Queridos irmãos e queridas irmãs

Há um texto da escritora Marguerite Yourcenar intitulado «Páscoa, a mais bela história do mundo», em que ela faz o resumo desta narração que hoje nós lemos e que vamos repetir na Sexta-Feira Santa.

E que é, no fundo, o relato dos últimos dias de Jesus. Desde a sua prisão, a sua condenação, a sua ida para o sacrifício, a sua morte, e depois o grande silêncio, que encheu a terra, silêncio que o próprio Jesus experimentou naquele grito «Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?» e que depois contagiou a terra inteira e que hoje nós sentimos, profundamente, na pausa que fizemos.

E Yourcenar escreve esta história para um amigo dela, que lhe disse : “Eu estive na Guerra da Crimeia,  e digo-te uma coisa, se Jesus, em vez de ter sido  crucificado tivesse sido fuzilado, eu acreditaria nele.” E ela escreveu aquelas páginas, dedicando-as a este amigo, para que ele visse que, por detrás da distância dos símbolos e das palavras, há uma atualidade que nós somos chamados a descobrir.

Queridos irmãs e irmãos, Jesus deu a sua vida por nós, por nós. Desta forma, neste tempo, mas numa oferta de si para todas as horas, para todas as formas e para todos os tempos. E é esta certeza que sustenta as nossas vidas. Nós somos consequência desta história, deste gesto, desta dádiva.

Aquele insulto que dirigiam a Jesus “Salvaste os outros, não podes salvar-te a ti mesmo” é, no fundo, a chave da sua própria vida. Exatamente porque numa dinâmica de amor, Jesus se dispõe a abraçar-nos, a sustentar as nossas vidas, as nossas humanidades, a dar a vida por nós, a amar-nos. Exatamente porque Ele se dispõe a amar-nos, Ele não pode salvar-se a si mesmo. Porque o que é próprio do amor é esse deixar de pensar em si. É esse abandono, é essa pobreza radical, é essa entrega, em que o outro, o outro, é colocado no centro. Nós estamos no centro do gesto de Jesus. Da sua história de amor, da sua entrega.

No início desta longa narração, há uma história um bocado misteriosa. Jesus manda os discípulos irem ter com um homem, uma personagem, nós não sabemos o seu nome, e dizer-lhe «Olha, eu quero celebrar a Páscoa este ano em tua casa».

Esta pessoa seria provavelmente o dono da sala de cima, onde Jesus comeu a Páscoa, a última ceia, com os seus discípulos. Mas a gente pergunta, porque é que ele não tem nome?

Possivelmente para evitar que ele tivesse consequências penais, que ele fosse perseguido, por de alguma forma, se ter envolvido com a história de alguém condenado à morte e ser apresentado como um cúmplice de Jesus. Então por motivo, digamos, de conveniência, o nome dele não é explicitado.

Mas, no Evangelho, sempre que as personagens aparecem sem nome, também nós temos uma outra razão: este homem não tem nome, porque ele tem os nossos nomes. Ele chama-se José, chama-se Luís, chama-se Manuel, Madalena, Maria.

Chama-se os nomes de todos nós. Porque é a cada um de nós que Jesus manda dizer: “Olha, Eu este ano quero celebrar a Páscoa em tua casa, no teu coração, na tua vida». E é dentro de nós que toda esta narração se vai devolver. Que a mais bela história do mundo, a mais santa história do mundo vai acontecer, nas nossas vidas.

Queridos Irmãs e Irmãos

No início desta Semana Santa, a Semana Maior do ano, que nos sintamos implicados, nos sintamos envolvidos, tenhamos capacidade de ver por detrás dos símbolos, de ver por detrás dos sinais e perceber que há aqui um encontro, que há aqui um dom, a dádiva que é feita a nós, que foi por causa de nós, que foi para nós que esta história aconteceu.

Pe. José Tolentino Mendonça

13 de Abril de 2014, Domingo de Ramos

Clique para ouvir a homilia