Queridos irmãs e irmãos
Hoje, a primeira leitura ilumina o que acontece em cada Natal, que é uma espécie de reviravolta, de volte-face. Nós estamos empenhados em preparar a vinda do Senhor, em preparar-Lhe, simbolicamente, um espaço que se torne uma parábola do grande acolhimento, da grande hospitalidade à qual nós estamos dispostos e dizemos: “Maranatha, vem Senhor Jesus”.
Abrimos as casas, encontramos um lugar dentro delas, preparamos formas diferentes no tráfico dos nossos dons, das palavras, dos sentimentos, dos votos, dos desejos. Encontramos, na nossa vida, um modo de Deus chegar. Estão as portas todas abertas, é o quarto domingo do Advento. A contagem decrescente começou e, então, dá-se a reviravolta, o volte-face que é Aquele que o Senhor Deus diz ao rei David que tem um papel tão emblemático na expetativa messiânica. O Senhor diz-lhe: “David, não és tu que Me preparas uma casa, sou Eu que preparo uma casa para ti.”
Queridos irmãs e irmãos: nós não mergulhamos, profundamente, no mistério do Natal se não acolhemos esta reviravolta no nosso coração. Não somos nós que preparamos um presépio para Deus nascer, é Deus que prepara o lugar, é Deus que prepara a possibilidade, as condições dum renascimento de cada um de nós. Jesus é o Deus que se torna homem, para que o homem e a mulher que somos se possam tornar divinos, se possam divinizar. Ele nasceu para potenciar os nossos nascimentos.
Nós podemos perguntar como Maria: “Mas como será isso, se eu não vejo essas possibilidades?” Que o menino possa nascer, simbolicamente, na minha casa, eu acredito, mas que a minha casa toda, e o que ela significa, possa renascer, eu não vejo como. Que eu, pessoalmente, me possa revestir e preparar e abrir as portas para o Deus connosco vir, isso eu percebo; mas que eu possa, na minha rigidez, nos meus entraves, nos meus dilemas, no caminho que estou a fazer, que eu possa, verdadeiramente, recomeçar e renascer, não vejo como, não vejo como.
E a palavra do Anjo, a dupla palavra, é, de facto, a grande palavra de Natal: “Não temas! Não temas!” Isto é, não desanimes, não penses que não é para ti: “Não temas, o Espírito Santo virá em teu auxílio. A sombra do Altíssimo te cobrirá.” E o mistério que acontece na nossa vida humaníssima, na nossa vida fragilíssima, é ação do próprio Deus. É Ele quem pode renovar, é Ele quem pode transformar as nossas vidas, é Ele que pode fazer acontecer, dentro de cada um de nós, esse Natal, essa erupção da vida nova, cintilante, essa possibilidade de uma esperança maior do que aquela que somos capazes, é Ele que pode acender isso em nós.
O que é este novo nascimento? S. Paulo diz o que é, com uma palavra só, que é uma das palavras mais importantes desse texto maior da memória cristã que é a Carta aos Romanos, que hoje lemos. Ele diz: “O grande mistério, revelado, esperado desde sempre e agora revelado é este: Deus Pai confirma-nos.”
Uma palavra só: “Confirma-nos”. Deus confirma-nos. O que é o Natal? O que é o Natal 2014, que estamos prestes a celebrar? É esta confirmação que cada um de nós tem, que é chamado a sentir dentro de si, de que é confirmado por Deus, confirmado como filha, como filho amado, como filho e filha queridos, em quem Deus coloca todo o Seu amor.
Deus confirma-nos. Deus confirma-nos e a nossa vida passa a valer mais. Porque não é só o que somos, não é só o que conseguimos, não é só o que trazemos, não é só o que arrastamos vida fora, não é só isso. É o olhar de Deus pousado na fragilidade que eu tenho, que eu sou. É o olhar de Deus em mim, que me confirma, muitas vezes para lá das próprias evidências, e contrariando-as. É esse olhar de Deus que me confirma, contra toda a Esperança. Deus confirma-me, e diz: “Tu és a minha filha, tu és o meu filho.”
Essa certeza do amor de Deus depositado, mostrado, por Jesus, face a face, na nossa história, essa certeza indefetível desse amor que não falha, desse amor no qual nós podemos confiar. Deus é um Deus credível, o Deus connosco é um Deus credível, no qual um homem e uma mulher pode acreditar. Nós acreditamos nesse amor, e acreditamos que esse amor é-nos dado como fundamento, como pedra angular, como razão, como possibilidade, como manjedoura onde nós nascemos.
Queridos irmãos, nós temos de olhar para os nossos dias e sentir isso: não somos nós que estamos a construir uma manjedoura, é Deus que faz do tempo da nossa vida, deste tempo onde estamos, deste aqui e agora, o lugar da nossa confirmação, o lugar do nosso nascimento. Abramos por isso o nosso coração em alegria.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo IV do Advento
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