Queridos irmãs e irmãos,

Nós começamos hoje a caminhada de Advento. É importante perguntarmo-nos o que é para nós o Natal. Como é que cada um de nós se relaciona com este acontecimento que é, por um lado, o mistério da Incarnação do Senhor mas, por outro lado, a expectativa da Sua vinda.

Porque, de facto, a nossa vida está colocada entre duas vindas: a primeira vinda do Messias, que aconteceu há 2000 anos atrás, mas nós somos o povo messiânico, nós continuamos à espera e por isso ouvimos na Carta aos Efésios o autor Paulino dizer: “Estai vigilantes, estai expectantes, até que Cristo venha ao vosso encontro.”

E neste capítulo 13 do Evangelho de Marcos que hoje lemos, a mesma coisa: “Estai preparados, não aconteça que a vida vos torne sonolentos, sonâmbulos, distraídos e quando vier o Senhor, não O reconheçais!”

Por isso o imperativo final desta passagem é: Vigiai, estai atentos!

O que é para nós o Natal? O que é que estamos dispostos a fazer neste tempo? O que é que um cristão é chamado a fazer neste tempo? É ir apenas reabrir as caixas para montar a pequena cena que nós colocamos num espaço da nossa sala? Apenas buscar uma árvore, um pinheiro, enchê-lo de fantasia? Sonhar com os presentes, ajudar as crianças nesse sonho e depois tudo acabar no final do dia 25?

Qual é o nosso papel, o que é que nós esperamos verdadeiramente?

Nós somos herdeiros de uma grande transformação cultural que foi no sentido de uma individualização, do reforço do papel do sujeito, e da sua subjetividade; isso foi um movimento muito importante, que de certa forma construiu o mundo moderno e que de certa forma também é reação ao mundo anterior, onde a dimensão do coletivo, da tribo, da nação, praticamente não deixava espaço para as trajetórias individuais, para a liberdade de cada um.

Hoje, pelo contrário, porventura caímos no perigo oposto, que é: cada um de nós se sente um fragmento, se sente a viver uma história que tem a ver com ele, que é ele que tem de resolver, que é ele que tem de organizar, e sentindo-nos assim a gerir um assunto apenas privado que é a nossa vida.

E também em relação ao mistério da fé, nós privatizamo-lo de tal forma que quando pensamos no Natal e no Advento pensamos:

“Eu tenho de ser melhor, eu tenho de fazer alguma coisa por mim, eu tenho talvez de ser mais caridoso, mais atento, mais paciente, mais generoso, tenho de ser mais espiritual, menos materialista…” Mas na lista de prioridades, de tarefas ou compromissos que nós colocamos para fazer no Advento em vista do Natal é tudo: “Eu, eu eu, eu, eu…”

E não está mal, seria pior se nós fizéssemos uma lista para o outro fazer – mas, de qualquer maneira, isso é um sintoma da forma como nós interpretamos o Natal e interpretamos o mistério da fé. De uma forma muito rude, nós vivemos como se Cristo já não voltasse mais, como se Ele já não voltasse, como se verdadeiramente a nossa espera fosse inútil, como se o que o cristianismo nos pedisse fosse um: “Volta-te para o passado, e tira do passado a força, tira do passado a inspiração.”

E é um pouco isso que nós fazemos, vamos ao passado buscar, vamos à cena do Presépio retomar a história, a narrativa, que nos pode tornar melhores, que pode hoje dar algum sentido à nossa vida…

Mas verdadeiramente não nos assumimos como povo messiânico, a viver uma tensão que não é apenas a afirmação do passado, não é apenas para dizer “o passado era verdadeiro”, mas é um compromisso com o futuro, é uma tensão que atravessa e transforma o próprio presente, porque Cristo está para vir, Ele está para chegar. Nós somos o povo que acredita nisso, e que se sente mobilizado por essa expectativa.

É interessante, por exemplo, revisitarmos os textos cristãos das origens sobre o Natal, o modo como S. Mateus conta o nascimento de Jesus. Ele conta aquela história em paralelo, numa relação de conflito, de hostilidade: de um lado, temos Maria, José e Jesus e, do outro lado, temos Herodes. E Herodes sente-se ameaçado pelo nascimento de Jesus: num ato tresloucado, manda matar as crianças todas que nasceram naquele ano, tenta seduzir os Magos para eles lhe trazerem informação privilegiada para ele anular, eliminar Jesus. Vêm estes pagãos do Oriente, estes Magos, vêm de longe trazendo presentes e adorar este Deus que nasce. Este gesto é um gesto político, porque Israel vive a afirmar a sua identidade, o Messias seria o Messias de Israel – e contudo vêm os pagãos, os gentios das outras nações, que atravessam e vêm perguntar exatamente ao Rei qual é o outro Rei que nasceu.

Então o tempo de Natal é também um tempo de conflito, é um tempo de combate, é um tempo de luta – porque de repente aparece um Rei que põe em causa os nossos reinados, põe em causa a forma como nós organizamos a vida. O Messias vem desativar a própria lei, desativar o mundo como nós o conhecíamos.

Os Evangelhos são escritos também como textos contra aquele modelo tipicamente judaico, nacionalista, de esgotar a religião – e então o cristianismo vem abrir, daquele nacionalismo estrito, vem abrir ao universalismo, é uma bomba… É uma bomba com estilhaços por todo o lado, e são textos também escritos contra Roma, contra o imperador romano – porque se vai dizer que o verdadeiro Messias, o verdadeiro Filho de Deus não é um imperador, como o Senado de Roma acreditava, mas o verdadeiro Filho de Deus é aquela criança que nasce naquele curral em Belém.

Este é um gesto que transforma completamente o mundo, e quando chega o Messias, a Lei que vigorava antes do Messias deixa de vigorar, porque o Messias traz uma nova Lei, traz uma nova Ordem, traz um novo modo de viver, traz um novo olhar à vida.

O que nós esperamos, queridos irmãos, não é apenas a recordação infantil, comovida, boa, genuína e ingénua, do que aconteceu há 2000 anos atrás. Nós, mulheres e homens estamos aqui neste ano de 2017, a assumir-nos como um povo messiânico, como um povo que diz: “A nossa vida não se resolve só por nós, a nossa vida resolve-se em diálogo, em relação com este Jesus que vem – e este Jesus que vem obriga-me a viver de certa maneira, obriga-me a trazer no coração um conjunto de convicções fundamentais, obriga-me a ser d’Ele, a viver na espera, a pertencer-lhe cada vez mais, porque Ele vem, e o meu tempo é de expectativa…

Por isso, talvez em vez de fazermos presépios no cantinho da nossa sala, devíamos abrir a janela, devíamos abrir a porta, abrir as mãos, abrir o coração, e dizer: “Vem, vem”, e dizer: “Eu estou à espera, eu quero que Tu venhas, eu estou aqui disponível para a Tua vinda, e eu quero ser uma testemunha desse futuro, um testemunha desse novo lugar, uma sentinela dessa fronteira que significa de facto a Tua vinda, Tu seres tudo em todos…”

É claro, sendo assim, o Natal é muito exigente, é um tempo exigente para nós, porque não é apenas buscar aquele conforto que se derrama suavemente nas nossas almas, é buscar o desconforto daqueles que se colocam de pé e fazem das suas poucas forças um lugar para se erguer e dizer: “Senhor, eu estou aqui, eu estou à espera, eu vivo à Tua espera!”

Será que nós vivemos à espera do Messias? Será que em nós se reconhece essa sede, essa incompletude, esse desejo, essa inquietação, esse desassossego, essa fome profunda? Será que somos devorados pela espera de Deus, pelo desejo de Deus – ou já nos aburguesamos em termos da nossa fé e já temos o suficiente, já vimos o suficiente, no fundo já não precisamos de uma segunda vinda?

Queridos Irmãos, vigiai, vigiai! É como vigias, como visionários, como gente que olha, como gente que transporta novas visões que o Advento nos coloca, é uma responsabilidade…

Que saibamos de facto sentir o chamamento a sermos um povo messiânico e a não metermos o messianismo na gaveta, praticando uma religião do autoconforto, da autoajuda, que tem tudo para nos manter no “quentinho” do nosso caminho, mas não cria aquela disrupção do homem para consigo mesmo, que diz: “Eu não sou a medida de todas as coisas, eu estou à espera daquele que me mede, da verdade que chega, da verdade de Deus”…

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo I do Advento

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