Queridos irmãs e irmãos
Estamos a aproximar-nos do final do ano litúrgico, do início do Advento e, normalmente, este tempo que culmina para o fim do ano litúrgico ajuda-nos a refletir sobre as finalidades da nossa vida. Como é que nós vivemos? Quais são as nossas razões de fundo? O que é que nós procuramos com a nossa vida? O que é que está no centro profundo das nossas decisões?
Hoje Jesus oferece-nos esta parábola dos talentos: um senhor que dá a cada um determinado número de talentos para que cada um os faça render, construa uma história, faça deles uma aventura, os multiplique, os some, segundo a sua própria criatividade. Deus investe em cada um de nós, Deus coloca nas nossas mãos a tarefa do ser, a tarefa do construir, a tarefa do habitar. O que é interessante na parábola é este drama entre aqueles que com a sua vida a multiplicam, a tornam fecunda, e aquele que enterra o talento, que é a imagem da própria vida, enterra o seu talento por medo. E nós perguntamos: “ O que é que faz render e o que é que bloqueia a vida?” Na justificação que o homem que enterrou o talento dá nós encontramos uma luz muito grande para, muitas vezes, os medos, os entraves, os bloqueios que reconhecemos dentro de nós.
O homem, quando questionado pelo Senhor, diz o seguinte: “Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste, por isso tive medo e escondi o teu talento na terra.” No fundo, qual é o problema? O que é que faz render ou o que é que desacelera a nossa vida? Tem a ver com esta figura interior que, de certa forma, nos dá ou nos retira a confiança, nos puxa para a frente ou nos tira o tapete interiormente. Este homem tinha interiorizado a imagem do Senhor como a de um homem severo, de um homem intransigente, de um homem implacável que procura recolher onde não lançou e retirar onde não semeou, e teve medo.
Eu diria que, muitas vezes, a nossa vida espiritual, e a nossa vida, não se tornam fecundas porque nós temos medo, porque dentro de nós há esta figura do pai severo da qual nós não nos libertamos. Em vez de encontrarmos dentro de nós o eco, a voz de uma confiança fundamental, encontramos dentro de nós a sombra de uma desconfiança, a sombra de um receio. A grande transformação é esta: descobrir o amor de Deus, descobrir a fé que Deus tem em nós, descobrir esta paixão incondicional que Deus tem pela nossa história. Deus não é o juiz julgador, Deus não é o pai severo, Deus não é o Senhor implacável que nos há de pedir contas do que nós pudemos e do que nós não pudemos. Mas Deus é o Deus rico em misericórdia. Cada um de nós precisa desta palavra de confiança, desta palavra fundante de confiança para poder prosperar, para poder ser, para poder também desafiar, ir além de si e além da sua fragilidade para construir uma história de ser.
Esta é, de facto, queridas irmãs e irmãos uma questão central porque é uma fonte de equívocos, uma fonte de sofrimentos. A verdade é que uma certa catequese levou a interiorizar uma imagem de Deus que continuamente nos tira o tapete, que continuamente desacredita em nós, que continuamente nos paralisa, quando a imagem de Deus é uma imagem radiosa, é uma imagem de confiança. “ Estarei convosco todos os dias, até ao fim dos tempos.” Nada nos separa do amor de Deus. Mesmo o nosso pecado não nos afasta Dele porque Ele está sempre ali connosco, Ele está sempre disponível. Uma certa visão de Deus tornou-se também, há que reconhecer, às vezes, um obstáculo para a fecundidade, para a criatividade, para a liberdade do ser. E é disso que a parábola de Jesus nos fala.
Há um texto, de uma escritora italiana, de que eu gosto muito, Natalia Guinzburg, sobre as virtudes. Ela diz: “Os pais têm uma grande preocupação em ensinar aos filhos as pequenas virtudes, mas não lhes ensinam as grandes.” Por exemplo, ensinam os filhos a ser prudentes mas não lhes ensinam a arriscar, a lançar-se, a ir para a frente. Ensinam os filhos a poupar, e é uma boa virtude, mas não os ensinam a gastar, a perceber o sentido disso. Ensinam os filhos a pensar em si, mas não ensinam os filhos a amar, a pensar nos outros, a esquecer-se de si. Então ela diz: “ Nós gastamos a vida a ensinar as pequenas virtudes e a esquecer as grandes.” É importante que olhando para Deus Pai nós percebamos que Ele nos ensina as pequenas virtudes mas também as grandes ou sobretudo as grandes. Este investimento de confiança é o investimento que nos cura, porque todos nós precisamos ser curados de uma imagem de Deus que se torna, de facto, o modelo que é o do Anti-Deus, que não é o Deus que Jesus nos revela.
O conselho que o senhor dá ao servo, “Devias ter colocado o meu dinheiro no banco e quando eu viesse havia de recolhê-lo.”, não tem a ver com os tempos que vivemos. De certa forma, esta parábola é anterior a invenção da Economia contemporânea, mas tem a ver com aquela economia básica, elementar, dos tempos de Jesus e tem sobretudo que ver com a economia da nossa vida, com aquilo que vamos construindo e vamos vivendo.
Queridos irmãos, apreendamos de Deus a imagem do amor. Sintamo-nos amados por Deus. Simone Weil dizia: “ A coisa mais importante não é amar a Deus, é compreender-se amado por Ele.” Sintamo-nos verdadeiramente amados e testemunhemos, uns aos outros, este amor, porque isso é o ponto de partida de uma vida desatada, de uma vida liberta, de uma vida criativa, de uma vida que dá fruto. Nós temos de perguntar pelo fruto que dá a nossa vida e por aquilo que nos aprisiona, aquilo que nos prende, aquilo que nos retém. Sintamo-nos assim envolvidos por este amor, que nos pede também uma revisitação da nossa vida, da nossa história, olhar para o interior de nós para sentir a frescura da palavra de Jesus, a consolação da sua palavra e também a ressurreição, a ressuscitação, a insurreição, a transformação que este anúncio do Deus amor pode despertar em nós.
Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo XXXIII do Tempo Comum
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