Queridos irmãs e irmãos,

Aleluia! Esta palavra hebraica que significa “adorai, louvai, enchei de glória, enchei de louvor” é aquela palavra que habita hoje o nosso coração. Hoje é mais verdade que cada um de nós foi criado para adorar, foi criado para louvar, foi criado para dançar. Tudo o que existe bate palmas, tudo o que respira louva. Porque a vida que nós vimos tão ameaçada, tão retida pelos laços da morte, essa vida soltou-se.

A ressurreição é a reviravolta de Deus. A história escreve-se de outra maneira, não há uma fatalidade. Na Sexta-feira Santa nós sentimos o peso da fatalidade, que tantas vezes é a palavra que nós temos de mastigar devagar ao longo do tempo. Tem de ser, temos de nos conformar, temos de aceitar, temos de viver o vazio, temos de viver essa redução a cinzas, a nada, temos de ver o fogo apagar-se e compreender que é assim, que não há mais nada a fazer. E, quando os discípulos rolaram a pedra sobre o sepulcro, era como se um ponto final tivesse de ser colocado naquela história.

A espiritualidade de Sexta-feira Santa é a espiritualidade de uma vida adulta como a nossa. De uma vida inacabada, de uma vida dilacerada, presa nos seus conflitos, nas coisas irresolúveis da nossa história, sentindo que aquilo que temos de fazer ou que teríamos de fazer é tão superior às nossas possibilidades. Então, o que nós sentimos é as mãos vazias, o que nós sentimos é a conformação de abanar os ombros e dizer “é assim”, de encolher a vida e de aceitar que no fundo a morte ganha sempre. A morte e o que ela significa, porque a morte significa muitas coisas, não é apenas o fim desta vida terrena, é também a pequena morte que nos insinua a morte que é o egoísmo, a morte que é a maldade, a morte que é a violência, a morte que é a indiferença. No fundo, olhamos para o mundo, olhamos para nós próprios e dizemos: tarde ou cedo a morte ganha sempre. E a nossa vida torna-se uma vida ferida, uma vida marcada cada vez mais por uma nudez, vamos ficando cada vez mais vazios, cada vez mais ocos, se calhar cada vez mais conformados com a nudez de Cristo que está pregada naquela cruz.

E há a manhã de Páscoa, três dias depois, quando as coisas são levadas ao limite, quando já não há mais esperança alguma, quando tudo começa a entrar num processo de decomposição e de fim, aquela Madalena vai ao sepulcro e descobre que ele está vazio. Vem a correr doida de alegria, intrigada, dizer aos discípulos e eles põem-se a correr ao sepulcro. Hoje é o dia em que os cristãos correm, correm. Porquê? Porque o sepulcro vazio é inacreditável, é inacreditável! O que nós celebramos na Páscoa é inacreditável, é a verdade mais inacreditável. E ao mesmo tempo é a reviravolta, é o levantamento, é a insurreição, é a história como nós não a tínhamos pensado. E isto para cada um de nós, e isto para o destino do mundo.

Por isso, hoje é o dia de celebrar aleluia, de levantar a cabeça. Hoje é o dia de sentir a leveza, sentir a esperança como um sopro que nos refaz, que nos anima, que coloca um sorriso no fundo da nossa alma porque Ele ressuscitou. Aquele que desceu mais fundo do que se pode descer, Aquele que foi até à aniquilação para abraçar toda a minha ferida, toda a minha fragilidade, toda a minha miséria, levantou-Se. E, quando Ele Se levanta, ele leva-nos aos Seus ombros de bom-pastor; quando Ele Se levanta, Ele leva-nos, segura-nos nas suas mãos de misericórdia; quando Ele se levanta também coloca a minha vida de pé.

O verbo “ressuscitar” quer dizer: ficar de pé, levantar-se. Levantemo-nos! Este é o levantamento mais fácil, mas há um profundo dentro de nós, esse é o verbo “ressuscitar”. Podemo-nos sentar. Para compreender a ressurreição é preciso fazer um caminho. Nós perguntamos: quem foram as primeiras testemunhas da ressurreição? E a quem custou mais não acreditar na ressurreição?

As primeiras testemunhas da ressurreição foram as mulheres. Foram as mulheres porque elas não largavam o sepulcro, porque elas choravam, elas precisavam chorar, porque elas levavam perfumes, porque elas cuidavam, elas queriam cuidar na morte e para lá da própria morte, porque elas queriam ficar ali, porque não tinham nada a perder. Não tinham medo que lhes dissessem: “Tu és Dele, tu és Daquele.” Elas não tinham nada a perder. E, ao mesmo tempo, o testemunho das mulheres também não era válido num tribunal judaico. Então, reparem, aquelas que amam, aquelas que não têm medo de correr o risco de amar, aqueles e aquelas que cuidam, aqueles que permanecem são os primeiros a testemunhar o mistério da ressurreição.

Como é que nós vamos tatear a verdade da ressurreição? Se nos colocarmos na fronteira do amor, na fronteira do cuidado, na fronteira do serviço, se permanecermos fiéis à memória do amor e habitarmos esse lugar continuamente, se perdermos o medo de amar então nós vamos ser os primeiros testemunhas da ressurreição. E são elas, como diz o Papa Francisco, Madalena, seguindo a tradição dos Padres da Igreja, “Madalena, a apóstola dos apóstolos”, vai chamar Pedro e João e eles vêm a correr. E eles também têm de fazer o caminho para compreender. Então, há dois verbos. Há o verbo “ver”, e o que é que eles vêm? Veem o sepulcro vazio, vêm as ligaduras caídas, vêm o sudário dobrado. Este é o primeiro verbo, o verbo “ver”.

Os nossos olhos também veem e veem o vazio, veem o silêncio, veem esse lugar refulgente da ausência, veem o invisível, mas esta visão é para podermos acreditar. E o grande trabalho da ressurreição é acreditar, acreditar. Quem ama, quem cuida, quem permanece fiel, quem perfuma a vida dos outros, quem não abandona, quem habita o lugar da vizinhança, o lugar da proximidade acredita, acredita, aprende a acreditar. E é isso, queridos irmãos, que a Páscoa pede de cada um de nós: que aprendamos a acreditar. A acreditar que a vida é maior do que a morte, a acreditar que Deus repara as feridas, que Deus é capaz de salvar o insalvável, que para Deus não há o irrecuperável, que Ele é capaz de fazer e recriar e reconstruir, porque Ele é o Deus da vida. A ressurreição, o sepulcro vazio, é essa irrupção de vida – torna-se fonte, manancial, surto. É dessa fonte que nós temos de nos alimentar para encher a nossa vida de gestos, de olhares, de caminhos, de viagens, de projetos, de pactos. Porque a ressurreição tem de ser vida que nos atravessa.

S. Paulo na Carta aos Colossenses tem uma das mais belas formulações da Igreja antiga, ele diz: “Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus para que ela, com Cristo, se possa manifestar.”

Queridos irmãos, nós celebrámos o Tríduo Pascal e o que é que fizemos? Morremos com Cristo. E nesta Eucaristia nós morremos com Cristo, o homem velho, a mulher velha que subsiste dentro de nós, nós queremos deixar com Cristo o homem da impureza, queremos que morra com Cristo para que possamos renascer com Ele para a vida. Os cristãos sentiram uma coisa quase insolente, pelo menos muito insólita, eles acreditavam que o Espírito do Ressuscitado estava com eles. Nós aqui, não estamos apenas a celebrar um facto de há dois mil anos. Não, nós estamos a estremecer, como a haste de uma flor estremece ao vento. Nós estamos a brilhar, como quando uma luz se acende no interior. Porquê? Porque já não somos só nós, já não contamos apenas com as nossas forças, já não vivemos apenas a nossa pequena história, o Ressuscitado está connosco, o espírito do Ressuscitado hoje desce sobre nós. E Ele também nos transforma, Ele também opera a grande reviravolta, a grande transformação na nossa vida. Hoje, quando nos voltarmos a levantar seremos mulheres e homens novos.

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor

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