para sermos testemunhas de um nascimento. De um nascimento que não é só o daquele Menino, mas é o nosso próprio nascimento, é o nascimento do mundo. Estamos aqui para sermos cúmplices e para vivermos como cúmplices do nascimento, do nascer, e para olharmos para o mundo não como uma coisa condenada a morrer mas como uma coisa chamada a renascer. Para olharmos para a nossa própria vida não como um crepúsculo, mas como um amanhecer, como uma aurora, como um nascimento.

A segunda coisa diz-nos, no testemunho de Isaías: “Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado.” E em Lucas: “Isto vos servirá de sinal. Encontrareis um recém-nascido deitado numa manjedoura.” O segundo argumento é: acreditarmos mais na potencialidade que tem a vida frágil, a vida nua. Porque Deus não nos dá mais nada, dá-nos uma vida nua, dá-nos uma vida estreme, dá-nos a vida na sua condição mais pequena, Deus dá-nos a vida mínima, Deus dá-nos a vida que estremece, a vida que apenas nasce, a vida sem retoques, sem ornamentos, a vida, a vida. Deus dá-nos a vida. E diz: “Acredita, acredita, acredita no poder que esta vida tem, que esta vida tem em Jesus, e que esta vida tem em ti. Acredita, acredita.”

Nós colocamos a nossa confiança em tantos cavalos errados… Acreditamos que o mundo vai mudar se houver isto e aquilo, se houver aqueloutro. E acreditamos que vamos mudar, nós próprios, se houver esta condição ou outra, ou aqueloutra. E a verdade é que nunca nada acontece. Falta-nos dar valor à vida pequenina, ao gesto mínimo, àquilo que apenas nasce, ao rebento e não à flor, à aurora e não ao meio-dia, àquilo que apenas é esboçado, àquilo que está escrito a lápis, àquilo que é fragilíssimo… Percebermos o vigor disso, percebermos como a vida frágil é uma alavanca para a nossa transformação e para a transformação do mundo.

Queridos irmãs e irmãos, o que é que nós viemos aqui fazer? O que é que nós estamos a celebrar? O que é que viemos buscar? Penso que, no fundo do nosso coração, a viagem que aqui fizemos para chegar a este lugar foi uma viagem feita pelos nossos pés, mas é sobretudo feita pelo nosso coração. Viemos aqui buscar esta confirmação que Deus faz, de que está connosco, que Ele é o Deus connosco, e que nós podemos acreditar nisto que desponta, Neste que nasce, naquilo que irrompe, na emergência da vida, da palavra, do sinal. É tudo muito frágil, é tudo muito pequenino, dura apenas uma noite, dura apenas um dia, mas a mensagem, segredada ao nosso coração, é esta: Acredita, acredita, acredita.

Pe. José Tolentino Mendonça, Missa do Galo

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