Caro Padre Tolentino, caros irmãos e irmãs,

Muito obrigado pelo vosso convite. Estou muito feliz por estar aqui convosco, nesta capela. Já ouvi falar sobre a história desta capela. Peço desculpa por não me poder expressar na vossa bonita língua.

Vim até Portugal principalmente para conhecer os meus leitores. Através dos meus livros, os meus leitores conseguem olhar para o interior do meu coração e agora posso olhar-vos também nos olhos, ver os vossos corações e também as vossas perguntas. O Cardeal Newman disse: “Cor ad cor loquitur”. O coração fala aos corações. Gostaria também de ouvir as vossas perguntas. Gosto muito de perguntas, julgo que às vezes são mais importantes até do que as respostas. Há, aliás, perguntas tão interessantes que é uma pena que sejam estragadas pelas suas respostas. Por vezes, Deus vem ao nosso encontro através de perguntas e não de respostas. “Onde estás tu, Homem? Onde estás, Adão? Onde está o teu irmão, Abel?” Numa Sexta-Feira Santa ouvimos a difícil, escura pergunta de Jesus: “Meu Deus, Meu Deus por que Me abandonaste?” Nesta pergunta, podemos ouvir o grito e as dúvidas de tanta gente que sofreu no passado e no presente.

A Ressurreição é um mistério para responder a esta pergunta. A Ressurreição não é o final feliz da história da Páscoa. A Ressurreição não é um fim, é um começo, um início.

Santo Agostinho dizia: “Rezar significa fechar os olhos e sentir que Deus está a criar o mundo neste preciso momento.” Os teólogos inventaram a noção de Creatio Continua, a continuidade da criação. Há alguns anos atrás surgiu-me a estranha ideia de que a ressurreição é também um processo continuo. É a Ressurectio Continua, a ressurreição a decorrer, a continuar.

A história da Igreja, a nossa própria história de vida, a história da nossa fé é uma participação na ressurreição, é a Ressurectio Continua. A Ressurreição não é apenas um evento histórico, é um processo dinâmico que decorre na profundeza da história e dos nossos corações.

A conversão de S. Paulo (Saulo), a conversão de Santo Agostinho e a conversão de pessoas comuns, como eu, é nada mais do que a participação no evento da Ressurreição. Somos chamados a dar testemunho de que Cristo está vivo, de que Cristo vive na nossa vida, na nossa Fé, na nossa esperança, no nosso riso.

Na Páscoa, Jesus veio ao encontro dos Seus Discípulos através da porta fechada do seu medo. Cristo está sempre a abrir a porta do nosso medo. Veio ao encontro dos Seus Discípulos como um estranho, um forasteiro. Então, os Seus Discípulos, e até Maria Madalena, começaram por não O reconhecer. O apóstolo S. Tomé reconheceu-O através das feridas. Jesus manifesta-Se sempre mostrando as Suas feridas.

No meu livro O meu Deus é um Deus ferido, recordo a minha experiência na Índia. Celebrei uma Eucaristia numa catedral em Chennai e a seguir visitei um orfanato. Fiquei muito sensibilizado ao ver tantas crianças pobres em sofrimento. Recordei-me de uma citação de Ivan Karamazov: “Sinto-me tentado a devolver a Deus o bilhete para o mundo em que as crianças sofrem.” E então, apercebi-me: estas são as feridas de Cristo neste mundo. Esta pobreza, este sofrimento, esta violência, esta perseguição, estas são as feridas de Cristo no nosso mundo. E, quando ignoramos as feridas de Cristo neste mundo, não temos o direito de dizer: “Meu Senhor e meu Deus.”

Gosto da lenda de S. Martinho. O diabo apareceu a S. Martinho na figura de Cristo, e então S. Martinho disse: “Onde estão as tuas feridas?“. Não consigo acreditar num Deus sem feridas, não consigo acreditar numa Igreja sem feridas. Não acredito numa fé sem feridas. A nossa fé está ferida através do mal no nosso mundo. A nossa fé é confrontada com difícil questão do sofrimento, da violência, da injustiça no nosso mundo. Às vezes é impossível receber as respostas finais às nossas perguntas mais difíceis, tal como estas. Acreditar é um encorajamento para entrar na nuvem do mistério. Viver é um mistério, um paradoxo.

De acordo com o livro de Génesis, fomos criados a partir do pó e do espírito. Jesus veio até aos Seus Discípulos e soprou o Espírito sobre eles. Na Páscoa voltamos ao pó, mas precisamos do espírito para ressuscitar. Pelo perdão somos recreados, recebemos uma nova oportunidade, um novo futuro. Algumas pessoas dizem que a nossa era é uma era pós-moderna e pós-secular, dizem que Deus voltou. Mas que Deus é que voltou? Não foi um regresso triunfante da velha religião. Deus volta por vezes como um estranho.

Acreditar significa ser confrontado com esta surpresa. A fé é a aventura de procurar e descobrir Deus. Jesus disse: “Estou presente nos meus irmãos e irmãs mais pequenos.” Podemos descobrir Deus nas profundezas da nossa relação com os outros. Jean-Paul Sartre disse: “O inferno são os outros.” Os cristãos dizem: “O paraíso são os outros.” Algumas ideologias prometeram o paraíso na terra, como os comunistas, por exemplo. Mas as pessoas que prometem o paraíso na terra, por vezes acabam por criar o inferno na terra. Mas nós somos convidados a dar testemunho do Cristo Ressuscitado. Através da nossa misericórdia, do nosso perdão, da nossa reconciliação e solidariedade podemos mostrar a paz do paraíso aqui na terra.

Desejo-vos, portanto, que sejam aqueles que mostram a paz do paraíso na terra. Pela vossa misericórdia, pelo vosso perdão, pela vossa reconciliação. Pela nossa vitória sobre o medo, o ódio e o espírito de vingança. Esperamos o Espírito do Senhor. Que o Espírito do Senhor nos dê a força para sermos testemunhas de Cristo vivo, na nossa era.

Obrigado.

Ámen.

Pe. Tomáš Halík, Domingo VI da Páscoa

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